COMO CRIAR UMA REDE URBANA SUSTENTÁVEL?



(…)
" Já no que respeita à solução que propõe para a questão do repovoamento do interior, não posso deixar de exprimir a minha leitura de que é um círculo vicioso e explico porquè: começa por propor uma rede de centros urbanos não dependentes da actividade agrícola e continua com o conceito de centros urbanos sustentáveis, que caem de repente do céu; ora é justamente este conceito que importaria definir e que o autor escamoteia; não basta ser não dependente da actividade agrícola para ser sustentável; e o difícil é esclarecer como se tornam essas redes sustentáveis"

O citado comentário anónimo ao meu Artigo intitulado «COMBATER O DESPOVOAMENTO DO INTERIOR» parece-me não só inteligente, como da máxima pertinência.

Só agora podendo dispensar-lhe a devida atenção, e por isso pedindo desculpa, procurarei então mostrar o meu ponto de vista sobre este assunto.

A criação de uma rede de centros urbanos sustentáveis, que permita nomeadamente um combate eficaz ao despovoamento do nosso Interior, não é algo que possa surgir de um dia para o outro, antes só poderá ser consequência de uma política concertada e prolongada em vários campos, que aqui não cabe desenvolver.

Tenho contudo como basilares alguns aspectos, que de seguida tentarei enunciar, sinteticamente mas sem perda de clareza.

A condição inicial para a sustentabilidade é a existência de actividade económica de base, ou seja, criação de riqueza e de emprego que não dependa exclusivamente das políticas públicas, ao contrário do que se passa actualmente no Interior do País.

Para isso ser viável, haverá que determinar qual o nível de concentração dos investimentos privados numa dada zona, para que seja viável inverter o saldo demográfico da mesma, ou seja, compensar as perdas de população com ganhos por atracção de novos habitantes.

Isto poderá implicar, eventualmente, a necessidade de criar incentivos ao investimento em determinadas localidades e restrições noutras, como forma de concentrar esforços naquelas zonas que “valham a pena”, ou seja, onde ainda seja possível atingir uma “massa crítica” em termos de actividade económica.

A segunda condição é a criação, ou o fomento, pelas autoridades públicas, de uma adequada oferta de serviços públicos de equipamentos colectivos nessas localidades eleitas como “sustentáveis”.

O que pode implicar, eventualmente, a redução ou mesmo a supressão de certos serviços noutras localidades, onde os mesmos se revelem “excedentários” face às expectativas de rentabilização social.

A terceira condição, essencial, é a prossecução de uma apropriada política de habitação nessas Cidades e Vilas “sustentáveis”, senão ninguém se deslocará do Litoral para as zonas “em desenvolvimento”.

Por último, deverão escolher-se as actividades económicas a incentivar em função das perspectivas de existência de qualificação em recursos humanos, suprindo-se eventuais carências em prazos razoáveis.

Para que tudo isto não se fique só pela teoria, passo a exemplificar (sem pretensões de rigor técnico ou político, ambos indispensáveis no lidar com estas matérias).


Concentremo-nos então na Beira Baixa, mas apenas como exemplo ilustrativo. É óbvio que uma rede de centros urbanos sustentáveis deverá estruturar-se no “esqueleto” constituído por Castelo Branco, Covilhã e Fundão. Como centros urbanos de “segunda linha” (como em tudo, deve pensar-se sistemicamente numa hierarquização funcional urbana) poderão apontar-se Idanha-a-Nova, a Sertã e, talvez, Vila Velha de Ródão.

Tudo isto sem prejuízo de uma natural manutenção (e, até, incentivo) das especializações territoriais existentes (ou a fomentar), como seriam, a título exemplificativo: indústria em Castelo Branco, ensino universitário e investigação científica na Covilhã, agro-pecuária no Fundão, produção florestal na Sertã e artesanal em Vila Velha de Ródão, turismo em Idanha-a-Nova, etc.…

Assim, todo o esforço da Administração Pública nacional e regional deveria, então, concentrar-se na manutenção e atracção de actividades económicas para esta rede, de uma forma tecnicamente informada, socialmente sustentada e administrativamente hierarquizada. Por exemplo, e isto obviamente sem ferir os princípios da livre iniciativa e do normal funcionamento do mercado, caso houvesse que decidir a localização (ou a concessão de incentivos) de uma unidade fabril, hipoteticamente em Proença-a-Nova, ou em Belmonte, havendo contudo boas alternativas viáveis em Vila Velha de Ródão ou na Covilhã, pois seria de negociar esse investimento como prioritário para o centro urbano mais importante, logo mais “sustentável” (neste caso, a Covilhã) e, só em caso de se mostrar “esgotada” a necessidade de criação de emprego na área industrial nesta Cidade, deveria ponderar-se a escolha de uma localização de “segunda prioridade” (neste caso Vila Velha de Ródão) e, só depois, as outras duas localizações.

O mesmo seria feito relativamente a outros tipos de investimentos económicos, não industriais (agro-pecuários, na área dos serviços), privados ou públicos, assim como no tocante à decisão de instalação ou beneficiação de equipamentos colectivos ou serviços públicos (de âmbito supra-municipal)!

A que poderia conduzir esta política, desde que eficiente e coerentemente mantida ao longo de vários anos? Por um lado, à continuação (ou mesmo acentuação) das actuais tendências de despovoamento dos Lugares, Aldeias e algumas Vilas da Beira Baixa. Mas, por outro lado, a uma inversão dessas mesmas tendências nos tais centros urbanos definidos como estruturantes da rede sustentável, de modo a que, a prazo, o balanço fosse positivo e a Beira Baixa, globalmente, estabilizasse ou mesmo voltasse a aumentar de população!

Claro que uma tal estratégia de desenvolvimento exige a tomada prévia de duas decisões políticas da maior relevância e complexidade:

1ª) Criação de um poder de decisão de nível regional, com capacidade técnica e legitimidade política, capaz de se responsabilizar pela sua definição e prossecução e pela sua indispensável articulação com as políticas nacionais e a acção das Autarquias;

2ª) Assunção, pelo Estado, de que é do interesse nacional o equilíbrio funcional do território, ou seja, que é preciso incentivar (“forçar”?) a recomposição do tecido produtivo no Continente, se necessário à custa do desenvolvimento da faixa litoral!

Tudo isto envolvido num consenso político largamente maioritário em Portugal (coisa difícil nos tempos que correm…) e servido com muita sapiência e eficácia comunicacional, caso contrário tudo poderá descambar em mais uma zaragata política, amplificada pelos nossos impreparados meios de comunicação social, ou no mínimo numa conversa de surdos, para (continuação e agravamento do) “mal dos nossos pecados”…

Ant.º das Neves Castanho.

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