Sinais de Mudança

Miguel Sousa Tavares - Miguel Sousa Tavares

Longe do poder
Segunda-feira, 3 de Mar de 2008










Ciclicamente, o Porto gosta de desatar a interrogar-se sobre si próprio, numa espécie de catarse que às vezes chega a ser masoquista. Nenhuma outra cidade ou região de Portugal gasta tanto tempo a interrogar-se sobre a sua identidade e viabilidade como o Porto. Cidades como o Funchal, Braga, Viseu, Évora, bem ou mal, fazem e avançam; o Porto não faz e vive a atormentar-se para descobrir a razão. É certo que terá de haver razões, porque o diagnóstico é incontroverso: nos últimos anos, na última década, claramente, o Porto perdeu poder, influência e rentabilidade económica. Custe a quem custar, há hoje, praticamente, uma só marca em toda a cidade que é sinónimo de progresso, modernidade e prestígio, aquém e além-fronteiras: a marca FC Porto.

Inevitavelmente, também, estas sessões públicas de autoflagelação terminam com a conclusão recorrente: ou se faz a regionalização ou não há futuro para o Porto. Mesmo gente que até aqui sempre recusou deixar arrastar-se pelo canto de sereia da regionalização, portuenses para quem a defesa legítima dos interesses e de maior protagonismo local não justifica a implosão do Estado, parecem agora não convencidos, mas rendidos. Se nada parece resultar e se a desmoralização alastra, venha então a regionalização, para vermos no que dá. Se for avante, vai dar desastre, como é inevitável - para o Porto e para o país inteiro.

Que o Estado é demasiado centralizado, todos concordamos: é inútil e prejudicialmente centralizado. Mas que terá de haver sempre um Estado central, sob pena de, no limite absurdo em que pretenderam fazer a regionalização, nos transformarmos numa Federação de Kosovos, isso também é evidente - para todos, excepto para os oportunistas e aventureiros políticos. Mas, salvo melhor opinião, não me parece que o centralismo estatal seja a origem profunda dos males de que se reclamam os portuenses. No passado, um Estado ainda mais centralizador não impediu que o Porto conquistasse a sua autonomia. O Porto foi liberal quando o Estado era absoluto, foi culto e próspero quando o regime, sediado em Lisboa, era obscurantista e de compadrio político-económico.

Os tempos mudaram, sem dúvida. Mas eu continuo a acreditar que os avanços nas sociedade se fazem de baixo para cima e não de cima para baixo. Não há divisão político-administrativa, feita por decreto experimentalista, que possa dar vida e pujança a uma região onde as forças locais não sintam que a mudança tem de começar por elas próprias e pela alteração de mentalidades e atitudes ultrapassadas. Não se é 'moderno' por decreto nem o progresso está em encostar-se às benesses do Estado e esperar que tudo corra pelo melhor. A única região de Portugal onde se julga que a independência passa por viver à custa do Estado é a Madeira. Mas basta olhar para as 'elites' locais para perceber que não têm outra alternativa.

(continuar a ler )

Nota:
Miguel Sousa Tavares foi, em 1998, dirigente do “Portugal Único” - movimento de cidadãos contra a regionalização
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Como sabem, o autor deste texto foi um dos principais opositores públicos da regionalização versada para o referendo de há 10 anos. Embora natural do Porto, de louvável apenas o facto de ser um adepto do club de futebol da sua cidade natal, se é que tal condição mereça louvabilidade.
Na parte que se relaciona com a regionalização, uma vez implementada, não vai denunciar qualquer poder central ao condená-lo à nulidade ou a qualquer outra condição de subserviência política. O que se pretende é dar condições para que a política seja exercida de maneira aperfeiçoada (central, regional, municipal), nunca experimentada até hoje, de forma a que o sistema político seja construído de baixo para cima, como o autor do texto pretende.
Com efeito, o que se pretende é que as regiões sejam implementadas para que o corpo político central seja reestruturado em função dessa exigência de desenvolvimento que é a REGIONALIZAÇÃO, conducente a um aproveitamento integral dos recursos próprios de cada REGIÃO AUTÓNOMA (e é isto que assusta muito boa gente).
Mas não se pense que basta uma descentralização de poderes qualquer, é necessária uma descentralização política de poderes e autonomizada (7 Regiões Autónomas) em detrimento de uma descentralização administrativa de poderes (mais do mesmo com 5 Regiões Administrativas).
Aquela solução permite reestruturar o Estado de baixo (mesmo a partir dos municípios) para cima; a última nem sequer uma beliscadela reestruturante nos órgãos do Estado permitirá realizar.
Como reconhece o autor, o problema da Região Autónoma da Madeira é um problema de protagonistas políticos e NUNCA de uma solução REGIONALISTA em si. A criação das 7Regiões Autónomas no território continental é IMPRESCINDÍVEL para a reestruturação de todos os órgãos do Estado rumo ao DESENVOLVIMENTO. Essa é a única solução capaz de o garantir, de acordo com os argumentos que tenho vindo a apresentar até hoje e que constam deste blogue.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)