O Algarve é rico?


Sérgio Martins, in Algarve Mais, Agosto de 2006

O Algarve vai receber menos 77 por cento de fundos comunitários no período 2007-2013. Com a entrada de países menos desenvolvidos de leste na União Europeia (UE) a média do Produto Interno Bruto per capita (PIBpc) da UE desceu e o PIBpc do Algarve deu um salto automático de 73 para 80 por cento da média da UE, ultrapassando a fasquia de 75 por cento da média da UE que implica cortes nos fundos.

Mas, estamos perante apenas um efeito estatístico enganador e a pouca riqueza do Algarve continua exactamente a mesma. No entanto, os dados estão lançados, o Algarve perde e o Governo não soube acautelar o nosso futuro

O Governo não soube negociar as diferenças do Algarve. O PIB não é a metodologia mais adequada para medir a nossa riqueza. O PIB é o que se produz e não o que se distribui, mas a riqueza é o que se recebe e não o que produz. O Turismo do Algarve gera muitas receitas mas grande parte do valor acrescentado, da riqueza criada, não fica na região.

Por outro lado, na metodologia do PIBpc são apenas considerados os residentes mas, no Algarve, temos uma população permanente muito superior à residente. Pelo que, mesmo optando por medir o PIB e a produção, temos mais pessoas por quem estatisticamente dividir o PIB e menos PIB por pessoa no Algarve.

Aliás, sobre a riqueza do Algarve, também não deixa de ser revelador que na actividade mais relevante no emprego algarvio, Hotelaria e Resturação, temos a nível nacional os salários médios mais baixos (menos 34 por cento que a média) e a taxa mais alta de salários mínimos (14,5 contra 5,8 por cento no geral).

O Algarve não é rico. Mas, de nada serviram alguns alertas de Macário Correia (Presidente da Área Metropolitana do Algarve), Jamila Madeira, Mendes Bota, Pedro Guerreiro (eurodeputados do PS, PSD e PCP, respectivamente) e de alguns outros (poucos). Nalguns casos as intervenções pecam por tardias. Algo falhou nas negociações do Governo com a UE e os eurodeputados do PS e do PSD acabaram por votar a favor dos cortes para o Algarve.

É escandaloso. Porque outras 21 regiões europeias sofreram o mesmo efeito estatístico, mas é o Algarve que perde mais, muito mais. O Algarve vai perder 77 por cento dos fundos europeus enquanto as outras 21 regiões perdem apenas entre 15 e 40 por cento.

O Algarve ficará com 254 milhões de euros, contra os anteriores 1090 milhões de euros. Estes milhões dão para 2 ou 3 projectos regionais (que vão ser as prioridades) e nada mais. A Madeira, também abrangida pelo efeito estatístico, ficará com 407 milhões de euros e Lisboa, região bem mais rica, ficará com 436 milhões de euros.

Lá fora, as Canárias ficarão com 1300 milhões de euros, apesar de já registarem 91 por cento do valor médio do PIBpc da UE e de mesmo sem o alargamento já superaram os 75 por cento. Mas, os nossos vizinhos negociaram um critério para os fundos baseado na população e não na riqueza por habitante.

Já o mesmo não foi feito para o Algarve, que poderia muito bem ter tido um critério adicional para a distribuição dos fundos, quer a população permanente ou a flutuante, quer o nível educacional da população segundo uma proposta da eurodeputada Jamila Madeira. Registe-se que o nível de qualificações académicas no Algarve é manifestamente inferior ao de muitas regiões do leste europeu.

Mas, o que temos, com responsabilidades do Governo e a aprovação dos eurodeputados do PS e do PSD, é que o Algarve perde e muito. Agora, outra coisa não se pode deixar de reclamar que não seja a garantia do Governo que o Algarve terá um acesso privilegiado e compensatório aos 2722 milhões de euros do Fundo de Coesão que podem ser utilizados em todo o território nacional para financiar infra-estruturas de transportes e ambiente, aos 88 milhões para cooperação transfronteiriça, aos 3300 milhões de euros para o desenvolvimento rural e pescas, assim como a outras iniciativas governamentais e comunitárias.

Só assim o Algarve não ficará cercado e comprimido pelas regiões, que não sofrem cortes, da Andaluzia e do Alentejo, com perda de capacidade de atracção e realização investimentos por não dispor dos mesmos instrumentos de apoio.

Sendo que também não se pode ignorar que têm sido e, porventura, continuarão a ser processos com pouca intervenção das lideranças algarvias. Vamos ver daqui para a frente, mas o passado e o futuro não são alheios à inexistência de lideranças algarvias verdadeiramente estruturadas, programas estratégicos de âmbito regional e com peso político e institucional para funcionarem também como grupo de pressão junto do Governo e da UE. A emergência de lideranças estruturadas dificilmente acontecerá sem a existência de um poder regional eleito, democrático, estratégico, dinâmico e mobilizador - a Região Administrativa do Algarve. Esta é a actual e mais importante Causa do Algarve.

Comentários

"A Madeira, também abrangida pelo efeito estatístico, ficará com 407 milhões de euros e Lisboa, Região bem mais rica, ficará com 436 milhões de euros".

Sim, mas a dividir por três milhões de habitantes! O rigor nestas matérias é indispensável para se obter credibilidade.

Lamento o que aconteceu ao Algarve, mas era esperado. Quando se optou pela "mono-cultura intensiva" do Turismo, que fez disparar o PIB algarvio (e enriquecer alguns...) nunca ninguém questionou a opção.

Agora chora-se a injustiça de os proventos dessa "mono-cultura" de pouco servirem aos algarvios...

Mais um motivo para se avançar com a Região do Algarve: assim os Cidadãos algarvios poderão sempre ficar a saber quem foram os culpados pelas más opções tomadas (ou então queixarem-se apenas de si próprios...)!
Anónimo disse…
Mas, Lisboa, com um nivel de vida, para 3 milhões de habitantes, bem acima do resto do país.
Sim, mas isso acontece porquê? Por receber mais da U. E.?

Ou por aqui se trabalhar mais e melhor (entre outras razões)?

Em todo o caso, os Cidadãos da Região de Lisboa e Vale do Tejo não deixam por isso de ser os mais solidários para com o todo nacional, já que são os MAIORES CONTRIBUINTES LÍQUIDOS, per capita, para o O. G. E. português...
Caro A Castanho,

Como sabe, muitos dos indicadores económicos (entre eles o PIB) estão inflacionados no que toca à região de Lisboa.

Este facto é indissociável da nossa macrocefalia política, administrativa e económica. Muito do que é produzido no resto do País, é contabilizado por Lisboa, por ser aí a sede quer do aparelho político, quer de quase todas as grandes empresas nacionais, internacionais e globais.

Cumprimentos,
Caro Sergio,

Partilho este seu sentimento de injustiça relativamente ao Algarve. Falta claramente peso político e sintonia de objectivos às elites algarvias. Infelizmente, este é um problema comum às restantes regiões do país. A força centrífuga de Lisboa está a tornar-se irresistível e avassaladora em quase todos os domínios.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
As cidades e as regiões competem (devem competir) entre si.
Apresenta-se o facto de as grandes empresas escolherem livremente (sem que ninguém as obrigue) ter a sede em Lisboa como uma fatalidade das outras cidades e regiões do país e não como um mérito de Lisboa.
É essa atitude fatalista e demissionária das outras cidades e regiões do país, aliada ao maior dinamismo da Região de Lisboa e Vale do Tejo (dinamismo este que é um mérito indiscutível das suas populações e dos seus agentes económicos, por muito que isso custe a “engolir” às regiões “pobrezinhas” que são sobretudo vítimas de si próprias e dos seus decisores públicos), que contribui para engrossar a macrocefalia de Lisboa.
Mas se a presença das grandes empresas contribui para aumentar o PIB de uma dada região, não deviam os decisores locais esforçar-se por atrair essas empresas em vez de passarem a vida a lamentarem-se da vida ? No limite, se não conseguem ser competitivos também não têm motivo para se queixarem (a não ser da sua própria incapacidade).
Anónimo disse…
«Sendo que também não se pode ignorar que têm sido e, porventura, continuarão a ser processos com pouca intervenção das lideranças algarvias.», Editor - sergio @10:07

Um dos processos que teve a intervenção directa das lideranças algarvias foi o da construção do Estádio do Algarve.
Agora, como a conta de exploração é fortemente negativa (o que já se advinhava na altura) e não dispõem de competências locais para a tornar positiva o que é que fazem ? O que fazem sempre: pedem mais dinheiro ao Orçamento do Estado, para subsidiar as megalomanias irresponsáveis.
Anónimo disse…
«Mas, Lisboa, com um nivel de vida, para 3 milhões de habitantes, bem acima do resto do país.», Qua Ago 02, 10:38:31 PM

E as outras regiões, estão a fazer alguma coisa para atingir, ou mesmo ultrapassar, esse nível de vida ?
Vão dedicar-se ao trabalho ou à inveja ?
A Região de Lisboa está porventura em dívida com alguma outra ? Tem de pedir desculpa ao país por ser mais dinâmica ?
[ Ver mais abaixo comentários ao post "Salvar o Interior", de 22 de Julho de 2006 ]
Caro Anonimo,

Tenho, como não podia deixar de ser, todo o respeito por estas suas opiniões. Todavia, uma vez mais, estou em completo desacordo.

O seu raciocínio não está correcto, desde logo, pelo facto de em Portugal continental não existirem Regiões, nem políticas, nem sequer administrativas. Isto na prática significa que temos um Estado fortemente centralizado e, como é sabido, a este tipo de organização político-administrativa, corresponde um desenvolvimento economico tendencialmente unipolar.

Mais, em Portugal continental não há concorrência inter-regional pelo simples facto de não existirem regiões administrativas. As regiões administrativas (definidas na lei) têm muito pouco a ver com o conteúdo operacional das actuais CCDRs.

Também não podemos, nem devemos, confundir políticas regionais com acções políticas avulsas levadas a cabo por alguns autarcas.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
É o post a que respondo que faz referência, ao Algarve, à Madeira, a Lisboa, e ao Alentejo, e as refere como regiões destinatárias de dinheiros públicos.
E é nesse universo que os meus comentários têm validade.
Falo de atitudes e comportamentos e de rigor discursivo. Que é o que está verdadeiramente em causa.
O conteúdo do post é todo ele sobre a competição entre "regiões" (coloco agora entre aspas, ao contrário do que fez o seu autor) pela captação de mais fundos públicos. Então afinal, pelo menos para o autor do post, sempre há competição entre "regiões" !
O que eu contesto é:
1) A falta de rigor resultante de não se utilizar o critério Fundos per Capita (e apenas o valor absoluto), cf. foi evidenciado num comentário anterior de outro editor do blogue;
2) A permanente competição por mais recursos, nunca por mais eficiência (se são regiões para receber dinheiros públicos também devem ser regiões para medir o retorno sobre os investimentos públicos lá realizados; ou são regiões só para receber ?);
3) O branqueamento da actuação irresponsável de muitos autarcas na gestão de fundos públicos;
4) A vitimização em relação às livres escolhas de localização realizadas pelas empresas. Refere-se que Lisboa é mais rica porque as empresas se localizam em Lisboa e retira-se a conclusão de que isso é culpa e não mérito de Lisboa.
Anónimo disse…
Região de Lisboa é rica por ser mais dinâminca? E não é região que mais tem sido bafejada pelo investimento público?
Anónimo disse…
Não, não é. Em valores per capita, que é o critério relevante, cf. já lhe foi explicado num comentário anterior de outro editor do blogue.
Aliás, o exemplo que apresenta (comparação entre Lisboa e Madeira) apenas confirma que Lisboa é menos “bafejada pelo investimento público” do que a Madeira.
E depois há o outro lado da questão: que é o retorno sobre os investimentos públicos.
Ao fim de tantos milhões de Euros recebidos, o que é que as regiões “bafejadas” por essas toneladas de dinheiro têm para mostrar (uma piscina por freguesia, uma estátua por rotunda, uma pista de atletismo sem um único praticante) ?
Anónimo disse…
«Região de Lisboa é rica por ser mais dinâminca? », Seg Ago 07, 09:46:23 AM

Será sorte ? Será o destino ? Mérito não é certamente.
Em Portugal o sucesso nunca resulta do mérito e do esforço individual. Pois não ?
Continua por aqui alguma confusão conceptual.

É indiscutível que a região de Lisboa é actualmente a mais dinâmica deste país. Agora é preciso perceber porque é que isso acontece.

Os portugueses de Lisboa (por acaso, maioritariamente oriundos de outras regiões) não resultam de nenhum aprimoramento racial, são muito parecidos com os seus restantes concidadãos. O seu maior dinamismo económico está claramente associado, quer ao centralismo político e administrativo, quer à grande injecção de fundos oriundos dos orçamentos públicos nacionais e comunitários.

Uma Lisboa próspera e solidária articulada com uma efectiva descentralização política e administrativa pode funcionar como um motor para o tão apregoado desenvolvimento efectivo do país.
Caro A. Felizes,

para ajudar a desfazer confusões, sempre perniciosas para o objectivo de uma boa discussão:

1 - O dinamismo da região de Lisboa é o resultado de um longo processo histórico, não resulta apenas de uma excepcional concentração de investimento público (e muito menos de qualquer espécie de "superioridade" dos seus habitantes);

2 - O dinamismo de Lisboa não deve ser invejado e muito menos "combatido" por outras regiões, mas sim estudado e aproveitado por elas;

3 - A injecção maciça de dinheiros públicos já provou não ser suficiente, podendo até, ao invés, ser contraproducente, para o progresso de regiões estruturalmente deprimidas (em Portugal, aliás, são muitos os exemplos desses efeitos perniciosos, infelizmente);

4 - Se o critério do PIB pode conter distorções, o facto é que, ou se calcula de outra forna, ou se arranja outro indicador. O que não pode admitir-se é tomá-lo por bom para uns fins e incorrecto para outros...

5 - Quanto ao Algarve, parece-me que alguma auto-crítica face aos poderes locais e menos "choradinho" face ao Governo de "Lisboa" (que até foi chefiado durante dez anos seguidos por um boliqueimense) será certamente mais útil para a causa da Regionalização!

Que me parece não ganhar mesmo nada com este azedume mal disfarçado contra uma das Regiões mais importantes do País: Lisboa e Vale do Tejo (sem desprimor ou desconsideração para nenhuma outra, bem entendido).

Com os melhores cumprimentos,

Ant.º das Neves Castanho.
Anónimo disse…
Mas, talvez o facto central seja que o Algarve é cortado a 70% e as outras regiões 20% a 40%...