Pulverização, Descentralização e Regionalização

A administração pública central e local está pulverizada, em resultado de uma total descoordenação nas últimas décadas, com consequências gravíssimas nos desperdício dos recursos humanos e financeiros do país. Esta pulverização aumentou de forma exponencial depois de 1974, quando o Estado português foi capturado por lóbis locais e regionais.

Nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, o processo de autonomia evitou uma excessiva pulverização sobretudo nas autarquias, na medida que reforçou o papel dos presidentes regionais.

1. Pulverização

No continente os principais beneficiários desta pulverização acabaram ser os presidentes das câmaras municipais. Os 275 concelhos do continente tornaram-se em autênticos feudos, com os quais os diferentes governos tem que negociar directamente para colocarem alguma ordem na coordenação regional e nacional.

Os próprios partidos políticos tornaram-se a diversos níveis reféns dos seus autarcas, que influenciam de forma determinante as opções dos investimentos públicos e a própria dispersão dos serviços centrais do Estado.

Um dos casos mais patéticos até onde foi levada esta captura do governo pelas autarquias, ocorreu durante o governo de António Guterres (1995-2001) quando este se viu obrigado a pedir a demissão ao aperceber-se que estava refém do autarca-deputado de Ponte de Lima.

2. Descentralização

Sem grande capacidade para coordenarem a acção dos autarcas, nomeadamente em termos de planeamento regional, os governos adoptarem a única estratégia possível - transferirem para as câmaras municipais competências que antes pertenciam ao Estado Central. Desta forma pretendem co-responsabilizar as autarquias pela gestão do país, evitando que as mesmas pudessem atirar as culpas para Estado Central pela desordem urbanística e desperdício de recursos.

A coordenação regional, imprescindível para o planeamento, não melhorou, mas antes pelo contrário agravou-se. Com mais recursos financeiros e humanos, as câmaras municipais, começaram a replicar localmente serviços que uma gestão sensata do país recomendaria que fossem apenas regionais ou mesmo nacionais. Por todo o lado começaram a surgir micro-Estados, arvorando-se os presidentes das câmaras em primeiro-ministros.

A descentralização, sem qualquer coordenação regional ou nacional, apenas tem servido para aumentar a pulverização e o desperdício de recursos.

3. Regionalização

A constituição portuguesa determina a criação de uma instância intermédia entre as autarquias e o governo, mas o processo não tem sido pacífico no continente por duas razões fundamentais:

a) Lóbis Locais

No continente os presidentes das câmaras (275) e os das Juntas de Freguesia (4.018) tem minando todas as tentativas de se criarem órgãos regionais, dado pressentirem que este órgão intermédio lhes iria retirar poder e poderia funcionar como uma instância de controlo e fiscalização da sua acção. É por esta razão que as várias Associações de Municípios que tem sido criadas não funcionam, ou são simples organizações protocolares sem qualquer relevância prática.

Na prática cada autarca continua a fazer no seu quintal o que bem lhe apetece, recusando-se a prestar contas pela utilização que faz dos dinheiros públicos. Recorde-se que cerca de 70% das autarquias não tem receitas próprias para assegurarem o seu funcionamento, o que não as impede de se endividarem, comprometendo as futuras gerações.

b) Exemplo da Madeira

O estilo arruaceiro e egoísta do presidente regional da Madeira, tem funcionando como um verdadeiro repelente contra a ideia de regionalização no continente. Dois ou três personagens idênticos num Estado liderado por governos fracos seria o caos, pondo em perigo a própria unidade nacional. Esta é uma das razões porque muitos portugueses contestam a ideia de regionalização.

4.Questão em Aberto

Ninguém dúvida que por mais descentralização que haja, tal facto não resolve o problema da necessidade de uma efectiva coordenação a nível regional e nacional.

Dada a desmesurada importância que adquiriram as autarquias no contexto nacional, nenhuma órgão do Estado, como as actuais CCDRs está em condições de lhes impôr uma visão regional ou nacional que obrigue os seus dirigentes a ultrapassarem uma visão centrada no seu concelho, a partilharem recursos, juntarem esforços na realização de obras em comum, etc.

Enquanto não se encontra uma solução para este grave problema, a única estratégia possível de qualquer governo é impor às autarquias um mais apertado controlo orçamental, colocar limites ao seu endividamento e exigir-lhes instrumentos de planeamento local. À Justiça actuar de forma a punir actos de corrupção, peculato e o tráfico de influências, evitando quanto possível o aumento do descalabro e a instalação do caos no país. O problema de fundo, isto é, a ausência de um efectivo planeamento regional e nacional, esse continua por resolver. O inacreditável desperdício de recursos continua a ser a marca dominante do regime político instaurado em 1974, as gerações futuras dificilmente compreenderão como foi possível cair-se nesta situação.

por, Carlos Fontes
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Comentários

Anónimo disse…
Engraçado. Para o mesmo ponto de destino, há caminhos tão diferentes.
Eu e mais "uma meia dúzia" de portugueses, defensores da regionalização do continente, achamos que o AJJ é um bom exemplo de governante para ser seguido pelos continentais, de forma que consigam melhorar o nível de vida dos seus governados, como ele conseguiu para os madeirenses.
Eu não gosto do estilo do AJJ, mas a minha educação não me permite classificá-lo de forma ofensiva...
Em 1974 percorri toda a Região Norte, em Agosto e a Madeira, em Novembro.
Em 2007, fiz o mesmo percurso.
Quem dera aos minhotos, durienses e transmontanos, que durante estes 33 anos tivessem tido um governante, capaz, competente e dedicado, como tiveram os madeirenses.
O resto, como disse o "Papa" do Norte, é "conversa de bananeiro para enganar mapuatas..."
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Exceptuando o elogio às Regiões Autónomas, o resto político é para esquecer, com a ressalva que as AUTONOMIAS REGIONAIS são a ÚNICA SOLUÇÃO PARA A REGIONALIZAÇÃO.
Mesmo contra a opinião do "Papa" do Norte, o chamado bananeiro.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Jose Silva disse…
Caro António,

Este Carlos Fontes presta um excelente serviço ao centralismo. Coloca as autarquias como bode expiatório do mal nacional. Viverá em LX, não ?
Caro José Silva,

Não partilho esta sua interpretação do pensamento do Carlos Fontes.

Ou seja, na minha opinião, ele não é contra as autarquias, o que ele nos pretende demonstrar é que, a ausência de um poder democrático intermédio, faz com que os 278 municípios do continente tendam a ter um protagonismo (não confundir com Poder) algo desproporcionado face às suas reais competências.

Quero aproveitar esta oportunidade para o felicitar pelo excelente trabalho que vem desenvolvendo no "Norteamos".

Cumprimentos,