A modernização da democracia

|Barlavento|

Helder Nunes

A política portuguesa está prenhe de cabeças cheias de nada. Gostam os políticos de falar em democracia e igualdade, apenas e só para referir estes dois léxicos tão caros aos que povoam as cadeiras do poder.

José Sócrates, no discurso de encerramento do Congresso Nacional que o consagrou, tipo gala do melhor marcador do mundo, fez questão de mencionar que «aos próximos mandatos autárquicos se aplicará a nova regra legal da limitação dos mandatos de cargos políticos executivos.

É uma boa regra republicana, que evita a eternização no poder e favorece a renovação política». Perfeito. Só faltou acrescentar que tal princípio de renovação só se aplica ao Presidente da República. E os deputados?

Aprovaram uma lei para os outros e esqueceram-se de limitar, também, os seus mandatos. Ou a renovação política não se deve aplicar aos membros da Assembleia da República? Ou será que a Assembleia não é um órgão republicano? Ou será monárquico? Ou outra coisa qualquer? Há uns que merecem mais do que outros!

Disse mais o secretário-geral dos socialistas: «a redução das desigualdades e a promoção da igualdade de oportunidades são o objectivo principal do Partido Socialista e a linha de força da sua acção política». Eis-nos perante mais um enunciado que é questionável.

Em termos políticos, como se sabe, existem portugueses de primeira, isto é, os que se podem candidatar a deputados da Nação numa lista de um partido político, e os outros, aqueles que, se não desejarem alinhar com as forças partidárias, não têm direito a candidatar-se. Podemos falar em igualdade? Ou isto não será uma das mais gritantes desigualdades da democracia musculada que temos em Portugal?

Porque não evoluir para os círculos uninominais e dar oportunidades aos cidadãos com direito a se candidatarem e a se puderem apresentar como deputados da Nação? A resposta pode ser simples e linear – no sistema corporativo dos partidos portugueses isto não encaixa, porque corriam o risco de se esvaziar perante candidaturas independentes.

Os mais ferrenhos adeptos do partidarismo defendem que houve uma abertura às candidaturas independentes para as Câmaras e as alterações foram muito poucas. É verdade, mas para se falar verdade, é preciso entender com que teias se constrói o poder local há 30 anos.

Mas, nas Juntas de Freguesia, o caso até muda de figura. A modernização da democracia tem que passar por uma maior abertura à participação dos cidadãos. A abstenção nos actos eleitorais é fruto deste divórcio. Se sondarmos o eleitorado algarvio e lhe perguntarmos quem são os seus representantes na Assembleia da República, os partidos acham que as pessoas são capazes de o dizer?

Para já não falarmos que os eleitores não votam em pessoas, mas nas siglas partidárias. José Sócrates, que mostra coragem reformadora, porque o faz só a nível social e não no político?

Queremos acreditar nas palavras de José Sócrates quando afirma que a «nossa orientação política é mais descentralização, com reforço do poder local e do associativismo intermunicipal. E, é também a construção de um consenso político e social alargado, que finalmente permita concretizar a regionalização, ao serviço da coesão e do desenvolvimento regional do nosso país».

Fazer depender a regionalização do referendo, por exigência constitucional, obriga a definir claramente, antes dele se realizar, qual o critério de proporcionalidade que deve ser adoptado. A questão é política e os partidos, se desejam a regionalização, devem envolver-se nesta disputa de critérios.

O que vai contar são os votos expressos, e a partir dessa relação, estipula-se a regra de 50 por cento mais um ou fazem-se as contas aos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais, onde constam alguns que já faleceram ou estão em paradeiro desconhecido, para obter essa proporcionalidade?

É importante perceber, mais uma vez, que a eleição dos deputados não tem em conta o número de eleitores inscritos, mas apenas os votos favoráveis e contra. Esta regra, se os políticos e os partidos pretendem, com honestidade, tornar a regionalização uma realidade administrativa em Portugal, deve prevalecer.

Os cidadãos que intervêm no processo são os que pretendem dizer sim ou não, os outros, os que ficam em casa, tanto se lhes dá que haja ou não regionalização. A verificar-se esta última regra, acaba por prevalecer a desigualdade e a qualidade da democracia fica mais pobre.

Não podemos admitir, em democracia e liberdade, que a abstenção dos cidadãos seja mais importante do que o voto daqueles que se deslocam às urnas. Aperfeiçoar a democracia com valores equitativos deveria ser o objectivo dos partidos responsáveis. Mas haverá responsabilidade depois de assistirmos a tantos atropelos à nossa democracia? E há honestidade política? E a igualdade de oportunidades políticas?
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

"Os políticos e as fraldas devem ser mudados com frequência e sempre pela mesma razão", frase atribuida ao Escritor Eça de Queirós.
Quando a política desanda para o espectáculo ou quando se acantona no isolamento espacial do Mundo, as consequências nunca podrão ser as melhores. No primeiro caso por impreparação política e cultural para o cargo, no segundo por um egocentrismo egoista e antidemocrático, ambos sem qualquer perspectiva política moldada pela estratégia a favor do desenvolvimento.
É incompreensível como os políticos actualmente no poder ou que se perfilam para tal não tenham preocupações de estadistas para propor a apresentar propostas políticas capazes de nos fazer avançar qualitativamente no desenvolvimento, onde o crescimento económico fosse o pilar material e o desenvolvimento qualitativo, em todas as vertentes, constituisse o alicerce de uma nova vivência em sociedade.
Vivência que nunca poderá ser traída pelos diferentes aperfeiçoamentos que caracterizam a melhoria da qualidade de vida das populações e complementem o bem-estar material. Estas exigência de desenvolvimento apresentam-se totalmente incompatíveis com as propostas habitualmente viabilizadas pelos que já habituei a designar como políticos-de-turno e cuja imaginação não consegue ultrapassar as vulgares teses de Lineu, repetidas, vulgares, amorfas, utilitaristas (no pior sentido), facilitistas e rudimentares.
A continuar a política do nosso País com tais características "funcionais" não seremos capazes de implementar nada de novo na direcção do desenvolvimento, nem de preparar as gerações futuras para as crescentes exigências de desenvolvimento da nossa sociedade, agora de natureza mais qualitativa que nunca.
É pena, triste e lamentável, muito lamentável e, nestas condições, nem valerá a pena "falar" sobre a regionalização, mesmo administrativa quanto mais autonómica.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)


PS - Nã pensem os inimigos da regionalização que este texto corresponde a um baixar de braços, mesmo que os frequentadores deste blogue, pelo menos, nem sequer revelem interesse por propostas que aqui são apresentadas, mesmo de natureza mais concreta.
Convençam-se que será tudo ao contrário.