Compreender o Poder Local

J. A. Oliveira Rocha


História da Administração Local

Alexandre Herculano é indiscutivelmente o fundador da historiografia sobre os concelhos, sendo actual muita da sua investigação sobre o funcionamento das instituições municipais durante os primeiros séculos da existência de Portugal.

Segundo Herculano, a origem dos municípios deveria buscar-se na tradição hispano-romana, sendo o foral não uma criação do município, mas uma confirmação duma realidade pré-existente. Estudos posteriores, porém, vieram pôr em dúvida a tese de Herculano sobre a origem dos concelhos. Estes seriam inteiramente alheios a quaisquer instituições anteriores, constituindo uma realidade nova e dependendo de novos condicionalismos (Baquero Moreno, 1985).

Daí que a tipologia de Herculano com base nas origem romana - rudimentares, imperfeitos e completos - tenha dado lugar a outra tipologia atribuída a Torquato de Sousa Soares, o qual divide os concelhos em dois grandes grupos: rurais e urbanos. Os primeiros deviam a sua existência a necessidades de povoamento, resultando de um contrato enfitêutico. Os concelhos urbanos correspondiam predominantemente aos tipos de concelhos completos estudados por Herculano.

Relativamente à organização interna da vida municipal pouco foi adiantado à investigação de Herculano. Em geral, os concelhos começam por ter grande autonomia no que diz respeito à governação do município, que se manifestava na existência de um órgão executivo, de um a aparelho judicial e duma estrutura administrativa com funções de polícia e de assistência.

Nos séculos XIV e XV verificou-se uma profunda restrição à autonomia municipal, a qual se exprimiu no regimento dos corregedores de 1332, também designados por juízes de fora parte e que de forma progressiva, mas inexorável, foram substituindo os juízes ordinários ou da terra. Esta perda de autonomia foi-se acentuando até ao séc. XIX, altura em que surgiu uma reacção destinada a parar a decadência.

Não é esta, porém, a posição de historiadores mais recentes que questionam o paradigma da centralização precoce do Estado. Segundo Hespanha (1982) o conceito de Estado não pode ser usado para analisar o sistema político do Antigo Regime, caracterizado pela existência de corpos com jurisdição própria, onde se incluíam para além da coroa, a Igreja, o poder senhorial e o poder municipal.

Também Romero de Magalhães (1986) defende, contra a tese dominante, a existência da vitalidade e autonomia dos concelhos durante todo o Antigo Regime. Em parte por influência destes autores, aparece grande número de trabalhos e dissertações académicas sobre a vida administrativa e financeira dos municípios no Antigo Regime.

Aceitando ou não a tese sobre a vitalidade do poder local no Antigo Regime, as instituições autárquicas tenderam para uma relativa uniformidade e foram abrangidas por um único marco legislativo. Outra singularidade incide na inexistência de instituições formalizadas de âmbito regional (Nuno Monteiro, 1993). Ao longo do Antigo Regime as províncias subsistiram como formas de organizar o expediente da Administração central, mas nunca lhe corresponderam instituições próprias.

O liberalismo se, por um lado, marcou uma reacção tendente a sustar a decadência das organizações municipais, por outro lado, significou uma racionalização das relações entre o centro e a periferia, que se manifestou numa acentuada intromissão do poder central nas autonomias locais. Em suma, a história da Administração local no período liberal está marcada por esta dialéctica.

Também a República prometeu aos municípios maior autonomia e maior poder político - pelo menos tinha sido esse e seu discurso durante a oposição à monarquia. Porém, entre o procedimento e a prática a distância foi grande (César Oliveira, 1996).

Com o “Estado Novo” os últimos resquícios de poder local foram erradicados e a Administração local passou definitivamente a ser um prolongamento da Administração central, a qual nomeava todos os titulares de cargos locais.

A revolução de Abril de 1974 apontou deliberadamente para a descentralização, com reforço do poder local e eleição dos seus titulares.

Como é que se articula o poder local com o poder central e com a sociedade é uma análise que terá que ir buscar-se a Sociologia do Poder Político Local.

(...)

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Seja qual for o ponto de vista que qualquer um queira escolher, a regionalização foi um facto no período correspondente à primeira dinastia (então, através de "municípios"), tanto do ponto de vista do grande historiador Alexandre Herculano (tradição hispano-romana: rudimentares, imperfeitos e incompletos, forais: como confirmação de uma realidade pré-existente), como do Professor Baquero Moreno, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (realidade nova; novos condicionalismos), para ambos reconhecerem grande autonomia governativa: órgão executivo, órgão judicial; órgão administrativo, para funções policiais e assistenciais) ou, ainda, do Professor Torquato Soares (divisão em concelhos rurais: associados às exigências de povoamento e ao nascimento da "enfiteuse"; e urbanos: como concelhos completos idênticos ao perfil definido por Alexandre Herculano).
Como se vê, até ao século XIV, como tenho defendido até hoje, verificou-se uma grande autonomia governativa no que então respeitava aos órgãos regionais, representados pelos municípios. Esta realidade veio a ser alterada, a partir dos séculos XIV/XV, com o reforço do poder real ou central, tendo como consequência uma constante restrição à autonomia municipal (regional), a implementação do regime dos corregedores, dos juízes de fora e, depois, os juízes ordinários ou da terra, vigorando este acréscimo de centralismo até ao século XIX.
Àparte os municípios, nunca outro tipo de organização regional foi implementado nos tempos do Antigo Regime, acentuando-se cada vez mais o centralismo político até à implementação do Regime Democrático em 1974. Antes, tanto os regimes liberal, republicano como do estado novo se encarregaram não só de intromissão como da erradicação total de qualquer resquício de poder local (regional), indo ao ponto de nomear centralmente os seus principais responsáveis.
Com a implantação do regime democrático, estava-se perante novas realidades e novos condicionalismos históricos, os factores necessários e suficientes para introduzirem uma nova plataforma de exercício de poder democrático local e regional, sem ainda recorrer, no território continental, a qualquer modalidade específica de descentralização política regional, muito embora a descentralização administrativa regional estivesse já consignada, e muito bem na altura, na Constituição da República Portuguesa.
Presentemente, esta necessidade de articular as relações entre os poderes central e regional e, dentro deste último, o local (municípios e freguesias) determina a existência de órgãos políticos regionais de "nova geração", os órgãos regionais autonómicos em detrimento dos caducos órgãos regionais administrativos, precisamente para corresponder às exigências decorrentes de "NOVAS REALIDADES" e "NOVOS CONDICIONALISMOS" (para utilizar os termos do Professor Baquero Moreno), como tenho vindo a referir consistentemente neste blogue, a respeito das "dinâmicas políticas, sociais, económicas, etc.", actuais e futuras, como garantia de desenvolvimento equilibrado, autosustentado e de subsidiariedade.
Tais dinâmicas só poderão ser potenciadas com a mobilização das populações, através de um mecanismo ou instrumento apropriado como a REGIONALIZAÇÃO POLÍTICA (7 REGIÔES AUTÒNOMAS) e NUNCA com a regionalização administrativa, aquela a partir das 11 Regiões Históricas, Naturais ou Províncias, as últimas das quais jamais poderão vir a ser encaradas como "formas de organizar o expediente" ou sem "nunca lhe corresponderem instituições ou órgãos próprios" de governo, na expressão do Professor Manuel Hespanha.
Só com a implementação da regionalização política autonómica no território do continente, sem prejuízo dos aperfeiçoamentos que ainda possam e devam ser introduzidos nos estatutos autonómicos dos Açores e da Madeira, é que nos poderemos aproximar mais rapidamente dos índices de desenvolvimento quantitativo e qualitativo dos países mais desenvolvidos da União Europeia ou fora dela.
E a certeza é tão grande sobre estes efeitos positivos e estruturais na sociedade portuguesa que não preciso de invocar mais seja o que for em seu auxílio, mesmo o que se relaciona com as recentes conclusões de dois sociólogos portugueses (Drs. Fernando Ruivo e Daniel Francisco) sobre o tema da regionalização e da regionalização comparada, ao concluirem que (em abono das minhas teses):
(1) "O QUE FAZ TODA A DIFERENÇA ENTRE PORTUGAL E OS OUTROS PAÍSES EUROPEUS É UMA EFECTIVA PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS (designo por populações) NA VIDA PÚBLICA",
(2) A EXISTÊNCIA DE TERRITÓRIOS AUTÓNOMOS (neste caso, a proposta de 7 Regiões Autónomas).
(3) FORÇAS SOCIAIS ESCONDIDAS (o que corresponde ao corporativismo empresarial e profissional "dos suspeitos do costume").
Depois do exposto, não me digam os meus contraditórios que precisam de mais justificações e dirijo-me a vocemecês plenamente convencido que nunca desapareceram deste blogue, mais por vergonha do que por qualquer outra razão, sem qualquer pretensiosismo ou intenção ofensiva da minha parte.

Assim é e seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)