Algarve, um zero à esquerda (II)

Sérgio Martins, algarvio, nexense
in semanário regional barlavento, 13.11.2008

“Algarve, um zero à esquerda”, foi o título do editorial do barlavento de 23-10-2008. Hélder Nunes teve a coragem de pôr o dedo na ferida numa temática escandalosa e injusta do nosso Algarve: as proibições na construção de habitações familiares, especialmente no barrocal e serra.Sou natural e infelizmente, contra a minha vontade e em resultado das más políticas para o barrocal e serra, residente flutuante de uma freguesia - Santa Bárbara de Nexe - que, mesmo estando apenas a 10km do aeroporto, da praia e da cidade de Faro, sofre com proibições absurdas.

Ao longo dos anos tenho visto os meus amigos partirem para as cidades e vilas de Faro, Olhão, S. Brás e Loulé. Querem continuar a viver na sua terra mas quando formam família não conseguem arranjar habitação na nossa freguesia e são obrigados a imigrar. E imigram para perto porque não querem, não conseguem, cortar totalmente as suas raízes. Mas não têm outra solução quando nem sequer lhes deixam construir uma pequena casa mesmo ao pé de uma estrada, de esgotos e água. Obviamente que se viesse um PIN deixariam construir 300 grandes vivendas em qualquer lado, até no bico dos cerros.Dizem que não podem deixar construir na pequena parcela, nem nas 20 ou 30 pequenas parcelas que seriam necessárias para estancar a sangria de jovens, porque o ambiente está em perigo e foram cometidos abusos nas agora inexistentes "razões ponderosas".De facto, foram cometidos abusos, mas em lugar de se agir sobre os prevaricadores e especialmente os engenheiros e arquitectos das Câmaras e outras entidades que foram coniventes com esses abusos, castiga-se o Zé Povinho.E o ambiente, que eu considero importante para o nosso desenvolvimento, está entregue a uns "ambientalistas" de ar condicionado da CCDR e do Ministério do Ambiente que tantas vezes nem sequer fazem a mínima ideia do que é o ambiente em Santa Bárbara de Nexe.

Eu, hoje, na casa dos meus pais, em Santa Bárbara de Nexe, vejo e oiço que, por exemplo, muitas das espécies de aves que via e ouvia há 25 anos atrás já praticamente desapareceram. Mas não foi por causa das razões ponderosas, das razões ponderosas abusadoras ou de vivendas que foram construídas por via da corrupção. Essas aves despareceram porque desapareceu o seu habitat da agricultura que lhes dava alimento.

Deixou de haver culturas de cereais, favas, ervilhas, xixos, batatas, de cujas sementes e restos se alimentavam. Deixou de haver terras lavradas que punham ao de cima bichos e bichinhos, etc., etc.. Nunca mais vi o "papa-figos" porque as figueiras foram deixadas ao abandono. Pouco já oiço "cucos" porque quase não existem outras aves. Curiosamente existe algum retorno de aves onde existem casas que têm jardins ou cujos donos lavram as terras envolventes por causa do medo dos incêndios. O ambiente está em perigo e muito dele está mesmo extinto, não por causa de esta ou aquela casa, mas por causa da desertificação e abandono das terras. Por isso, critico sempre quando invocam o ambiente para não deixar construir 20 ou 30 casas para os jovens da minha terra. E continuo, sempre, a intervir para mudar as tristes consequências das leis de mangas de alpaca. Insisto na ideia de que, se as leis mudaram e não deixam construir numa parcela, se apenas permitem alguma expansão dos núcleos urbanos rurais, a Câmara Municipal de Faro aprove regulamentações para que 20% dessa expansão seja reservada para habitação a custos controlados e social para os naturais da freguesia.

Caso contrário a habitação em Santa Bárbara de Nexe continuará inacessível aos naturais devido aos seus altos preços provocados pela procura de ingleses, alemães, belgas e holandeses e pelos afortunados citadinos que procuram uma segunda habitação no campo. Assim como persisto que esses 20% não sejam concentrados num só sítio, tipo gueto, mas que sejam, por exemplo, 2 em 10 na expansão dos Gorjões, 5 em 25 na expansão da Falfosa, 10 em 50 na expansão da aldeia, 10 em 50 na expansão de Bordeira.

Porque gosto da minha terra, porque gosto dos meus amigos, porque gosto da minha cultura, porque gosto do Algarve, porque a nossa região concentrada no litoral afunda-se.

Comentários

É curioso como o Algarve, à semelhança do resto país, também sofre e de que maneira, da litoralização e consequente abandono do interior.

Estou certo que, só com um novo modelo de administração do território, com base regional, é que podemos inverter esta situação.
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Parte-se da proibição absoluta (serra e barrocal) para a liberalização absoluta e escandalosa.
Implementar assim a regionalização, nem pensar. Primeiro, substituir os protagonistas políticas, para que se possa corrigir o que TEM de ser corrigido no litoral (algarvio ou qualquer outro) e não voltar a cometer os mesmos erros na serra ou no barrocal (algarvio ou de qualquer outra região).

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Caro pró-7RA. ninguém está a falar de "liberalização absoluta e escandalosa"
Anónimo disse…
Caro Anónimo disse das 12:01:00 PM,

Emtermos de construção, na futura Região Autónoma do Algarve, pelos escrito do Editor Sérgio, deste blogue, parte-se da proibição absoluta de construção (também, reconstrução?) na serra e no barrocal, para a liberalização absoluta no litoral e, observando o que se vai fazendo em alguns locais, só pode classificar-se de escandalosa e anárquica.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Em termos de construção nova (a tal), infelizmente, o problema não é só da futura Região Autónoma do Algarve.
sergio disse…
Caro pró-7RA,

Em lugar algum do meu artigo de opinião defende-se a liberalização da construção. Até porque sou ambientalista. Mas não sou ambientalista de gabinete!

Sou contra a liberalização da construção e sou contra a proibição absoluta. Penso que é fácil de perceber.
Anónimo disse…
Caro Sérgio Martins,

Provavelmente expliquei-me mal.
O que ESTÁ construído corresponde a uma liberalização quase total, enquanto na serra e no barrocal tem existido uma quase proibição. A regionalização tem que evitar tanto uma situação como outra e enveredar por políticas mais viradas para a reconstrução e a recuperação arquitéctónica do que para a construção nova.
Nem sequer pretendi que alguém fosse induzido verificar estas palavras que utilizei como inscritas no seu texto, porque na verdade fui eu próprio que as utilizei para caracterizar a experiência passada da construção quase sem controlo no litoral algarvio, sem constituir qualquer excepção mas como mais um caso entre muitos, mas um triste caso.
Por isso, classifiquei esta situação no litoral de uma quase liberalização e no interior de uma quase proibição que a regionalização terá de corrigir, inclusivamente os erros passados que pela sua gravidade estão à vista de todos.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)