Regionalização, Províncias e o Estado Novo

A REGIONALIZAÇÃO CONTRA NATURA DO ESTADO NOVO

A divisão regional do continente dificilmente suscita consensos, mas não desperta igualmente grandes polémicas, também entre os geógrafos portugueses, e é ciclicamente trazida para o primeiro plano do debate público. Assumimos, aqui, a região na sua acepção mais vulgar, de divisão infranacional, tendo presente que, etimologicamente, ela é um território dotado de poder próprio, com capacidade de se “reger”, e que a regionalização é sempre um processo de descentralização política.

No começo do século XX, Leite de Vasconcelos (1961: 13) remete-se às seis “províncias”, que classifica de “divisões populares” – na realidade, ao longo de todo o século XIX, elas continuam a povoar e a organizar os textos escolares de Geografia sobre o território português (Claudino, 2001).

Na sequência da instauração de uma República sensível aos desafios da igualdade de oportunidades e da influência do debate sobre justiça territorial que se segue à I Guerra noutros países europeus, em Portugal reacende-se o debate sobre a regionalização do país. Em 1922, realiza-se o Congresso Nacional Municipalista, a que se sucedem congressos provinciais e regionais e a criação de associações regionalistas.

Para Amorim Girão (1930: 1), proeminente professor de Geografia da Universidade de Coimbra, «O regionalismo é hoje uma ideia em marcha». Assumindo a influência da florescente escola regional francesa e defensor da “região natural”, em detrimento da política, elabora uma proposta de divisão em treze regiões, em que valoriza as bacias hidrográficas como unidades geográficas. Apela à mobilização dos recursos naturais de cada região na promoção do seu desenvolvimento, num discurso marcado pela animosidade em relação ao centralismo lisboeta (Amorim Girão, 1930: 2-3):

  • «Esse movimento… é a consequência lógica duma revolução económica que impõe a especialização da produção… é o país que, farto de apelar em vão para o Estado-providência, reconhece que precisa de fazer uma chamada às próprias forças, procurando valorizar-se pelo aproveitamento de todos os recursos naturais; é Portugal, tomando a consciência de que é mais alguma coisa do que Lisboa, a tentar descongestionar-se por forma que as suas diversas regiões, recuperando a antiga vitalidade, possam opor-se à aglomeração da capital, impedindo que esta continue exercendo a atracção maléfica que tem exercido sobre todas as inteligências, actividades e interesses das populações provinciais.»

Amorim Girão influencia decididamente a divisão em onze províncias aprovada no Código Administrativo de 1936. Contudo, a ditadura do Estado Novo faz o seu curso centralista: as juntas de província são esvaziadas de competências e recursos e as províncias são extintas em 1959, ainda que com a cuidadosa advertência de que «Sem prejuízo da designação regional “província”»

Entretanto, o sistema de ensino continua a divulgar até aos nossos dias a divisão provincial de 1936 (Claudino, 2001), marcando sucessivas gerações. Contudo, os acontecimentos que marcam a evolução da população de Portugal peninsular apontam para uma diluição das identidades regionais.

A partir dos anos 60 do século passado, o país sofre uma autêntica sangria interna, através da emigração, ao mesmo tempo que se acentua o êxodo rural para as principais cidades do litoral, movimentos que penalizam particularmente as áreas rurais.

Após 1974, regressam centenas de milhares de “retornados” das ex-colónias, que se pulverizam por todo o país e, com o seu assinalável dinamismo, marcam decididamente o desenvolvimento regional e local.

Desde os anos 90, a imigração de cidadãos leste-europeus, brasileiros, dos países africanos lusófonos e outros, assumiu igualmente uma assinalável.


SÉRGIO CLAUDINO
Investigador do Centro de Estudos Geográficos Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalsitas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Ainda bem que foi publicado este texto sobre a regionalização, as regiões naturais ou províncias, sendo o critério exclusivistas das bacias hidrográficas importante, mas reducionista, uma vez que deverá ser conjugado com o critério orográfico ou do relevo, entre outros.
Daí, as 11 Regiões Naturais ou Províncias, a partir das quais de ve implementar as 7 Regiões Autónomas.´
É tão simples, mas o que é simples trona-se complicaod no nosso País.
Quando ligam o complicómetro, é o fim ..., não se consegue (arranjar, arranja-se tudo, com os resultados à vista) fazer nada.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)