Elisa Ferreira - Sobre o debate "Norte" na SIC Notícias

Artigo publicado no JN, em 2007/04/29, por Elisa Ferreira, eurodeputada.

"Norte sejam bem-vindos!


Escrevo na sequência de mais um debate sobre o "Norte" a que tive oportunidade de assistir na passada quinta-feira através da TV Cabo, numa emissão da SIC-Notícias centrada no Palácio da Bolsa (Porto). Começo por, à laia de "declaração de interesses", dizer que fui convidada para participar no referido programa, tendo-me visto forçada a declinar, com pena, devido a dificuldades de conciliação de viagens a partir de Estrasburgo. Também por esta circunstância, saiu reforçado o meu já natural interesse em assistir ao debate.


Confesso que, independentemente da minha continuada atenção ao tema, a maioria destas conversas sobre o Norte me vinham começando a criar uma certa irritação. Curiosamente, e se não tinha ainda conseguido percepcionar cabalmente uma razão para tal, a observação de mais esta mesa-redonda sobre a questão contribuiu para fazer alguma luz no meu espírito.
Lá estiveram desta vez, e como sempre, os habituais diagnósticos, que se arrumam basicamente em torno das seguintes ideias primeiro, a grande capacidade empresarial e de inserção nos mercados globais revelada, por antecipação e de forma mais profunda, pelo Norte relativamente à generalidade do País (sobretudo no sector industrial); segundo, a constatação de uma crise grave e prolongada no Norte, a qual se exprime, designadamente, nos indicadores de desemprego (nomeadamente de longa duração) e na incapacidade de retenção de jovens qualificados.


Dessas ideias resultam, normalmente, três tipos de considerações distintas que "a culpa é dos empresários", porque não se ajustaram nem mudaram a tempo de ramo de negócio; que, apesar de tudo, há no Norte muito boas empresas e "importantes núcleos de excelência"; que as queixas de excesso de centralismo em Portugal são recorrentes e datam de há muito, levando a dizer-se que, talvez também por isso, só os "bairrismos mais ou menos futebolísticos" o podem justificar.


Se estivermos atentos e virmos bem, é frequentemente quando se chega a este ponto - isto é, após a explanação desses argumentos em doses variadas - que os programas chegam ao fim. A conclusão que inevitavelmente emerge é a de que o Norte tem muitos problemas mas também muitas potencialidades, por acaso uma avaliação que era já o ponto de partida justificativo do debate. Nada de novo se tende a concluir, portanto, todos ficando razoavelmente confortados, havendo um consenso generalizado, apagando-se as luzes, desaparecendo o limitadíssimo sobressalto do debate e tudo voltando, como deve ser, à normalidade!


Diria que há uma espécie de liturgia nestes processos, uma espécie de terapia ou desagravo periódico transposta para estas trocas de impressões em que, ocasionalmente, se reserva uma parcela dos tempos de antena nacionais para convocar algumas "personalidades nortenhas" no sentido de reflectirem em público sobre "a questão do Norte"; aos poucos, fui descobrindo que é precisamente este paternalismo morno e este "interesse desinteressado" que se me começa a tornar dificilmente suportável.


Ora, este último programa não foi assim. Existiu, de facto, algo de novo o contributo de duas personalidades nacionais, no caso dois gestores experientes, ambos economicamente liberais e assim pouco amigos de interferências do Estado na economia, ambos tendo habitualmente trabalhado na capital e agora experimentando, pela primeira vez, o exercício da sua profissão em grandes empresas mas a partir do Norte - refiro- -me a António Pires de Lima (Unicer) e a Luís Filipe Pereira (Efacec). Com o maior respeito pelos outros intervenientes, a grande novidade foi a frescura e a convicção desses dois depoimentos lisboetas.


De modo extremamente simples, ambos identificaram as grandes diferenças decorrentes de trabalhar no Norte. A sua primeira surpresa terá tido a ver com o facto de, no Norte, o Estado e os funcionários públicos parecerem não existir - identificaram esta ausência associada a um viver sem "aquele aconchego", sem o "quentinho" da capital. Um segundo aspecto para eles notório terá sido o de se estar em face de uma população sem ordenados garantidos pelo erário público, largamente desempregada e com baixos salários, tudo isso conduzindo a que compre muito pouco e a que o comércio e a actividade económica em geral definhem. Em terceiro lugar, deixaram um registo violento sobre o tempo absurdo que o comboio demora entre o Porto e Lisboa e sobre os custos absolutamente insuportáveis da alternativa aérea. E foi assim que, passo a passo e à medida que a conversa decorria, fui ouvindo a defesa de uma ligação ferroviária rápida entre Lisboa e Vigo, a crítica à privatização monopolística da ANA, o argumentário em favor da autonomia na gestão do aeroporto do Porto, a necessidade de desenvolver o interior e de combater o excessivo congestionamento da capital, o apoio a uma efectiva descentralização da administração pública, a defesa de condições para que possa existir alguma concorrência salutar entre as regiões portuguesas. Ao mesmo tempo que uma regionalização em torno das cinco regiões quase ia recolhendo a unanimidade...


Nada de conformismos, de "déjà vu", de medir as palavras para não se parecer "bairrista"! Sejam, pois, bem-vindos, porque dito por nós já não se aguenta mais! Ou será que chegou, de facto e por exaustão, o fim de uma fase?"

Comentários

Anónimo disse…
"No “norte” reside mais de 37% da população portuguesa, é a região mais miserável, no entanto o governo apenas investirá no “norte” 4,6%.
Investir 4,6% numa região onde reside 37% da população diz tudo." http://legiaoinvicta.blogspot.com/2007/02/silva-peneda.html
Anónimo disse…
O NORTE É UMA AUTENTICA COLÓNIA DOS MOUROS
nom entremos em ilusoes
Sam disse…
Não assisti ao programa, mas a julgar pela descrição aqui feita, parece-me que há efectivamente uma mudança de atitude perante a questão.

Um dos problemas era esse mesmo o da discussão e argumentação inconclusiva por parte dos intervenientes, fazendo muito alarido mas sem haver um consenso ou pelo menos uma relativa proximidade de ideias.

Evoluindo para tal, é um passo a mais - e de grande importância - para o objectivo final.

Em tempos poderia ter havido uma contenção na posição de determinadas e influentes personalidades nortenhas, por motivos vários e óbvios. Os cargos que ocupavam correriam risco se uma posição mais fora do convencional fosse tomada.

Penso que as pessoas perderam muito desses preconceitos e há uma evidente saturação em todo este processo. As pessoas tinham medo de perder por isso e chegaram à conclusão que acabaram por perder na mesma. Iriam perder de qualquer outra forma. A menos que se unam pelos seus - e nossos -interesses.
António Fonseca disse…
Caro Calécia:
Estou totalmente de acordo, mas acrescento que neste caso a nossa causa sai verdadeiramente reforçada pois são dois empresários de Lisboa (António Pires de Lima e Luís Filipe Pereira) a evidenciar as areias na engrenagem que travam o motor do desenvolvimento da região.

Cumprimentos,
António Fonseca
Anónimo disse…
Os culpados da situação actual são os políticos do passado. Uns já com boas reformas outros ainda pendurados na têta das Empresas do Estado ou partilhadas por este. Depois da morte de Francisco de Sá Carneiro apenas um político do norte (Rui Rio) teve coragem de dizer NÃO. Mesmo quando o risco era grande. E até agora demonstrou que tinha razão. Talvez esteja aí o futuro lider de todo o Norte. Homens decididos e duros têm mais possibilidades de ter sucesso. E nem precisam de ser como o AJJ. Não podem é ser Narcisos, Gomes, Machados, etc. Sobre esses estamos conversados... E o futuro é já ali, tão pertinho.