A Regionalização na Europa - I: o caso de Paris

Para ilustrar com um caso prático o que pode ser a Regionalização, proponho hoje um breve relance sobre a realidade parisiense.

À semelhança de Madrid, com a sua Comunidade Autónoma, Paris integra uma Região Administrativa de segundo nível (logo abaixo do Estado) denominada Ilha-de-França. Esta Região, no seu conjunto (dados referentes a 2002), possui cerca de onze milhões de habitantes e está ainda dividida em sete Departamentos, os quais por sua vez se sub-dividem então em Municípios (as "mairies").

Repare-se que, não certamente por acaso, Portugal tem também cerca de dez milhões de habitantes e está previsto vir a ter, no seu território continental, entre cinco e sete Regiões Administrativas...

Para não nos alongarmos demasiado, fixemo-nos por exemplo no sector dos Transportes Públicos - precisamente um dos que mais pode ser potenciado pela Regionalização, sobretudo numa região metropolitana (e que é também a minha especialidade).

Na organização institucional de Paris, o organismo responsável por este domínio é o INSTITUTO DOS TRANSPORTES DA ILHA-DE-FRANÇA («STIF»), no qual estão representados o Estado, o Executivo da Região, os sete Departamentos e a associação "OPTILE", que agremia os Operadores Privados de Transporte Colectivo.

NOTA: Como se vê, os Municípios nem sequer estão representados, dado que não possuem quaisquer competências neste campo. O que, aliás, não é muito diferente em Portugal, dado que as Câmaras Municipais, à excepção das poucas que ainda mantêm serviços municipalizados de transportes urbanos, só detêm competências residuais nesta área (o que se previa pudesse ter sido alterado pelas Autoridades Metropolitanas de Transportes (A. M. T.'s), mas que, infelizmente, até à data ainda não saíu do papel - poderei voltar a este tema noutro artigo).

Mas em França isso explica-se, igualmente, por haver quatro e não três (como manda a Constituição para Portugal) níveis de Administração Pública, sendo que os Concelhos lá têm competências pouco mais alargadas do que as nossas Freguesias. Mas adiante.


O referido STIF tem como principais incumbências coordenar e assegurar o funcionamento do sistema regional de transportes colectivos, o que faz através de uma empresa concessionária (assim como, por exemplo, a «Brisa» nas nossas auto-estradas), neste caso a conhecida e prestigiada «RATP», responsável pelos modos de transporte rodoviário e ferroviário urbano - metro e eléctrico rápido.

Fora desta concessão ficam apenas algumas empresas de camionagem (integrantes da citada "OPTILE"), para além de tudo o que é transporte ferroviário sub-urbano ("RER") e inter-urbano, a cargo da SNCF.

Mas quais então as vantagens práticas desta organização institucional? Àparte a questão do modelo de gestão (concessão), que deriva mais de considerações de eficácia económica, a principal vantagem reside no facto de:

1º) O sistema de transportes metropolitano é gerido por órgãos de poder democrático predominantemente eleitos pelos próprios destinatários/utentes desse mesmo sistema, todos em pé de igualdade e sem intermediários, independentemente do local onde residam (e votem!) e suportado por contribuições e taxas provenientes do território e dos tecidos social e empresarial para os quais se destina;

2º) O sistema de transportes, ao estar na dependência das autoridades regionais, que possuem igualmente competências nos sectores que determinam as características da oferta e da procura - ordenamento do território, políticas de habitação, etc. - pode ser pensado de uma forma integrada com os outros sistemas inter-dependentes, o que evita descoordenações e explica os bons resultados obtidos, tanto a nível económico, como social!

Entre nós, assiste-se impotentemente ao contínuo descalabro financeiro das empresas públicas de transportes, que constituem um peso inadmissível no défice das contas públicas, a par de um contínuo decréscimo de passageiros e de uma crescente insatisfação por parte dos utentes que não têm (ainda?) meios para optar, como já fez a maioria, pelo transporte individual!

Resultado, não exclusivo mas também, da óbvia e natural incapacidade de coordenação entre, por um lado, o Governo central, que continua a deter competências directas (empresas públicas, como o Metro, os STCP, a CARRIS, etc.) e indirectas (legais, fiscais, etc.) no sistema de Transportes e, por outro, os vários poderes autárquicos (só na AML são dezanove!), que possuem competências praticamente exclusivas no licenciamento da edificação urbana (habitações) e da localização dos pólos geradores de deslocações (empregos e equipamentos colectivos), mas quase nulas no tocante ao financiamento e funcionamento dos sistemas de transportes!

Vejam-se, como exemplos elucidativos, as "sagas" intermináveis e desgastantes do Metro do Sul do Tejo (Almada e Seixal), do "Metro do Mondego" (Lousã e Coimbra), do "Metro de Superfície Algés-Falagueira" (estes dois ainda nem saíram do papel...) e a prolongada estadia na "incubadora" das ansiadas A. M. T.'s (que todavia, como se sabe, pecam por não terem representatividade regional directa, mas sempre mediada pelas Autarquias)...

Como se compreende, se cada Autarquia tiver as suas próprias prioridades e opiniões (e podem crer que têm...), assim como o Estado, e como cada um destes órgãos representa eleitorados diferentes, só por milagre se podem definir estratégias concertadas e eficazes para os Transportes! E assim voltamos ao cerne da questão: só por meio de órgãos representativos do universo eleitoral interessado no problema, com competências próprias sobre esse e os principais domínios que o influenciam, é que o mesmo poderá um dia ser efectiva e equilibradamente solucionado!

Como em Cidades como Paris, ou Madrid, ou Nápoles, ou Berlim...

Comentários

Apesar de muito atrasados, aqui ficam os meus agradecimentos pelas oportunas e "felizes" ilustrações...