Revisitar 1998


A regionalização é necessária,
a Beira Interior também

Luís Pereira Garra*
(1998)

Nos últimos tempos, a Regionalização e a Beira Interior foram objecto de tantos escritos e de tantas iniciativas de personalidades e responsáveis políticos que cresceu em mim o apetite de também tecer opiniões sobre tão premente questão.

Para que dúvidas não fiquem desde já clarifico que esta é uma opinião claramente a favor da Regionalização e da Beira Interior. Isto porque, para dizer mal já há que chegue e porque considero chegada a hora de apresentar argumentos contrários aos daqueles (que não são apenas da área do PSD e do PP) que, por acção e por omissão, põem em causa a Beira Interior não vendo (alguns estão a ver) que esses argumentos apenas servem para entravar e meter areias no processo de regionalização. Com isto quero dizer que, para mim, os nãos claros ou encobertos à Beira Interior apenas visam atacar o fundamental que é a Regionalização.

Posto este esclarecimento prévio vamos à apresentação de alguns argumentos.

A Regionalização é necessária porquê?

1-É necessária por razões de aprofundamento do Regime Democrático A criação urgente das Regiões Administrativas (também a Beira Interior) impõem-se num regime democrático dado que, de ta1 reforma estrutura1, resultará uma maior aproximação do poder ás populações e, consequentemente serão criadas melhores condições para a democracia participativa.

Ora é aqui que reside o cerne da questão. Os anti-regionalização centralistas, os ávidos de poder absoluto e os que da democracia têm uma visão que come e acaba neles, estão contra a regionalização porque ela é um meio de aprofundar o regime democrático, de aproximar as pessoas do poder de decisão e de as fazer participar mais na vida da comunidade em que se inserem.É isto que eles não querem porque é isto que eles temem.

Mas, como é óbvio, não é só por estas razões (e já não é pouco) que a Regionalização é necessária.

2-É necessária por razões de desenvolvimento e de combate ás assimetrias A constituição de Regiões Administrativas poderá constituir um factor fundamental para reunir sinergias, recursos e competências que promovam o desenvolvimento de projectos integrados e contribuam decisivamente para a melhoria da qualidade de vida das populares.

O Poder Local Democrático e a Regionalização em perfeita simbiose, desde que dotados de competências e meios financeiros adequados e suficientes podem constituir grandes alavancas para o combate ás assimetrias regionais, na concretização de um desenvolvimento autêntico consubstanciado no crescimento económico e também no combate às desigualdades sociais, na preservação dos recursos naturais e ambientais, da cultura, do ensino, etc..

3- É necessária por razões de reforço e defesa do Poder Local Democrático. É evidente que a criação das Regiões Administrativas não poderá traduzir-se numa mera transforma ao das CCRs. Ela deverá complementar todo o esforço das autarquias, o que só é possível indo buscar as suas atribuições e competências ao que hoje pertence a Administração Central, sem retirar competências e meios de acção a Administração Local.

4-E necessária por razões de desburocratização do aparelho de Estado É hoje inquestionável que a ausência de um nível de poder eleito intermédio entre a Administração Central e os Municípios se tem revelado como factor bloqueador em relação a aspectos centrais do desenvolvimento regional. Isto é dito e redito por autarcas e agentes económicos e sociais de diversos quadrantes que andam, anos a fio, de departamento em departamento dependentes de órgãos não eleitos (CCRs) até que a resposta chegue ou o problema seja resolvido.

5-É necessária por razões da nossa presença na União Europeia. A presença de Portugal na União Europeia, a perspectiva do mercado único comunitário, o alargamento da U.E. a Leste e o facto de o nosso País ser considerado uma só região quando sabemos que internamente as desigualdades entre as várias regiões são profundas e não cessam de aumentar, torna mais premente a correcção das assimetrias regionais e a necessidade de agir para salvaguardar os interesses e a soberania Nacionais.

Também por isto a regionalização se impõe. Só assim as regiões mais atrasadas de Portugal poderão beneficiar de um esforço acrescido da U.E. e do Governo Português tendo como horizonte a coesão económica e social.

A Beira Interior é necessária e é a melhor solução

Mas não é só por isto pois, os argumentos atrás desenvolvidos, com algumas nuances que referirei, são igualmente válidos para uma região diferente da Beira Interior.

A questão central para defender a Beira Interior , como não pode deixar de ser, a aproximação do poder das populações e também a possibilidade de, através da união de dois Distritos deprimidos, com afinidades económicas (Têxteis, Agricultura, Turismo, etc.), culturais e sociais e também com diversidade que se complementam e enriquecem, constituir um poder regional forte e próximo que reclame os meios financeiros, junto da União Europeia e do Governo Português, que 1he possibilitem o desenvolvimento a que tem direito.

Integrar os distritos da Guarda e Castelo Branco numa região mais ampla, por exemplo na Região Centro, poderia levar à criação de novos Terreiros do Paço nas cidades capitais regionais e a continuação da marginalização do interior desertificado e empobrecido. Isto mesmo dizia o Presidente da Câmara de Gouveia em Abril de 1996. Agora defende o contrário e ele lá saberá porquê.

A propósito da posição de alguns autarcas (não sei se será a posição das populações) de Seia e Gouveia que preferem uma Região que englobe o Litoral, gostaria de referir que, na minha modesta opinião, estes concelhos têm muito mais possibilidades de se afirmar e desenvolver numa região com características afins como é o caso da Beira Interior uma vez que no Litoral há centros urbanos muito mais fortes e com maior peso reivindicativo que não deixarão de se impor.

Lendo as posições anti-Beira Interior o único argumento com alguma consistência que é utilizado é o da ausência de ligações estruturais (Vias de comunicação) de Seia e Gouveia ao Distrito de Castelo Branco e a Guarda.

Sendo este facto verdadeiro, importa dizer que a responsabilidade é do PSD que enquanto esteve no Governo não construiu as vias de rodoviárias de ligação da Covilhã a Seia e Gouveia, nomeadamente o IC 12 com o túnel da Alvoaça e também é do Governo do Partido Socialista que decidiu retirar esta via de comunicação do Plano Rodoviário Nacional com o silêncio cúmplice dos senhores Presidentes de Câmara. Não quero ser precipitado mas quase apetece dizer que foi de propósito para agora servir de argumento contra a Beira Interior.

Outro factor que pode condicionar as opiniões e o receio que centros urbanos como a Guarda, Covilhã e Castelo Branco tentem hegemonizar a Região atraindo para si a capital, os serviços e os meios. Sobre isto quero dizer que considero esta questão resolvida se, desde logo, ficar assumido o caracter poli-nucleado da região, se cada um dos grandes centros souber assumir que os lideres não se impõem antes se afirmam pelo seu valor próprio e se entenderem que só teremos um todo regional bom se cada uma das partes for boa e se sentir respeitada na sua identidade e na defesa dos seus direitos e interesses.

Uma nota final

Será que com estes argumentos, necessariamente simplificados mas tão pela positiva, vamos entrar no mundo da perfeição, num desenvolvimento sem paralelo e, quem sabe, acabaremos com os problemas que nos afligem? Não. A meu ver os piores inimigos da Regionalização serão os que querem fazer crer que a partir dela e como um passe de mágica todos os problemas estarão resolvidos.

Uma vez mais e como sempre a forma de exercício do poder, a eficiente gestão dos recursos e a adopção de políticas económicas e sociais tendo o homem como destinatário, são fundamentais e de Habitantes para se atingirem objectivos de validade. Sem isso será o mesmo que agora acontece nas autarquias em que umas fazem e outras fazem de conta e como acontece com os Governos que continuam a persistir em políticas que já demonstraram a sua falência.

(*) Membro da Assembleia Municipal da Covilhã,Coordenador da USCB/CGTP-IN
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A regionalização é necessária ainda por outras razões fundamentais:
1ª. - Não basta proceder à desburocratização do Estado.
2ª. - É necessário uma ainda mais profunda reorganização dos serviços que integram a Admnistração Pública.
3ª. - É imprescindível que os Órgãos de Soberania dêm um exemplo democrático e competente para ser seguido pelas populações das regiões.
4ª. - Os serviços de apoio ao funcionamento dos Órgãos de Soberania devm operar com eficácia (fazer bem logo à primeira e não depois de muitas insistências ou denúncias públicas) e eficiência (dispender o valor mínimo dos impostos pagos pelos contribuintes e que lhes são destinados).
5ª. - É ainda necessário que os trabalhadores da Administração Pública não exerçam as respectivas funções imbuidos de uma "espécie de autoridade" mas de autênctica interiorização de serviços público, devendo prestar-se disponíveis para acções de formação nesse sentido.
Como sabem, considero uma solução insuficiente e ultrapassada a fórmula das Regiões Administrativas, partindo da certeza que a descentralização administrativa não tem potencial idêntico ao da descentralização política, em termos de desenvolvimento sustentado e equilibrado.
Por isso, só existem razões objectivas que privilegiem as Regiões Autónomas em detrimento das Regiões Administrativas, já anterior e constantemente aqui referidas e explicadas.
Este "post" constitui um EXEMPLO EXCELENTE do que se deve fazer para com a regionalização se recuperar o protagonismo e o desenvolvimento das regiões do interior.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
JOSÉ MODESTO disse…
A regionalização é um pré-requisito para a descentralização que objectiva transformar regiões administrativas em territórios de desenvolvimento, aproximando o Governo dos cidadãos.
Pensemos sériamente nesta ideia...como exemplo de desenvolvimento vêmos a vizinha Espanha.

Gosto do seu blogue
Anónimo disse…
Pois... a vizinha España.
Onde as regiões ricas estão cada vez mais ricas. E a Andaluzia continua com elevadíssimos índices de desemprego.
A nossa regionalização pode vir a dar uma sensação de "liberdade democrática", mas não dá pão. Nem azeitonas.
E vai alimentar um exército de burocratas, maior e mais faminto que aquele que hoje vegeta em S. Bento e anexos.
Já sei, os dirigentes regionais serão uma espécie pura. Diferentes dos governantes "lisboetas" e dos 43.000 autarcas.
Ninguém acredita nisso.
JOSÉ MODESTO disse…
Caro Anónimo,respeito a sua ideia...mas não a partilho. Em caso de dúvida não avançamos... é isso que nos quer dizer?
Se assim for como é que podemos fazer o teste?
Eu partilho a experiência...temos que tentar
Anónimo disse…
O senhor anónimo está totalmente errado. Como pessoa que usa frequentemente estatísticas, nomeadamente de tipo económico, a realidade que se verifica é que desde 1983, ano em que se fechou o processo regionalizador até hoje, as disparidades regionais diminuíram consideravelmente. Em 1983, a província espanhola mais pobre tinha um PIB três vezes inferior ao da província mais rica. Hoje a diferença é de 1,8 vezes. Regiões como a Extremadura espanhola ou a Galiza, totalmente abandonadas pelo poder central, hoje têm uma boa rede de estradas, auto-estradas, na maior parte grátis para os usuários, gerem áreas tão importantes como a Educação e a Saúde e contam com importantes recursos para o desenvolvimento.

A regionalização cá em Portugal não irá ter efeitos "mágicos" imediatos, mas poderá, sim, suavizar de modo progressivo as diferenças regionais.
templario disse…
Sr. Luís Pereira,

O seu Post é uma clara declaração de princípios para a fundação de um novo país. Muito fala em proximidade de poder e participação das populações que a regionalização proporcionaria!...E depois a distribuição de fundos de acordo com a população e projectos!.. E quem não fizesse os trabalhos de casa... Chamará a isso competitividade entre as regiões. Estou a ver o PCP a presidir a uma região e a produzir centenas de projectos na sua sede principal para aplicar a essa região. Seria lá que estava o governo central. Não tenho dúvidas que produziria mais que os outros partidos.

Sendo um autarca, é de admirar que não tenha sensibilidade para compreender a excelente relação que existe entre o Poder Local e as comunidades, em muitos casos até consegue ser democracia participativa. Haverá em toda a Europa, numa democracia formal burguesa, representativa, como a nossa melhor relação entre o poder local e as populações? Não há. Garanto-lhe. Haverá, em tal sistema na Europa, maior possibilidade de aprofundamento da democracia? Não há. Garanto-lhe. A nossa democracia está desenvolvida, muito aprofundada, mas não aplicada em vários sectores, e um desses é no mundo do trabalho, nas relações laborais. Não é entre o poder central e as autarquias locais. Não é por aí que o gato....

O problema poderá ser outro e a regionalização é o pretexto e seria o instrumento:

É preciso MALHAR neste Governo, em todos os governos; MALHAR em tudo o que qualquer governo faça. E sabe porquê? É tal qual a religião (seja a católica, seja outra qualquer): a ciência, novas tecnologias, mais modernização, mais liberdade, mais democracia, mais bem estar, mais protecção social, enfim, melhores condições sociais afastam iniciados, vazam os locais litúrgicos e germinam novas convicções.

A contradição principal em Portugal não está entre o Governo central e o poder local. Desde Abril 74 funciona cada vez melhor. Muitos presidentes de câmara (e outros autarcas)envergonham em saber e dedicação à causa pública muitas "estrelas" da política. A contradição principal, hoje, em Portugal, nem é a que opõe o capital ao salário. A contradição principal presentemente em Portugal é a que opõe a xulice política (alapada na esfera estatal) à sociedade civil.

Além de tudo o mais, o nosso país é historica e culturalmente A-REGIONAL. O PCP nas suas "52 perguntas" sobre a regionalização, dá como exemplo a Bélgica, "país mais pequeno que Portugal". Leia. Está na internet.

Compare. E verá como essa e outras das respostas que dá são demagogia e vigarice política.

E a regionalização é, afinal, uma estratégia para estoirar o país, a democracia e tomar de assalto o aparelho de estado (por uma parte da "classe" política que anda por aí ressabiada, e não pensa noutra coisa). Objectivamente, é!

É uma vergonha estarmos continuamente a comparar com os outros países.

Sugiro que releia o Capítulo dos "Maias" que se refere ao jantar no Hotel Central. Também lá, como agora, os desajustados, presos ao passado e a ideais balofos, vociferavam contra a nova ordem, imploravam por uma invasão espanhola, consideravam o país uma "choldra" e um "chiqueiro" e depois de uma cena de murros como numa taberna, lamentavam não lhes arranjarem um emprego numa secretaria do estado. Esta cultura ainda por aí anda.

Com respeito pelos regionalistas sinceros e honestos, o que se passa com a regionalização é, no essencial, o mesmo. Eles andam por aí... a tentar disfarçar que não estiveram no poder estes 34 anos, alguns até promovem colóquios para os convencerem. Dá dó tanta ignorância....
Anónimo disse…
Caro Templário,

Muito do que escreveu tem razão de ser e foi muito justamente comentado por si. No entanto, todos os Governos que tivemos e que temos poderiam ir muito mais além nos esforços a favor do desenvolvimento. Por outro lado, mesmo a Oposição, incluindo também a do PCP, tem-se enredado em mesquinhices que em nada abonam os esforços políticos realizados a favor do desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Se através da regionalização tivermos uma Nação diferente, mas para muito melhor, em termos de desenvolvimento equilibrado e sustentado, tanto melhor na sempre necessária e imprescindível unidade nacional e defesa da nossa cultura e das nossas tradições, as quais têm os seus mais acirrados defensores exactamente nas diferentes regiões naturais ou províncias que constituem o nosso território continental.
Tal nunca será possível com as "condições actuais de funcionamento" dos órgãos de soberania com funções legislativas, executivas e jurisdicionais. Nunca, mesmo e podem escrever o que quiserem e alinhar com os argumentos que entenderem.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)