Causa Algarve

Sérgio Martins, Algarvio
in barlavento, 09.03.2006

No passado dia 16 de Fevereiro, nas páginas do «barlavento», Macário Correia, presidente da Área Metropolitana do Algarve (AMAL), opinou que os enleios da REN (Reserva Ecológica Nacional) e da Rede Natura 2000 a carecerem de actualização, assim como os enleios da elaboração de planos de pormenor, de urbanização e outras coisas úteis que enrolam e protelam seis, oito, dez anos, resultarão num próximo Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL) que não serve para nada.

Nas palavras pesarosas do presidente da AMAL também se pode interpretar que o Governo em Lisboa parece que se esqueceu dos problemas e necessidades deste nosso Algarve (e acrescento que somos vistos como pouco mais do que geradores de receitas por via do turismo para os cofres do Terreiro do Paço).

É um diagnóstico que já é conhecido e urge apresentar propostas para ultrapassar esses enleios. Também é urgente assumir (e agir nesse sentido) que esses enleios florescem à sombra da inexistência de uma Região Administrativa e por não termos uma estrutura regional forte, democraticamente eleita e legítima, com peso representativo, institucional, político e negocial a diversos níveis. Uma estrutura deste tipo é fundamental para o estabelecimento de uma governação regional global, planeada, concertada e estratégica (também induzida pelo estimulo das eleições) e para uma relação mais eficaz da região com o poder central.

Por seu lado, Mendes Bota, presidente do PSD-Algarve, no «Postal do Algarve» de 23 de Fevereiro, eleva a Regionalização do Algarve a uma prioridade absoluta. Mas não avança uma linha sobre propostas para se chegar a tão importante objectivo.

Mas também acontece que não há quem diga uma palavra, positiva ou negativa, sobre o Projecto de Resolução do PCP que está na Assembleia da República, desde Julho de 2005, que prevê um calendário concreto para o desenvolvimento do processo da regionalização, incluindo a consulta das Assembleias Municipais, um referendo no primeiro trimestre de 2007 e as primeiras eleições regionais em Outubro de 2007.

Tem sido assim ao longo dos anos. Esporadicamente alguém versa sobre regionalização, mas das palavras não se passa à acção. É caso para perguntar até quando vão continuar as lamentações sobre o nosso Algarve sem que quem de direito faça algo em concreto para dar o pontapé de saída na regionalização do Algarve? A Causa Algarve está na ordem do dia e, como algarvio que ambiciona um Algarve sustentavelmente desenvolvido, volto a apelar a quem lidera.

Excelentíssimos Senhores: António Goulart (CGTP-IN), Cabrita Neto (AIHSA), Elidérico Viegas (AHETA), Fernando Reis (Jornal do Algarve), Hélder Martins (RTA), Hélder Nunes (barlavento), Henrique Dias Freire (Postal do Algarve), João Guerreiro (Universidade do Algarve), João Pina (Algarve Mais), José Manuel do Carmo (BE), José Mateus Moreno (Região Sul), Macário Correia (AMAL), Mendes Bota (PSD), Miguel Freitas (PS), Rui Fernandes (PCP) e Vítor Neto (NERA): podem, se fazem favor, juntar-se à volta de uma mesa para discutir e agir em torno do Algarve, da descentralização administrativa e da regionalização?


Estamos a perder muito tempo
Helder Nunes, director do barlavento
in barlavento, 09.03.2006

A regionalização não pode esperar do novo Presidente da República Aníbal António Cavaco Silva, que hoje é empossado no cargo, um pequeno empurrão que seja.

A sua visão de um Estado centralizador é convergente com muito do poder instituído, reclamando, na entrevista dada ao diário espanhol ABC, de acordo com o jornal «Público», que «a centralização prova que Portugal é um país com uma forte unidade, que não tem problemas linguísticos, étnicos ou religiosos», como se administração moderna de um Estado passasse por questões meramente casuísticas no contexto territorial.

Colocar a regionalização como factor desestabilizador da unidade nacional é imputar inconstitucionalidade aos artigos da Constituição que apontam para a criação das regiões administrativas no Continente e pensar que, em cada uma das cinco previstas, poderá aparecer algum pequeno ditador, pensar no hipotético levantamento do povo solicitando a sua emancipação como pequena Nação ou querer assemelhar o território continental ao das ilhas.

A realidade de Portugal, e Cavaco Silva conhece-a bem, difere de região para região, nos costumes, no seu linguajar, na sua identidade e, quando afirma existir uma «forte unidade», ela é apenas fictícia, porque entre o Litoral e Interior há um enorme fosso.

A abertura das fronteiras, numa Europa de livre circulação, leva as pessoas a procurar locais onde possam ter uma melhor estabilidade de vida. Saberá o novo Presidente da República que os portugueses de Castro Marim e Vila Real de Santo António vão morar para Espanha, dispostos a reclamar dentro do período legal o seu reconhecimento como moradores no país vizinho para obtenção das benesses que o seu país de origem não lhes dá?

Esta fuga não é causada por qualquer regionalização, mas pelo centralismo e convergência de interesses no Litoral, com o abandono das zonas do interior, cuja desertificação desmotiva quaisquer investimentos e a própria fixação das pessoas.

Pensar que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem contribui, isso sim, para a desagregação de um país, onde as assimetrias entre regiões ricas e pobres se acentuam em cada dia que passa.

O país lucraria se a regionalização administrativa já estivesse implementada. Basta olhar para outras regiões da Europa onde o sistema foi implantado para se perceber o desenvolvimento que sofreram e o apego que os seus naturais sentem pela sua terra.

A Andaluzia, no contexto europeu, pretende criar uma região ibérica com o Algarve e o Alentejo, numa visão de futuro, que a grandeza deste território pode complementar. Mas, com quem dialogam os responsáveis da Região Autonómica da Andaluzia?

Não podem dialogar com cada um dos municípios, assim como não tem cabimento colocar na mesa qualquer secretário ou ministro do Poder Central e muito menos entabular negociações com organismos descentralizados, que mais não são do que meros representantes de Lisboa, executores de directrizes emanadas das respectivas tutelas.

Estamos a perder muito tempo.

Um tempo precioso para relançar o futuro do Algarve e do Alentejo, quando se sabe, porque a Constituição assim o admite, que basta às Assembleias Municipais aprovarem a regionalização para que se institucionalizem as Regiões Administrativas, criadas no reinado de Cavaco Silva, então primeiro-ministro, pela Lei nº 56/91. Estamos a falar do mesmo político, só que em funções diferentes.

Quando se arredonda o discurso político, remetendo para uma próxima legislatura um referendo sobre a regionalização, pretende-se, tão só, mascarar a realidade.

O que está em causa é uma reforma profunda no sistema administrativo do Estado, com uma modernidade que permita avançar para a desburocratização. Torna-se urgente, assim, regulamentar o artigo 2º da Lei nº 56/91, criando uma lei que defina as atribuições e competências das regiões administrativas e submeter à aprovação das Assembleias Municipais as regiões.

O referendo é um falso pretexto para adiar a descentralização do poder. Os políticos de Lisboa não querem abdicar da tutela que têm sobre as regiões. Está na sua formação, muita dela feita ainda na base do antigo regime ditatorial, e porque na sua grande maioria nem todos eram democratas antes do 25 de Abril.

Daí o conceito pouco abrangente de que o poder deve ser partilhado e ficar próximo do povo.

Comentários

Anónimo disse…
Existe uma coisa que nós, portugueses, temos que ter não só a consciência mas sobretudo a intuição imediata - ninguém dá nada a ninguém! O poder político centralizado em Lisboa nunca abrirá mãos do poder que séculos de centralização lhe proporcionaram a fim de desenvolver as outras regiões do país. A regionalização apenas pode passar por um levantamento da consciência colectiva e uma propaganda intensa que desvende os podres e as desigualdades existentes na nação. Cavaco Silva, como uma das pessoas no poleiro, jamais abrirá mão relativamente a esse projecto. Por outro lado, recomendo a visita do seguinte blog: corporacoes.blogspot.com e solicito aos autores de este excelente blog que deixem lá uma achega para a corporação lisboeta que vai governando o país.
Anónimo disse…
Onde estavam Mendes Bota e Macário Correia em 97, quando houve o referendo que ditou o "não" às Regiões (mas só no Continente...)? A lamber as botas de Rebelo de Sousa?