Regionalização versus Centralismo

A forma como os cidadãos participam na vida política e cívica das sociedades normalmente traduz o grau de desenvolvimento das democracias nos regimes livres, reflectindo ainda a percepção dos indivíduos em relação à utilidade do seu envolvimento nas coisas públicas ou comunitárias.

Assim, o Estado democrático deve promover o envolvimento dos cidadãos nas discussões dos assuntos da governação, sendo desejável que as decisões sejam tomadas a um nível tão próximo quanto possível dos seus destinatários, por forma a que estes se revejam nelas, as compreendam e participem na sua aplicação por as considerarem promotoras do bem comum.

Nesta linha de pensamento, vários autores defendem a existência de órgãos regionais com capacidade de decisão política e autonomia na gestão orçamental, cuja legitimidade deve resultar do voto popular. Porém, noutra linha de pensamento também legítima, há os que defendem que os mesmos objectivos podem ser conseguidos por via de uma desconcentração do poder, transferindo competências de órgãos centrais para órgãos regionais ou locais, com a vantagem, segundo estes, de não implicar a criação de novas estruturas de governação normalmente geradora de uma nova classe de políticos.

Como todos sabemos, este debate desencadeia o aparecimento de posições arrebatadoras de ambos os lados, cada um fazendo valer os seus argumentos e dando visibilidade às desvantagens do modelo oposto, como ficou bem patente durante a campanha eleitoral no âmbito do referendo sobre a regionalização há uns anos atrás, em que o não saiu vencedor.

Hoje, não sabemos qual seria o resultado, mas começam a surgir várias vozes avalizadas clamando pela sua discussão novamente. Este dado deve levar-nos a questionar as causas deste movimento que começa a emergir e que é transversal aos vários partidos, não devendo por isso ser reduzido sumariamente às habituais querelas partidárias.

Entendo que, uma das razões que têm contribuído para o engrossar das vozes que clamam por um novo debate seguido de referendo sobre a regionalização tem a ver com uma postura extremamente centralista que os vários Governo tem assumido na condução dos assuntos governativos do País. Com efeito, temos assistido à avocação pelos órgãos centrais do Estado de níveis de decisão que noutros tempos estavam sedeados nos órgãos desconcentrados ao nível regional.

A título de exemplo, refira-se a decisão sobre as candidaturas ao PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais que, como sabemos, cabe a uma equipa da Segurança Social localizada em Lisboa, quando todo o processo poderia, perfeitamente, ser decidido pelos serviços dos centros distritais.

Também o processo de gestão do QREN tem sido objecto de queixas da parte dos autarcas pela mesma razão, e outros exemplos se poderiam elencar.

Esta indisfarçável recentralização do poder de decisão causa-me inquietação por desconhecer os reais objectivos que a motivam, sendo certo que não decorre seguramente de qualquer desiderato ideológico, dado que está a ser implementada por um governo dito de esquerda, e também sabemos que há muitas dúvidas sobre o seu contributo real para uma maior eficácia na realização da missão do Estado, essencialmente orientada para a promoção de equidade na distribuição dos recursos disponíveis pelo todo nacional, em ordem a elevar os níveis de bem-estar das populações.

É certo que, com o aproximar de tempos eleitorais, importa desmontar esta linha de comunicação e, não tenho dúvidas, vão surgir iniciativas de transferência de mais competências para as Câmaras Municipais e até para as Juntas de Freguesia. Mas que sejam competências relevantes com todos os meios indispensáveis à sua prossecução, e não mudar apenas o essencial para que tudo fique na mesma.

no "a rosa"
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Comentários

O Micróbio II disse…
A regionalização já deixou de ser tema...
Caro Microbio,

Se pensa que a Regionalização já era, desengane-se, as coisas ainda agora começaram. No próximo ano, então, este tema vai escaldar.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

O tema da regionalização será o "parto forte" da próxima legislatura, com os ingredientes a serem preparados ainda muito antes das eleições legislativas do próximo ano, as quais justificam como PROGRAMA ELEITORAL, a converter em PROGRAMA POLÍTICO DE GOVERNO, apenas um tema: "PROPOSTA DE REGIONALIZAÇÃO".
O "post" agora objecto de publicação neste "blogue" é um excelente exemplo explicativo das causas que geram sentimentos e convicções regionalistas, da pertinência das diferentes soluções e das consequências que daí poderão advir.
No entanto, alguns tópicos lá indicados merecem reflexão, começando desde logo pela participação dos cidadãos. Com efeito, a participação política dos cidadãos encontra-se na cotação mais baixa de que há memória e a sua inversão bem poderá acontecer com a implementação da regionalização, conduzindo a uma mobilização efectica das populações das regiões autónomas a criar e implementar.
Por outro lado, conseguir-se-ía rapidamente um mais rápido grau de desenvolvimento democrático por razões associadas à existência de uma novo paradigma de governação derivado de uma descentralização política e não de uma descentralização administrativa.
É que a descentralização política revela-se politicamente mais legítima que a própria desconcentração de poder e é a mais apropriada para uma chamada real das populações aos temas políticos por melhor corresponderem aos seus interesses reais.
Por isso, a criação das 7 Regiões Autónomas revela-se como a medida política de regionalização mais adequada, não por procurar criar novas estruturas de poder, mas substancialmente por favorecer a implementação de estruturas de poder qualitativamente diferentes: regionais e locais e com uma total abrangência na sociedade portuguesa.
Esta abrangência proporciona consequências transversais a toda a sociedade, mas com respeito pelas características e diferenças de cada região autónoma e, dentro destas, de cada município e freguesia; as mesmas consequências têm mais uma amplitude política e sociológica que meramente partidária, dado que aqui os partidos terão de funcionar como instrumentos organizacionais necessários para apoiar as políticas governamentais de descentralização política autonómica, razão pela qual terá de ser sempre legitimada pela realização de um referendo.
Infelizmente, os casos de concentração das decisões políticas são contínuados e os exemplos dados pelo QREN e PARES confirmam o pendor centralista deste e de outros Governos que o antecederam, mas não se vislumbram melhorias num futuro próximo, a não ser que a conjuntura política se agrave de tal forma que o poder central seja obrigado a fazê-lo e, nestas condições, fá-lo-à à pressa e nunca nas condições mais recomendáveis.
Complementarmente, as decisões tomadas num contexto centralizado, como nos exemplos referidos, identificam-se com decisões tomadas com desconhecimento total das realidades económicas, estruturais e sociais das diferentes regiões, municípios e freguesias.
Por tudo o que foi exposto, com parabéns para o autor do "post" aqui analisado, é primária a justificação para se decidir e implementar a descentralização política para dar corpo à regionalização, somente baseada na criação das 7 Regiões Autónomas no território continental, permitindo:
(a) Competèncias políticas para aquelas regiões autónomas.
(b) Competências político-administrativas para os municípios.
(c) Competências administrativas para as fregusias.
(d) Competências políticas centrais de soberania, segurança, justiça e de coordenação regional segundo o princípio da subsidiariedade.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)