Delimitação Regional (3)

As regiões deveriam ser construídas de baixo para cima, a partir dos municípios e das populações.Este facto nunca foi inteiramente entendido por alguns.

Partiu-se do princípio de que a própria eficácia e racionalidade técnica de uma delimitação regional não dependem tanto de critérios de racionalidade abstracta mas sim de, no concreto, não terem contra elas a vontade das populações.

A Constituição garantia, como vimos, até à última revisão constitucional, uma resposta que permitia evitar a sua definição centralizada, apostando antes numa definição «de baixo para cima», com base no papel dos municípios também neste domínio.

Recorde-se que a Assembleia da República não aprovaria mais do que áreas de partida. Aprovadas essas áreas, a Constituição previa que as assembleias municipais poderiam pronunciar-se no sentido de clarificar em que região administrativa pretende o município situar-se, se quer a fusão ou cisão de regiões, etc.

De qualquer modo, a região só seria instituída se a maioria das assembleias municipais, que representassem a maioria da população, se pronunciarem favoravelmente.

Por isso, o facto politicamente marcante em matéria de regionalização ao longo dos anos não foi o problema das áreas regionais que deveria ser definido num quadro flexível e aberto. Foi este facto que explicou que em iniciativas como o Congresso sobre o Alentejo, realizado no dia 6 de Maio de 1996, o factor politicamente mais marcante não tenha sido o debate acerca da área ou áreas do Alentejo (ao contrário do que noticiou boa parte da comunicação social), mas sim a existência de uma vontade firme e praticamente unânime de regionalizar.

O mesmo se verificou, aliás, em muitas outras iniciativas e debates sobre as regiões administrativas. Compreende-se: definida a vontade e as razões para regionalizar, o resto deveria ser paulatinamente construído «de baixo para cima» pêlos municípios e a participação popular, com a intervenção da comunidade científica. A esta deve sempre caber um papel essencial. O saber e a investigação acumulados têm que ser tidos em conta.

Mas a definição essencial de áreas de pessoas colectivas territoriais, com órgãos electivos, não pode ser técnica ou cientifica, embora esta contribuição tenha que existir. Tem que ser essencialmente política e assentar na mais larga participação popular.

Não existe uma dimensão ideal técnica ou cientificamente determinável para uma região, tal como não existe para um município ou um país, que possa ser sempre sustentável em democracia perante as populações.

De resto, é evidente que os critérios científicos sempre levaram os cientistas a soluções distintas. Mesmo regiões como o Algarve, consensuais entre os próprios cientistas, nem sempre tiveram os limites actuais e poderiam não ser «cientificamente aconselháveis» à luz de alguns critérios.

Recorde-se, por exemplo, que não existia uma região do Algarve mas sim uma região sul quando foram criadas as regiões-plano por Marcelo Caetano em 1969; não custa admitir que, em abstracto, o Algarve fosse tido como não tendo a dimensão mínima ideal.

Mas também é evidente, sobretudo em democracia, que é politicamente insustentável a sua inexistência...

Daí que não se devam ignorar os critérios de «racionalidade territorial», que têm que ser relevantes, mas vistos num enquadramento mais vasto, que pode levar à prevalência de outras perspectivas, igualmente com a sua lógica e racionalidade próprias. Tudo sem esquecer que estamos no domínio da «arte do possível» e não num contexto autoritário, em que se optasse por estabelecer o elenco das regiões e a sua delimitação no gabinete.

Por isso, e independentemente das lutas pelo «poder de divisão» entre cientistas de que nos fala Bourdieu, num processo como o português tem que se determinar a resolução de problemas deste tipo essencialmente com o diálogo e participação de todas as partes interessadas, com destaque para as populações e os seus representantes nos órgãos autárquicos.

Luis Sá - As Regiões Administrativas

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