O Interior

Interior abandonado e esquecido

Assistimos nesta época em que nos coube em sorte viver, a uma verdadeira ruptura estrutural no seio da comunidade em que nos inserimos. Depois de décadas de marasmo, e de dias tão iguais que mais parecia serem sempre os mesmos, de há um punhado de anos para cá, quase pode dizer-se que não há mês que se assemelhe ao que o antecedeu, e que nem há semana que se afigure com a que há-de vir.


Vai daí que uma pessoa nem se apercebe, mas as mudanças foram e são tantas, que por exemplo hoje em dia se faz uma viagem em poucas horas quando antes se necessitava de quase um dia para o seu percurso, tornando-se o longe perto. Mais parece agora que não há longe nem distância que nos separe de onde não estamos mas onde queremos ou devemos estar.

Mas já muito antes, as agruras ou os gostos da vida haviam feito com que aos milhares os seres humanos abandonassem os locais de nascimento e de residência ancestral na demanda de melhores condições de sustento próprio e dos mais próximos, ou na busca de coisas inexistentes no horizonte sempre sentido como limitado para quem ansiava por mais.

Com o suceder dos dias e das noites, e das Páscoas depois dos Natais, largas parcelas do território nacional de meio do país para dentro, quem vem de poente para nascente, foram ficando esvaziadas de habitantes, num fenómeno diametralmente inverso, bem se pode dizer, pois enquanto isso, no outro lado junto ao mar, os aglomerados urbanos cresciam que nem cogumelos, e de uma forma absolutamente anárquica. Com toda a ilusão do mundo, caseada com a ignorância que baste em muitos casos, trocou-se uma má qualidade de vida, por uma outra bem pior e de pouco se recomendar.

Em todo este processo, chegamos agora a um ponto, em que caso se olhe para as coisas meramente com olhos toldados pelos cifrões que agora foram substituídos por aquele símbolo do euro, a moeda corrente, logo se decide encerrar tudo o que é Serviço mais ou menos Publico, tenha ele o simbolismo que tiver para os cidadãos que teimam em dependurar o pote, como nós dizemos, nas terras deste interior esquecido.

Com o argumento de que é imprescindível e de toda a inteligência racionalizar custos, deitam-se ferrolhos às portas de Postos da GNR, de Tribunais, de Serviços de Saúde, e agora fala-se até de Repartições de Finanças.

Quem assim decide jura a pés juntos que se não diminui a assistência e a qualidade daquilo que se faz e dos serviços que se prestam aos homens e às mulheres que com vontade ou sem ela, ainda residem por nesses concelhos que ninguém quer.

Esvaziam-se sem retorno estes que nem fole rasgado por navalhada, apesar dos esforços avulso de autarcas desesperados a quem só falta arranjar sereias de atractivo canto para que nas suas terras há séculos descobertas e navegadas se fixem os que lá estão, e para que venham outros de outros lados. Inglórios são no entanto semelhantes esforços, pois logo são contrariados por uma politica que teima em não compreender que uma Repartição, um Posto da GNR e um Tribunal numa vila, são a sua própria essência, e são o pouco alimento que lhe dá o magro alento. Ao acabarem-se assim sem brilho estas representações do Poder institucional, é o mesmo que se condenar ainda mais ao marasmo e por conseguinte ao abandono largas pedaços de Portugal.

Ao arrepio de tudo o que é recomendável em termos de equilíbrio territorial e demográfico, varre-se tudo para meia dúzia de locais e desleixa-se o resto.

Épocas virão e não falta muito por este andar, que após mudanças irreflectidas e prosseguidas sem tino, uma metade ou mais do país esteja fantasmagórico enquanto a outra parte está à pinha. O mundo dá voltas, nós andámos no meio delas, mas só alguns sofrem os enjoos. É como as ondas do mar, são bonitas, andam para cima e para baixo, para lá e para cá, mas quem se lixa são sempre os mesmos. Somos nós, os do interior desamparado e olvidado.
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Comentários

Philipp disse…
Sou do Porto e apoio a Regionalização. Este apoio é-me motivado primordialmente pelo que observo na região do Porto. No entanto, também é motivado pelo facto de sempre que saio do litoral e visito o interior chocar-me o abandono que se verifica. Eu sonho com um país em que se viva bem seja em que terra se habite. Uma utopia, bem sei... mas vale a pena tentar chegar cada vez mais perto!
Cada vez mais me convenço que a criação de uma região Norte com capital no Porto não seria suficiente para resolver os problemas do interior profundo, nomeadamente Trás-os-montes. Penso por vezes que pode ter duas soluções:
1. sediar a capital em Vila Real (charneira entre o Norte Litoral e o Norte profundo) numa região Norte;
2. criar duas regiões: Douro Litoral e Minho; Trás-os-montes e Alto Douro.

Não sei se será uma solução praticável, mas de facto receio mesmo que uma região Norte com capital no Porto iria beneficiar a area metropolitana do Porto e arredores. Assim como toda a região envolvente a Braga e o eixo litoral até Viana do Castelo e início do Vale do Minho, onde muitos citadinos passam as suas férias.
Não sei bem, mas penso mesmo que regiões profundas iriam fácilemente cair outra vez no esquecimento, não?
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Só exite uma solução: 7 Regiões Autónomas, com separação entre as regiões do Litoral e do Interior, a NORTE DO RIO TEJO.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Caro Phillip:
A sua opinião só vem provar que, mesmo no Porto, essa pseudo-região Norte não é consensual. De facto, dou-lhe os parabéns por não olhar, como grande parte dos regionalistas do litoral, apenas para o seu umbigo e ver Portugal numa perspectiva global e equalitária. Quanto à primeira solução que apresenta, é semelhante à do sr. Al-Cardoso, que propõe sediar a capital do Centro em Oliveira do hospital. porém, essa solução não seria praticável, pois, com o tempo, e alegando as dificuldades do costume, tudo iria parar, mais cedo ou mais tarde, ao Porto e ao Litoral.
Portugal está fracturado, entre o Litoral e o Interior. São realidades diferentes. Penso que nem o Interior tem que viver subjugado ao Litoral nem o Litoral tem que carregar o Interior às costas. Se dividirmos o que é diferente em vez de tentarmos juntar alhos com bugalhos, as coisas sairão certamente melhores. Por isso defendo as 7 regiões:

*Entre-Douro e Minho
*Trás-os-Montes e Alto Douro
*Beira Litoral
*Beira Interior
*Estremadura e Ribatejo
*Alentejo
*Algarve

Ainda quanto à questão das capitais regionais, penso que a melhor solução é, como já tenho vindo a defender, dividir as instituições regionais e as direcções regionais por um conjunto de cidades, colocando cada instituição no local mais adequado de forma a não criar centralidades disformes a nível regional. Por exemplo, uma proposta para o Entre-Douro e Minho:

*Porto
-Junta Regional
-Direcção-Regional de Economia e Finanças
-Direcção-Regional de Saúde

*Braga
-Parlamento Regional
-Direcção-Regional de Educação

*Guimarães
-Tribunal Regional
-Direcção-Regional de Turismo e Património

*Viana do Castelo
-Direcção-Regional de Ambiente e Ordenamento

*Valença
-Direcção Regional de Segurança

*Póvoa do Varzim/Vila do Conde
-Direcção Regional de Agricultura e Pescas

*Matosinhos
-Direcção-Regional de Obras Públicas e Transportes

Estes organismos condensariam toda a actividade que hoje é realizada por dezenas de outros institutos e respectivas delegações, anarquicamente espalhados pelo país. Acabar-se iam assim com dezenas de "tachos", e tornar-se-ia mais célere e eficaz a "máquina" do estado".
Só para dar um exemplo, a nível de educação, neste momento, existem 5 Direcções-Regionais de Educação, correspondentes aos NUT-II, e mais umas boas dezenas de Centros de Área Educativa (CAE), um por cada NUT-III. Portugal Continental tem, então 28 CAE's e, com a Regionalização, passaria a ter apenas 7 Direcções-Regionais de Educação. Para quem diz que a Regionalização só serve para criar "tachos", imagine-se a quantidade deles que seriam eliminados com esta reforma. Isto só na Educação, porque a situação é idêntica em quase todos os sectores. E nem seria preciso construir novos edifícios para sediar nada. Por exemplo, no Porto, o edifício da Alfândega, os Palácios do Freixo e da Bolsa ou até a tão falado Mercado Ferreira Borges seriam bons locais para se instalar estes serviços com alguma dignidade e sem gastos acrescidos.

Afonso Miguel, Beira Interior