Regionalizar?

Há quase um ano, em 17 de Fevereiro de 2008, publiquei em www.rostos.pt "Descentralizar ou Regionalizar?" relativo a uma problemática que volta a estar este ano na agenda política nacional.

“Não receeis que a descentralização seja a desagregação.”
Alexandre Herculano, “Carta aos eleitores do Círculo de Sintra”, 1858, Opúsculos
(citado por Luís Valente de Oliveira, “A Regionalização”, Edições Asa, 1996)

1976: a Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril, aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa, decorrente da Revolução de 25 de Abril de 1974, que “restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais” (Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa, Atlântica Editora – Coimbra, 1976).

A releitura da centena de páginas do texto, que adquiri em Maio de 1976 – que muitos anos passados amareleceram mas não empalideceram – recordou-me que o Capítulo IV do Título VIII da Parte III consagrou, nos seus artigos 256º a 263º, a Instituição das Regiões Administrativas no Continente.

1996: Luís Valente de Oliveira (LVO), Doutor em Engenharia pela Universidade do Porto, com uma pós-graduação em Planeamento do Desenvolvimento Regional no Institute of Social Studies de Haia e o grau de Master of Science em Planeamento de Transportes no Imperial College da Universidade de Londres, e à época Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, deu à estampa o livro Regionalização.

Além de prestigiado universitário, LVO fora Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, Ministro da Educação e Investigação Científica (Governo Mota Pinto, 1978/1979) e Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Governos Cavaco Silva, 1985/1995).

Em Abril de 1996 li Regionalização com interesse e atenção – “uma reflexão política” e não “um estudo académico” como o autor prudentemente escreveu logo nas primeiras linhas da Introdução.

Fiquei ainda mais sensibilizado para a importância da Regionalização Administrativa, solução defendida por LVO com clareza mas sem dogmatismos estéreis e pueris. Para LVO “nunca esteve em causa fazer no Continente uma regionalização política, conferindo às estruturas regionais poder legislativo ou mesmo somente regulamentador, se bem que limitado no seu campo de aplicação ao espaço regional”.

E acrescentava que “o que se tem em mente é, simplesmente, a criação no Continente, de regiões administrativas, com o objectivo de ajustar o melhor possível as soluções aos problemas que se põem, de promover o desenvolvimento das diversas parcelas do território continental e de estimular um maior envolvimento dos Cidadãos na formulação daquelas soluções e na condução das acções que fazem com que aquele desenvolvimento seja mais rápido e consistente”.

Convicto mas cauteloso, LVO não entendia a Regionalização como uma “moda” ou uma “panaceia”. Preconizava-a fundamentalmente como “instrumento do desenvolvimento”. Que deveria ser feita de forma “gradativa” e singular (sem imitação de qualquer outra experiência ou modelo externos). E realizada pelos melhores protagonistas. Confesso que me senti particularmente atraído pela visão e concepção de LVO. Posso mesmo dizer, que ele me conquistou para a “sua” causa.

1997: a Revisão Constitucional concretizada nesse ano determinou que a formação de Regiões Administrativas só pudesse ser feita através de aprovação em Referendo.

O Governo de António Guterres tentou estabelecer oito regiões administrativas eleitas em Portugal Continental – Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Interior, Beira Litoral, Estremadura e Ribatejo, Região de Lisboa e Setúbal, Alentejo e Algarve.

Este mapa de oito regiões foi depois oficializado pelo Decreto-Lei 18/98 e resultou inicialmente de um acordo entre o PS e o PCP, realizado em Julho de 1997.

Na tentativa de viabilizar a Regionalização, foi estabelecido um compromisso entre as duas divisões propostas: o PCP aceitou uma única região Entre Douro e Minho e o PS desistiu da divisão Alto/Baixo Alentejo.

Permaneci por essa altura fiel a uma vontade afirmativa de apoio ao processo em curso. Mas com uma objecção concreta, de natureza não conceptual: julgava mais adequada uma formatação de cinco Regiões – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve), correspondente às cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

1998: amadureci entretanto a reflexão. Ponderei os prós e contras da minha anterior pulsão regionalista. E entendi que não estavam criadas condições para contribuir com o meu voto para a concretização da Regionalização Administrativa de Portugal. Mudara de opinião. Conscientemente.

A 8 de Novembro, apenas cerca de 48% dos Portugueses inscritos nos cadernos eleitorais compareceu no Referendo Nacional. A derrota estrondosa do “Sim” com apenas cerca de 35% dos votos expressos testemunhou claramente o receio da mudança proposta.

2007: em 7 de Setembro, no âmbito da Reunião Extraordinária do Comité das Regiões (CR) que decorreu no Algarve, Nunes Correia, Ministro do Ambiente, admitiu que “o Governo assume levar a Regionalização a novo referendo na próxima legislatura”.

Observou que no actual mandato o Governo está a “preparar todo o processo”, que passa por “consolidar o mapa das regiões (cinco regiões plano) e reestruturar os serviços da Administração Pública”, salientando que será sempre “necessário reunir consenso político alargado”.

Nunes Correia admitiu que a Regionalização “é um processo essencial para o reforço da competitividade e da própria democracia” e que na próxima legislatura, se o Governo se mantiver, “vai ter lugar em Portugal o processo da Regionalização”.

Michel Delebarre, responsável máximo do CR, disse no referido fórum que “estamos perante a globalização e o desafio da concorrência, e só os países regionalizados terão condições para competir”. E acrescentou que nos dias de hoje a Regionalização “é incontornável” e que “todos os países que ainda não o fizeram terão de o fazer nos próximos anos”.

2008: é possível que Michel Delabarre, Nunes Correia e José Sócrates tenham razão. E que passada uma década, as condições objectivas sejam agora diferentes, os protagonistas e defensores da Regionalização mais responsáveis e credíveis, e os Portugueses se mostrem mais disponíveis para a mudança.

É necessário que a Regionalização seja analisada e discutida. E referendada. Então, o Povo dirá de sua justiça, uma vez mais…

PAULO CALHAU

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas, Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Relativamente ao texto deste "post", é bastante o comentário ao texto do "post" posterior a este, com todo o seu argumentário e e de todos os comentários anteriores.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Sabe-se que custará muito mais (o que será muito lamentável para quem sempre afirma, mas que também limita as decisões políticas, que o nosso País é um País pobre de recursos, o que não é verdade apenas pelo que se vai sabendo) e levará muito mais tempo (o que é politicamente condenável) mas haveremos de chegar às 7 Regiões Autónomas, com base na delimitação das 11 Províncias, Regiões Históricas ou Naturais e os critérios estatíscos e administrativos abandonados às urtigas, definitivamente.