DAS COISAS DA LÓGICA ...


Quando a regionalização surge no sistema político português, em 1976, faz parte de um projecto mais vasto de descentralização do Estado, interpretado como um dos passos fundamentais para consolidar as aspirações democráticas e desenvolvimentistas emancipadas com o fim do Estado Novo.

O programa de descentralização então esboçado não suscitou qualquer resistência entre as forças políticas em presença. De igual forma a regionalização, que entrou na Constituição de 1976 como um dos princípios consensualmente aceites para subverter a tradição anti-democrática, centralista e burocrática da administração salazarista-caetanista.

Encarada como um vector estruturante das políticas de descentralização, a regionalização é colocada no mesmo plano de "naturalidade" que o projecto mais lato de reforma administrativa em que se insere. Coerente com a arquitectura institucional dum Estado descentralizado, captou inicialmente o mesmo tipo de adesão que as figuras "clássicas" dos municípios e das freguesias. Todos se viram investidos das intenções de levar os órgãos decisionais da administração para mais próximo dos cidadãos e de os adaptar a uma representação eficaz dos diferentes níveis territoriais: local, regional e nacional.

Não se colocando imediatamente o problema da geometria regional a estabelecer, as regiões viram-se fortalecidas com a áurea de legitimidade que lhes estava a ser dada pelos governos francês e italiano nos respectivos programas de desenvolvimento, ao mesmo tempo que se enquadravam nos valores democráticos da participação política dos cidadãos, da equidade sócio-económica e da eficácia na actuação pública. O axioma fundamental postulava que a regionalização era "necessária para aprofundar a democracia", mas o seu objectivo material era o de servir de instrumento para incrementar o progresso económico das diferentes regiões nacionais.

Em termos práticos, a regionalização é essencialmente vista como uma tentativa de resposta aos desequilíbrios e atrasos do desenvolvimento regional em Portugal. Perspectiva que se irá manter nos anos seguintes, em que a regionalização continuará a inscrever-se, antes de tudo, no plano do combate às fortes disparidades económicas inter-regionais.

Como todos os grandes desafios sócio-económicos a enfrentar, as assimetrias regionais eram encaradas como passíveis de resolução através duma forma estatal que lhes fosse apropriada. Neste caso, tratar-se-ia dum Estado descentralizado, modernizado, vocacionado para auscultar na intimidade cada parcela do território — e que em condições de celeridade e coordenação executasse as tarefas necessárias à actividade produtiva e à melhoria das condições de vida das populações. (...)

Daniel Gameiro Francisco
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra


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