Sempre o Centralismo



3/Janeiro/2008

Descentralização "double face"

Quer a gente andar bem disposta, cheia de auto-satisfação pela impetuosa integração europeia que dá cartas em tratados, conferências, reuniões e não nos deixam. Quer a gente sentir-se feliz com os critérios e capacidades da Administração Pública em promover a nossa felicidade simplificada e não pode. E passo a contar as razões deste desabafo, num Ano Novo cheio de esperança e prenhe de benefícios fiscais.

Desembarquei há pouco no Aeroporto de Pedras Rubras e, mais uma vez, fiquei inchado. Agora sim, temos obra. Não precisamos de sentir vergonha pelo arremedo do anterior apeadeiro. Que beleza, limpeza, organização e qualidade. Vindo de fora, o que esperaria, ao chegar, como primeira imagem de propaganda e sedução, como promoção deste produto incomparável chamado Porto? O que esperaria ao chegar a uma cidade Património Cultural da Humanidade pelo carácter urbano, arquitectura, paisagem física e social, tradições, etc.? O que esperaria ao chegar à porta de entrada para esse outro Património da Humanidade chamado Douro Vinhateiro? A uma cidade cuja imagem de marca continua a ser o néctar sublime mundialmente conhecido por Vinho do Porto?

Esperava a afirmação destes vectores, mais os que fazem parte de uma região chamada Norte com o seu património histórico, ambiental e cultural. Enganei-me. Em país cujo comando dos semáforos das decisões parece dominado por daltónicos, todos os desconcertos, desconchavos e absurdos são possíveis.

E saindo, no exterior da Gare, o Aeroporto ostentava, de alto a baixo, enormes muppies (palavra usada pelos tecnocratas e cultivadores do português dos novos dicionários e gramáticas, querendo significar painéis colocados nas fachadas). Dezasseis muppies, com a chancela do Turismo de Portugal, ainda por cima, "double face" (outra palavra fina do tal neo-português). Olhei o seu conteúdo. Arrelampei-me. Esfreguei os olhos e belisquei-me para ver melhor. Ergui o olhar para o céu na procura de conforto para o meu desatino. Querem saber o que lá estava publicitado? O Porto, o Douro, o Minho, Trás-os-Montes? Braga, Viana, Guimarães? Paisagens, cultura, património da região do Aeroporto?

Nada disso!

Para infinita vergonha de um país ofensivamente centralizado, a promoção de eventos do Aeroporto do Porto em nome, obviamente, do cosmopolitismo e da unidade e solidariedade nacionais conforme o patriotismo mistificador do Terreiro do Paço, era a seguinte, distribuída pelas duas faces dos painéis

1 - Portugal Masters Golf - Vilamoura / Fundação Gulbenkian - Lisboa;
2 - Museu Colecção Berardo - Lisboa / Portugal Masters Cup - Loulé;
3 - seminários Rodoviários - Lisboa X2;
4 - Allgarve Eventos Verão X2;
5 - Encompassing the Glo-be Smithsonian - Washington X2;
6 - Fundação Gulbenkian - Lisboa / Portugal Masters - Vilamoura;
7 - Colecção Hermitage X2;
8 - Paris Dakar - Lisboa Alentejo Algarve X2;
9 - Casa da Música X2 (e viva o Porto!);
10 - Museu Serralves (idem!) X2;
11 - Troféu Portugal TP/52 Breitling Med Cup - Portimão / Trienal de Arquitectura;
12 - 07072007 Lisbon New Wonders of the World X2;
13 - Festival Oceanos Lisboa;
14 - Troféu Portugal TP/52 Breitling Med Cup - Portimão X2;
15 - Campeonatos Mundiais - Vela - Cascais / Museu Serralves;
16 - Portugal National Cup - Vilamoura / Museu Colecção Berardo.

Ou seja: em 32 painéis, o Porto merecia 5 (15%, com apenas 2 assuntos). O resto era Allgarve e Capital do Império. Exemplar!

Estão a ver o desplante? Como se apouca, despreza e ofende os valores (e a economia) de uma região? Como se agride o país em nome de uma visão distorcida, patológica e incompetente de desenvolvimento, progresso e modernidade? Não era caso para os líderes regionais, tão dados a bairrismos de cacaracá e a rivalidades de sacristia, partirem a louça na exigência da promoção do Norte na sala de visitas que é o Aeroporto? Que exigissem a gestão promocional da cidade e região por gente que as respeitasse e servisse?

É nestes momentos que sinto saudades de homens como o honrado, altivo e orgulhoso tripeiro Firmínio Pereira que, perante os despautérios centralistas, escrevia «A Arcada [leia-se o Terreiro do Paço] rugia, vermelha de raiva, quando o Porto, do alto dos seus tamancos e agitando a carapuça, pedia coisas, exigia reformas, dizia com arreganho aos senhores da governança - que tivessem juízo, se não…» (em "O Porto d'outros tempos").
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Comentários

Rui Valente disse…
Sobre este assunto, já fiz o meu comentário no "Renovar o Porto", mas o insólito do pertinente artigo de Helder Pacheco justifica a insistência.
O que posso acrescentar é o seguinte: não é o fanatismo religioso ou étnico que está na origem da violência mundana, mas estas aberrações governativas que levam o mesmo povo a entrar em conflito e a guerrear-se entre si. Estes paineis de publicidade deviam ser destruídos!
Que vão provocar o raio que os parta!!!
Anónimo disse…
Com tanto cheio a bafio político ainda há quem queira renovar o que nunca poderá ser renovado sem a regionalização (7 Regiões Autónomas) e novos protagonistas políticos.
Desiludam-se.

Anónimo 7RA.
Anónimo disse…
Claro, ninguém pia!!!