Regionalização. Novamente!

Sérgio Martins, in revista Algarve Mais, Maio 2007

Nunca é demais voltar ao tema da regionalização, especialmente porque não temos regionalização e o centralismo é asfixiante.

Portugal é dos países mais centralistas da União Europeia, senão mesmo o mais centralista. Cruzando-se os dados da OCDE, FMI e Eurostat, conclui-se que Portugal apresenta um grau de descentralização de 14%, medido no grau de participação da administração não central (regional e local) no orçamento de estado. Em Espanha os valores são de 43%, 35% em Itália, 38% na Finlândia, 25% na Estónia, 30% na Letónia, etc., etc..

Muitos já estão fartos de ouvir falar de Espanha. Mas é um bom caso de estudo, com algumas semelhanças a Portugal e um país que saltou para os 10 países mais ricos do mundo.

Em Espanha, em 1987, o governo central usufruía de 70% do Orçamento de Estado e em 2004 apenas 50%. Entre 1987 e 2004, a administração pública local espanhola (Ayuntamientos) conservou cerca de 13% do Orçamento de Estado, mas as Comunidades Autónomas, muitas delas da dimensão das regiões portuguesas, aumentaram a sua participação no Orçamento de Estado de 18% para 35%. Também isto contribuiu para o salto de Espanha.

A regionalização, sob diversas formas, é uma opção administrativa largamente maioritária na União Europeia e a razão é clara: os problemas locais e regionais são melhor resolvidos por estruturas locais e regionais. Com o poder e as decisões a concentrarem-se em Lisboa ou em lugares nomeados por Lisboa tudo se torna mais lento, mais burocrático e mais propenso a erros de análise de quem não conhece os problemas no concreto.

A inexistência de Regiões Administrativas em Portugal conduziu a assimetrias regionais desastrosas: o interior desertifica-se e as regiões do Alentejo, Centro e Norte estão em quebra económica e social. Mesmo o Algarve está num impasse e a situação não está pior porque o turismo tem sido uma almofada.

É este o contexto da regionalização. Quanto ao resto e às conversas de mais gastos ou mais tachos pode-se constatar que não passam de mitos e o resto são discursos demagógicos.

Serão apenas 34 os membros dos Executivos das Juntas Regionais e ao mesmo tempo desaparecem 18 Governadores Civis e pelos menos 10 presidentes e vice-presidentes de Comissões de Coordenação Regional. Entre outros cargos regionais que poderão ser suprimidos constata-se que os novos lugares não vão aumentar o número de cargos políticos e, de facto, do que iremos beneficiar é que os actuais lugares existentes que estão dependentes de interesses partidários irão ser substituídos por outros que serão eleitos e escolhidos pelo povo.

Por outro lado, não é preciso mais orçamento ou funcionários, porque as Regiões Administrativas irão ficar com os orçamentos e funcionários das Comissões de Coordenação Regionais, Governos Civis, Direcções Regionais de Economia, Agricultura, Saúde, etc. A diferença é que deixarão de ser orçamentos e funcionários geridos por políticos nomeados pelos partidos e passarão a ser geridos por pessoas eleitas e escolhidas pelo povo.

Mesmo o argumento que se vão multiplicar os erros das Câmaras Municipais é falacioso. Porque os males do Estado não estão no poder local. As Câmaras administram cerca de 10% do orçamento de estado e a sua parte da despesa também ronda os 10%, mas são positivamente responsáveis por quase metade do investimento público e ainda apresentam saldo positivo. As Câmaras não são responsáveis pelo défice e gerem bem. Obviamente que poderão haver Presidentes melhores ou piores, mas a beleza das eleições é que estas permitem sempre escolhermos outro. Com a regionalização também teremos a possibilidade de escolhermos quem consideramos melhor para gerir a região.

Sendo que a regionalização, ao traduzir a legitimação democrática e a eleição directa de quem governa na região, também significará que teremos pessoas com poder e peso representativo, institucional, político e negocial reconhecido por todos os agentes públicos e privados, regionais, nacionais e europeus. Teremos o que não temos agora: dirigentes com poder para defender o Algarve.

Escolher quem gere a região, combater a burocracia e fazer mais e melhores obras com menos dinheiro e são as grandes vantagens da regionalização. Não ter regiões administrativas ou continuar a adiá-las significará manter um caminho de aprofundamento das desigualdades regionais, desertificação do interior, dinheiros mal gastos e um país eternamente na cauda da Europa.

Comentários

Tino disse…
Sou um regionalista e autonomista convicto, mas não é demais deixar alguns alertas.
Existem esquemas que podem por em causa a necessária renovação democrática, como tal a limitação de mandatos é essencial para uma sã vida democrática das futuras regiões administrativas de Portugal continental.
Anónimo disse…
Caro Tino,

Regiões Administrativas ou, na melhor das hipóteses, as Regiões Autónomas, sendo conveniente não esquecer a melhor alternativa (arenção aos custos de oportunidade nas decisões políticas).
Este "blogue" seria um local excelente para se discutir o que vale a pena fazer para uma regionalização com resultados palpáveis em termos de desenvolvimento e com novos protagonistas políticos.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Caro Sérgio,

Excelente artigo.

Em poucos parágrafos tocou em todos os pontos críticos desta matéria da regionalização e dos custos da não regionalização.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Neste "post" de grande perspicácia analítica sobre a regionalização, causas e consequências da sua não implementação, dá-se uma ênfase desproporcionada às regiões administrativas, sem sequer admitir a alternativa das Regiões Autónomas.
Por outro lado, a afectação dos recursos humanos às futuras regiões administrativas baseia-se no critério do "arrebanhamento" do pessoal afecto actualmente aos organismos mais especializados no "administrativismo" da "coisa pública": CCDR's, Governos Civis, etc., etc., etc.
Com esta solução nunca existirá estratégia política e, dentro desta, nem sequer ambição para delinear e implementar as políticas sectorias e funcionais que privilegiem as características e as potencialidades de cada Região Autónoma e a inovação permanente nos objectivos políticos(nem quero saber do simplex, do prace e quejandos, já que são apenas instrumentos).
Por isso, regionalização autonómica em frente, com novos protagonistas e verdadeiras políticas nacionais, sectoriais e funcionais, com respeito pelas características de cada região autónoma.
De outro modo, será mais um fracasso político e social, para de fracasso em fracasso, comemorarmos a derrota final (proximamente, a Estónia e a Eslováquia já nos vão ultrapassar; que diabo, nós já estamos na UE há mais de 20 anos; aqueles 2 países, somente há 3 ou 4).
Afinal, o que é que os nossos políticos andam a fazer e o que querem para o País?
- Ah! Mas nem tudo é mau!, podem afirmar entusiasticamente alguns.
Pois não; imaginem que era tudo, tudo mau.
Enfim, a habitual "cepa torta"


Assim não fosse, mas continua a ser.

Sem mais nem menos.

Anónimo pro-7RA. (sempre com ponto final)