Ainda a propósito da REN

O brilho do verde


Está actualmente a ser discutida a proposta de revisão da situação da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

Como se sabe, estas figuras dizem respeito a uma classificação do território nacional, sendo que a REN - que foi criada em 1983 - corresponde a mais de 20% da totalidade daquele.

Como também se sabe, esta figura foi criada por duas razões fundamentais: uma mais directamente ecológica - a preservação de áreas em que as espécies existentes (de fauna e flora) justifiquem a sua preservação; outra de carácter mais urbanístico - a prevenção da construção em solos de má qualidade para o efeito, ou em zonas de possíveis perigos (inundações ou má drenagem, declives acentuados, erosão intensa, linhas de água, etc.) para a implantação de estruturas construídas.

No caso da RAN, acresce uma tentativa de criar um equilíbrio na ocupação do território, considerado necessário, reservando áreas para o cultivo e produção agrícola.

Entrando na proposta de alteração, propriamente dita, sobressai o facto de o novo regulamento pretender transferir a gestão da RAN e REN para as autarquias. Mas aqui parece-me que há algo a dizer:

1. A natureza está (por opção nossa - que dela nos distanciámos, para o bem e para o mal) numa dimensão bastante distinta da nossa. Não se mede pela nossa bitola.

Pertence a uma realidade completamente alheia à nossa esquematização sócio-política da realidade. Como tal, acontece de formas e por lógicas que em nada se enquadram na nossa divisão do território, especificamente, pela divisão administrativa autárquica.

Como gerir, portanto, um espaço que se rege por factores naturais, ao dividir a sua administração em zonas de definição totalmente artificial? Ou seja: como impedir que, para uma porção de território - com determinadas características biológicas e morfológicas homogéneas - que se estenda por mais do que um município, as diferentes e flutuantes políticas dos vários executivos autárquicos que tutelam esse espaço não levem à perda da sua homogeneidade e, em última análise, à perda de identidade e de carácter desse mesmo espaço?

A regionalização poderá ser então uma excelente opção, quer ao nível social e económico, quer no que diz respeito ao plano ecológico e da natureza.

2. Por muito que se queira acreditar na idoneidade dos políticos da administração local, também é sabido que os cargos autárquicos, pela proximidade com as populações (independentemente das enormes vantagens que este aspecto acarreta), são os mais passíveis de uma certa gestão populista. E ainda que assim não seja, o perfil de um político de autarquia não será forçosamente o mesmo de um político de gestão nacional ou regional. Como tal pode colocar-se a questão: estarão os executivos municipais realmente habilitados para lidar com um assunto tão sério, tão delicado e tão complexo e abrangente como a gestão das Reservas Ecológica e Agrícola?

3. A actuação na salvaguarda da RAN e REN tem, no meu entender, vindo a ser exemplar. Independentemente do conteúdo da lei e dos possíveis impasses que possa criar, o que enalteço é a solidez da gestão do território das REN e RAN perante a pressão fortíssima dos interesses do mundo da especulação imobiliária. Será que, ao fragmentar essa gestão, não estamos a dar o mote para o rápido aparecimento de excepções na interpretação e salvaguarda das reservas? Claro está que, muito rapidamente, a excepção ocupa o lugar da regra.

4. A quem competirá a fiscalização das reservas e as actuações sobre usos indevidos e abusivos? É que, se também for às Câmaras municipais, o caso parece-me muito mal parado, já que são infindáveis as autarquias deste país que nem sequer conseguem ter mão no seu próprio centro histórico, alegando sempre falta de meios (humanos e logísticos) para a correcta e eficaz “vigilância” do seu burgo.

Esperemos, então, que qualquer alteração ao quadro legal vigente, resulte numa visão responsável e estruturada da futura gestão de um dos instrumentos de ordenamento do território mais delicado e sujeito a especulações e pressões. E que, pelo menos desta vez, o verde das notas não brilhe mais do que o verde do mais inato dos nossos patrimónios - o natural.


Miguel F Mendes - Arquitecto
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A resolução dos problemas relacionados com a REN e a RAN centram-se na necessidade imperiosa de se lhes dar uma maior cobertura nacional, passando dos actuais 20% para o seu dobro: 40%.
(Acham que é um exagero? Talvez seja, mas deixem passar mais tempo (pouco) para verem com os vossos próprios olhos as consequências dramáticas da insuficiente cobertura actual. A maioria das pessoas precisa que os dramas lhe "batam à porta" primeiro para acreditar e inflectir o seu comportamento, só que já é tarde, muito tarde; a seguir, como não têm seguros ou são insuficientes, reclamam do Estado um valor que consideram ser da sua responsabilidade ).
Sómente desta forma se poderá esperar que ambas, a REN e a RAN, se renovem e AMPLIEM de acordo com os FACTORES NATURAIS que a dirigem, sem limitar qualquer esforço de aproveitamento integral não só das áreas a reservar para preservação e expansão da diversidade das espécies biológica e botânica como também da expansão das áreas de produção agrícola e pecuária.
A regionalização, por uma maior aproximação dos dirigentes das populações (a quem terão de prestar contas mais "directas e frequentes") e, simultaneamente, por um melhor conhecimento da realidade ecológica e agrícola, poderá dar um contributo estratégico de recuperação e intensificação do papel ambiental a exercer pelas áreas aumentadas a afectar às reservas ecológica e agrícola nacionais.
Esse contributo será prestado com uma maior eficácia se a regionalização vier a ser implementada com as 7 Regiões Autónomas e nada mais.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

"Cada macaco no seu galho".
Agora é a vez de tratar da problemática da urbanização. Aqui, os exemplos deixados pelo municipalismo não são dos melhores, ressalvando alguns exemplos de que todos têm conhecimento e são casos exemplares de notoriedade internacional através das classificações de património da Humanidade já atribuídas.
No entanto, a selvajaria da construção urbana continua, acompanhada de uma insensibilidade para os investimentos de recuperação, não só de centros históricos como até de construções mais recentes, estas últimas reveladoras de uma insuficiente qualidade construtiva.
Como já referi aqui neste blogue, muito mais importante que a "obra nova" é a necessidade de REALIZAR "OBRA RECUPERADA", com prioridade nos centros históricos das vilas, das cidades e das aldeias (aqui também há), incluindo na obra recuperada a preservação e a ampliação de zonas verdes. Por exemplo, poderia aplicar-se um conjunto de critérios objectivos a incluir nos projectos de construção urbana, em que por cada obra de construção, se deveria AUMENTAR AS ZONAS VERDES, da seguinte forma:
(1) Numa área equivalente a 50% de toda a área reconstruída ou recuperada.
(2) Numa área equivalente a 200% de toda a área de construção nova.
A construção nova terá de ser mesmo uma verdadeira excepção, a construção de recuperação a regra, mas ambas potenciadoras do DESENVOLVIMENTO ecológico, económico, social e patrimonial.
Para atingir estas finalidades, a regionalização só poderá dar um contributo decisivo através da criação e implementação das 7 Regiões Autónomas e NUNCA através de qualquer outra solução regionalista, seja ela qual for.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final e, agora, mais que nunca)