Opinião de um Regionalista de Lisboa

Nuno Augusto


REGIONALIZAÇÃO

Quando se aborda o tema da Regionalização, é possível agregar as posições em quatro grupos. Os que são contra a ideia e a prática, os que são a favor da ideia mas contra a prática, os que são a favor da ideia e da prática em determinadas condições e aqueles que são favoráveis à ideia e à prática a qualquer preço.

Encontro-me no grupo dos que são a favor da ideia e da prática, desde que estabelecidos certos pressupostos. Ao contrário do que uma análise apressada faria concluir, julgo que é entre este grupo e aquele que suportando a ideia se opõe à prática que devem ser encontrados os consensos necessários para que se avance na matéria.

Sobre os que são contra a ideia e a prática não há muito a dizer, porque a sua argumentação é construída sobre pressupostos que roçam o ridículo: a “integridade” do território, a ameaça castelhana, etc.. No campo oposto, o grupo dos que defendem a regionalização a qualquer preço, é, pelos seus próprios arautos, o retrato do pior que nós temos: caciques locais, gente que vive da lógica do “sacar o mais possível a Lisboa”, como se Lisboa tivesse uma árvore das patacas, suportada pela ignorância que mais do que qualquer indicador macroeconómico, caracteriza o nosso subdesenvolvimento.

Defendo a regionalização não como “uma legítima aspiração autonómica” deste ou daquele sítio, mas sim porque é um imperativo para a correcta gestão do território. Nem encontro nenhum fundamento histórico relevante que sustente a regionalização.

Vejamos os contra-argumentos:

a) A unidade do País. O País é uno mas não é uniforme. Qualquer pessoa percebe que a Amadora é muito diferente de Avis, que Faro é diferente de Vila Real. O país é uno mas não é uniforme. Ora, para realidades diferentes, devem executar-se medidas diferentes.

b) A solidariedade. Este argumento defende que a regionalização iria pôr em causa a solidariedade das regiões mais ricas para com as mais pobres. Primeiro, não se percebe o alcance da solidariedade do sistema actual, já que cada vez é maior a diferença entre litoral e interior e entre o urbano e o rural. Segundo, a solidariedade não deve ser um acto de caridade, mas um contributo legalmente quantificado.

c) O crescimento do Estado. Alguns advogam que a criação das estruturas funcionais das regiões iriam aumentar o peso do Estado e o número de funcionários públicos. Ninguém sabe quantas pessoas trabalham na função pública, mas basta reparar nas direcções regionais que existem e deixariam de existir para que este argumento se esfume.

d) O caciquismo. Entendem os “especialistas” na matéria que em vez de aturarmos caciques locais, iríamos passar a aturar caciques regionais. Este é um argumento profundamente cínico. É verdade que em Portugal, os políticos saídos do 25 de Abril estruturam a sua acção na convicção de que a decisão política é livre. É isenta, mas não é livre, no sentido em que deve respeitar a lei, no sentido que um mandato não dá ao seu possuidor a possibilidade de fazer o que bem entende, sem prestar contas a ninguém. Mas o exercício do poder político tem, além do limite da lei, o limite do bom senso. E ao contrário do que se afirma, este é sindicável. Porque em democracia é possível avaliar todos os actos que configurem o seu exercício. Mas ninguém o faz. E ninguém diz, mas toda a gente receia que uma regionalização torne o País num imenso jardim, que lentamente se transformaria em pântano, tomando como exemplo o jardim insular.


Em democracia a liberdade de circulação e de estabelecimento deve corresponder a instrumentos de gestão do território adaptados a essa realidade e não a conceitos feudais.

Como é que se pode gerir um país em que ao Governo central, estratega e planeador, sucede, na pirâmide do Estado, uma autarquia municipal. É possível construir uma estrada em cada concelho, sem ligação à estrada do outro concelho? Como é que é possível gerir um país em que as pessoas circulam livremente mas onde os instrumentos e os poderes públicos não seguem essa circulação, mas regem-se por um mapa do sec.XIX?

Entendo pois que a Regionalização é um instrumento indispensável para o desenvolvimento do país, com regras e com limites. A Reforma político-administrativa passa também por aí. Por um círculo nacional nas Eleições para o Parlamento, por Regiões capazes e legitimadas pelo voto e por uma reorganização das autarquias (Concelhos e Freguesias).
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Comentários

Anónimo disse…
As direcções regionais que existem deixariam de existir? Estamos conversados... Se não ficar escrito o quanto e onde e previsto que vai haver controlo, vai ser um regabofe... Eu já decidi. Vou viver para o Paraguai.
Caro Anónimo,

Como certamente saberá, devido às imposições a que o Estado Português está sujeito em termos orçamentais, não é possível avançar-se para a instituição das Regiões sem um rigoroso aparelho jurídico-legal, que regulamentará todo este processo por forma a que no final, em termos líquidos, tenhamos menos pessoal quer administrativo quer político.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

É bastante raro assistir-mos a tomadas de posição escritas a favor da regionalização por quem está dentro e "agarra" os benefícios proporcionados pelas decisões do poder central na concentração de mega investimentos na cidade-capital e seus arredores.
Sempre alimentei a esperança que na cidade-capital houvesse pessoas que consideram a regionalização uma inevitabilidade e uma necessidade, até mesmo para lhes proporcional futuramente condições de desenvolvimento qualitativamente diferentes das que começam agora a testemunhar e a rejeitar, apesar de usufruirem dos níveis mais elevados do PIB per capita que todo o resto das regiões do País.
No entanto, relativamente ao texto deste "post", convém acondicioná-lo com outras roupagens regionalistas mais apropriadas e em busca do essencial da regionalização como projecto político estrutural e estruturante.
Com efeito, mesmo depois de se implementar a regionalização, seja qual for a modalidade, existirá sempre quem continue a estar:
(a) Contra a ideia e a prática da regionalização
(b) A favor da ideia e contra a prática da regionaliação
(c) A favor da ideia e da prática da regionalização, tanto com certas condições como a qualquer preço.
O único consenso possível é o que resulta das necessidades de desenvolvimento, a partir da definição de altos designios nacionais a prosseguir rapidamente, para que os que estão contra a ideia e/ou contra a prática possam reverter as suas posições para o favorecimento tanto da ideia como da prática.
Por isso, as posições pró-regionalistas revelam ideias políticas de vanguarda (difíceis de assmilar, às vezes) no sentido do desenvolvimento que se pretende somente equilibrado e autosustentado e nunca com o objectivo de "sacar o mais possível a Lisboa".
Os que argumentam com esse "saque", mesmo defensores da regionalização, sofrem de tique centralista ao esquecerem também que são as poupanças da "província" que financiam uma boa parte dos investimentos na cidade-capital. Ao enquadrar a regionalização no imperativo de uma correcta gestão do território (e isto o que é?) só se demonstra vistas políticas curtas, dado que tal imperativo é apenas uma pequena parcela das exigências globais do desenvolvimento referido e mais própria de um caciquismo rendido à urbanização anárquica reinante do que de um verdadeiro político regionalista e/ou municipalista.
Na regionalização, temos de ir muito mais além que a simples gestão territorial, sem a menosprezar ou condicionar, que tem sido praticada por aqueles responsáveis sob o enquadramento dos respectivos PDM's. É pena que o autor do "post" não veja a história, a geografia, a antropologia e outras vertentes como os principais suportes da regionalização já acontecida séculos atrás e seja sensível a elucidar mais os argumentos contra
do que a favor da regionalização.
Com efeito, nunca a unidade nacional poderá estar em causa nem sequer poderá debilitar-se com a implementação da regionalização e nem a solidariedade se poderá substituir nem opôr às exigências da subsidiariedade regional, decorrentes da concretização de um projecto político como a regionalização autonómica.
É por tudo isto e com tudo isto, assente num progressivo e melhor funcionamento dos organismos públicos, como efeito da regionalização, que se poderá evitar a preocupação obcessiva do "crescimento do Estado", sem se compreender muito bem a compreensão e a extensão deste conceito cujas dúvidas poderão relacionar-se com aspectos limitados ao "açambarcamento" territorial intra-fronteiras.
Então, aqui apareceria o caciquismo na sua plenitude e pureza, o tal que se comportou contra na única oportunidade que foi proporcionada aos municipalistas para se poderem integrar de corpo e alma numa unidade territorial administrativamente descentralizada (as Regiões Administrativas, no referendo de há 10 anos) e cujo comportamento "político" mesquinho e limitado acabou por justificar a decisão de rejeição referendária.
A actualidade e a realidade políticas não são (nunca foram) propícias a diversões conceptuais, antes se subjugam à precisão dos objectivos políticos a prosseguir, em todo o território nacional, rumo ao desenvolvimento equilibrado e autosustentado. Para isso, terá de utilizar o único instrumento político por excelência com capacidade de os conseguir através da mobilização das populações das futuras 7 Regiões Autónomas, mobilização só historicamente conseguida em situações políticas complexas como a actual.
Por fim, ao conceder ao projecto político da regionalização a responsabilidade histórica de uma grande transformação política, económica e social, também se estará a criar as condições definitivas para nunca mais acusarem as 11 Provínicias, geradoras das 7 Regiões Autónomas, de quererem continuar a "sacar o mais possível a Lisboa".
Por outras palavras, mais certas, com a regionalização autonómica, também se pretende fazer retornar (melhor, não deixar sair) às suas origens os capitais gerados pelas Regiões que até hoje não têm tido o poder político necessário para os afectar aos investimentos de que carecem, depois de os decidirem realizar autónoma e directamente, sem se subjugarem a decisões congéneres do poder central.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)