Francisco Lucas Pires

Regionalização e Europa


A consideração do fenómeno regional na construção europeia passou por várias fases. Podemos destrinçar pelo menos três: a dos anos setenta em que as regiões não existem nos Tratados; a da nova política regional dos anos oitenta até aos anos noventa, em que a política é concebida apenas de acordo com o factor territorial e o factor económico; e a posterior aos anos noventa, com o Tratado de Maastricht nomeadamente, em que as regiões são adoptadas ou integradas na política comunitária, como um factor político e institucional, ainda que modesto, já não apenas como um factor económico e territorial.

E se é duvidoso que a CIG-96 venha já a abrir um novo ciclo neste domínio, travado não só pelo retorno do intergovernamentalismo, como, sobretudo, pela sombra de outras prioridades, a evolução do fenómeno regionalizador continua a enfunar as suas velas. Para muitos, a Europa ofereceria hoje, até, uma espécie de quadro “neo-medieval” em que se progride no topo em termos de uma maior unidade e centralidade política, qual versão democrática dos tempos do Papa e do Imperador, enquanto na base cresce um pluralismo de entidades intermédias, como as Regiões.

Este último escalão permitiria satisfazer, ao mesmo tempo, objectivos da “nova democracia” e do “novo desenvolvimento”, ambos mais próximos, respectivamente, da vontade e das necessidades dos cidadãos. A “ferramenta” institucional da democracia será cada vez mais precisa à defesa da identidade, formas de coesão e estratégias, construídas e afirmadas, subsidiariamente, de baixo para cima e do particular para o geral.

Por um lado, o instrumental jurídico-institucional é hoje considerado prioritário a todos os níveis de desenvolvimento. As debilidades competitivas teriam, muitas vezes, origem mais na falta desses instrumentos de que na escassez de recursos. O direito e a democracia são, a todos os níveis, os primeiros e mais valiosos utensílios para a realização da ambição colectiva. É com eles que procuram equipar-se as “unidades geo-culturais” (P. Häberle) que são as regiões.

Por outro lado, tratar-se-ia de evitar novos absolutismos do geral, propiciados muitas vezes pelos hiatos da construção democrática. É por essa razão que estamos hoje não apenas perante um quadro social plural, mas pluralístico, para o qual o pluralismo já não é só uma realidade mas um valor positivo, activo e querido.

Além disso, é preciso assegurar um continuum entre o local e o global na defesa e promoção do desenvolvimento. Numa economia mundializada, as comunidades infraestatais com suficiente identidade cultural também não prescindem do espírito empresarial nem de vontade política própria. Carecem, por isso, de dimensão e autonomia para serem reconhecidas pelo mercado.

Entre o local e o mundial, a defesa e a comparticipação das várias formas de identidade organiza-se, assim, do modo mais homogéneo e horizontalizado. Por isso, as regiões voltam a procurar um lugar, sobretudo numa Europa onde a respectiva tradição lhes confere um suplemento de força e legitimidade.

A mundialização produz uma fragmentação atomista que ao nível social conduz ao individualismo. A regionalização, vista ela própria como ruptura, é afinal, neste novo cenário, uma forma de combater aquela forma extrema de desagregação dos laços sociais das comunidades intermédias e de estruturar, grau a grau, patamares de formação de unidade social.

Na reorganização das formas políticas que a internacionalização desafia, a regionalização avança, porém, como uma forma de aprendizagem institucional, por isso mesmo reformista, adaptativa e gradual. Tal adaptação tem de ter em conta, nomeadamente, o quadro externo, o qual não pode ser ignorado, neste como em qualquer outro problema político. Mais especificamente, mesmo quando o respectivo direito não é determinante ou imperativo a este propósito, será concerteza óbvio para todos que a União Europeia é a mais relevante moldura desse contexto.

Por um lado, todas as políticas da EU acabam por influir, de uma maneira ou de outra, sobre o território e a sua política de coesão económica, social e inter-regional é cada vez mais solicitada pelos próprios Estados-membros. Por outro lado, o peso da EU no seu conjunto representa o primeiro contraforte de defesa e a primeira alavanca externa das comunidades que a integram – Regiões compreendidas – face aos novos desafios da mundialização.

Pode-se, pois, concluir que a construção europeia favorece uma cultura regionalizadora embora não a imponha e só escassamente a integre. Mesmo depois da CIG-96, ela continuará a assentar e a visar uma Europa dos Estados, embora, no terreno, a diferenciação regionalizadora vá continuar a crescer a um ritmo aproximado da integração e, sob esse aspecto, a carecer também de uma paralela atenção e a contribuir para a própria modelação da arquitectura conjunta.


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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A inserção deste texto do Doutor Francisco Lucas Pires é da maior importância para se compreender os reais objectivos de uma política de regionalização, a caminho do desenvolvimento. Este texto não teria a sua adequada dimensão política e humana se tivesse sido escrito por quem tem da cultura e das actividades culturais uma noção de apêndice casuística do exercício da política.
Convirá não esquecer que quando apresentou o programa político do Ministério da Cultura do Governo a que pertenceu, a Assembleia da República teve o bom senso e a clarividência de o aprovar por UNANIMIDADE, num período de "vacas magras" e em que a cultura portuguesa foi reestruturada e dinamizada.
As intervenções políitcas do Doutor Francisco Lucas Pires caracterizaram-se sempre por incorporararem ideias e objectivos resultantes da intersecção da cultura com outras disciplinas políticas, sempre na defesa do que considerava os interesses essenciais e perenes das populações em termos de desenvolvimento equilibrado e autosustentado.
A sua intervenção política caracterizou-se sempre por dar prederência a uma perspectiva mais estruturakl que conjuntural, mais d elongo do que de curto prazo, mais de político-estadista do que de político-de-turno.
Este texto pode ser considerado uma pedra angular na compreensão correcta de uma política de regionalização, mais consentânea com a regionalização autonómica que administrativa.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Para os CALIMEROS:
Vão ver as verbas do piddac para o distrito do Porto e de Lisboa.
Sempre a chorar, sempre a chorar e sempre a mamar.
JOSÉ MODESTO disse…
Anónimo pró-7RA.
Vá lá identifique-se, mostre-se
Anónimo disse…
Caro José Modesto,

Agradeço que não insista porque não é ainda o tempo.
Por outro lado, as ideias e, neste caso concreto do processo político da regionalização, os objectivos que lhe estão associados são muito mais importantes que as pessoas em si.
Os meus cumprimentos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Cobardia meus caros, cobardia.
Eu chamaria mesmo a este senhor "TOUPEIRA".
João Santos
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Para pessoas como o Senhor João Santos, parece ser muito mais importante o esgrimar da intriga, da suspeita e do insulto do que alinhar argumentos a favor ou contra a regionalização.
Seria bom que solicitassem também a identificação de outros participantes anónimos deste blogue, pois caso contrário estamos perante outros "toupeiras" e cobardes.
Porquê tanta "dedicação" ou interesse relativamente à minha pessoa? Quando a "esmola é grande o pobre desconfia". Aproveito para recordar às pesssoas que insistem em "bater na mesma tecla" que o vosso pedido não é surpresa nenhuma desde há muitos anos, sabendo no que resultado que dá a cedência a tais pedidos. Nunca foram formulados com boas intenções, a julgar pelos casos já por demais conhecidos.
Por isso, está tudo dito e redito; por favor, não insistam e digam (insultem) o que muito bem entenderem.
Se não quiserem que escreva neste blogue podem ser mais directos.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)