Duzentos anos de Centralismo Crescente

Já no século XIX, Garret e Herculano constatavam a espessura do manto regulador do Estado sobre a sociedade.

"Quereis encontrar o governo central? Do berço à cova encontrai-lo por todas as fases da vossa vida, raramente para vos proteger, de contínuo para vos incomodar. Nada, a bem dizer, se move na vida colectiva do povo que não venha de cima o impulso, ou que pelo menos o governo se não se associe a esse impulso"

"Na verdade, a doutrina de que o excesso de acção administrativa, hoje acumulada, deve derivar em grande parte do centro para a circunferência repugna aos partidos, e irrita-os. Sei isso, e sei porquê. Os partidos, sejam quais forem as suas opiniões ou os seus interesses, ganham sempre com a centralização. Se não lhes dá maior número de possibilidades de vencimento nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as, e, obtido o poder, a centralização é o grande meio de o conservarem. Nunca esperem dos partidos essas tendências. Seria o suicídio. Daí vem a sua incompetência, e nenhuma autoridade do seu voto nesta matéria"

HERCULANO, Alexandre

"Carta aos eleitores do Círculo de Sintra"(1858),
Opúsculos, tomo II, 2ª. ed., 1880,


Dir-se-ia que Alexandre Herculano antecipou um dos mecanismos que cerca de cem anos mais tarde se poderia contar entre os que maior obstáculo colocaram à regionalização do país: o carácter centralista do país e dos partidos políticos.

Também dizia Garret, os Provedores do Concelho ou os Administradores, "esta nova e repugnante excrescência de autoridades", somente entorpecem a acção municipal, retirando-lhe toda a energia e vitalidade. Por outro lado, os Governadores-civis, "nada fazem porque nada podem fazer, [e] têm de permanecer como estafermos que a autoridade central ali põe para dissimular a sua impotência, a fingir que vela pela prosperidade pública.


Já em 1984, o diagnóstico de António Barreto era esclarecedor do percurso retomado:

"Em Portugal, a Sociedade e o Estado encontram-se fortemente centralizados em termos tanto económicos e sociais, como políticos, culturais e administrativos. Esta situação tem-se reforçado, sobretudo, desde as primeiras décadas do século XIX. Todas as forças dirigentes desde então e mau grado os frequentes programas políticos descentralizadores, contribuiram no mesmo sentido para o fortalecimento do poder central e para a concentração do poder na capital e na Administração. Assim agiram os "Liberais" e mais tarde os "Republicanos"; do mesmo modo actuou o regime corporativo do Estado Novo; e o regime democrático instaurado em 1974 não alterou o rumo estabelecido em quase nenhum aspecto.

O Estado Central e o sector público são hoje mais amplos e mais vastos do que há dez anos atrás. Em múltiplos domínios, têm mais poderes e mais competências".

BARRETO, António
"Estado e Descentralização: antecedentes e evolução, 1974-1984".
Análise Social nº 81-82, 1984. p. 191


Daniel Francisco - Docente Fac Economia Coimbra

Comentários

É por isso que eu estou convencido de que não poderemos contar com os Partidos políticos para avançar com a Regionalização.

Devemos agradecer aos constituintes terem-na salvaguardado na nossa lei fundamental, ao menos isso, mas o essencial terá de ser conseguido pela sociedade civil, de uma forma consistente, organizada e persistente.

A Regionalização é assim como a nossa saúde: quem deve cuidar dela em primeira mão somos nós (o Povo), com a ajuda dos especialistas (médicos e enfermeiros). Os directores dos hospitais (políticos) terão, a seu tempo, que tomar as decisões certas, mas serão apenas e última e superior instância, nunca a primeira, de todo este processo.
Amigo A Castanho,

Contrariando um pouco esta ideia do instrumentalismo por parte dos partidos des causa da regionalização, parece que o PS tem uma estratégia bem definida e bem estruturada sobre a forma como levar a cabo a Regionalização.

Apesar de me parecer uma metodologia exageradamente tecnocrática, mesmo assim reporto o plano como muito positivo.
Também eu estou moderadamente confiante...

Um abraço,

A. C.