O Norte de Portugal e a Galiza


Bons vizinhos


Vivi a minha adolescência num ambiente arraiano. Na vila de Montalegre, primeiro, na cidade de Chaves, depois, e guardo desses tempos, entre muitas outras memórias, o sabor agridoce que tinham as “saltadas” à Galiza. Já então, como hoje, tinha por certo que a minha pátria é o lugar onde vivo e onde vivem os meus vizinhos.

Dessa época recordo uma questão para a qual nunca obtive resposta satisfatória: Que crime, ou crimes, terão cometido os povos arraianos do Norte de Portugal e da Galiza – hoje acrescento Leão e Castela, por razões afectivas, e todos os demais povos arraianos de Portugal e de Espanha – para que hajam sido condenados a viver costas com costas?

Nos dias do agora, décadas depois, a realidade mudou. E mudou muito. A cooperação transfronteiriça “saiu do armário” e está aí, na praça, à luz do Pelourinho que enrubesce as ventas dos “velhos do Restelo”. Para felicidade de todos nós, os arraianos. O projecto “Eurocidade Chaves-Verín” é um excelente exemplo disso. Projecto arrojado, apaziguador, escancara as cancelas, todas as cancelas, para que vizinhos desavindos – convenhamos, desavindos os políticos da reinação e não o povo, os vizinhos – possam colaborar, dar e receber, partilhar, usufruir dos recursos e equipamentos de um e outro lado da fronteira.

Entre a cidade de Chaves e a cidade de Verín está a ser rasgada uma avenida. Uma avenida de cidadania. Atrevamo-nos a caminhá-la. Quem não tem curiosidade, e necessidade, de se dar à conversa com o vizinho do lado?

A Direcção Regional de Cultura do Norte vem, com admirável pertinácia, abrindo caminhos modernos, inovadores, que nos hão-de levar até lá – ao fundo do poço que somos. Um poço comunitário que serve os vizinhos. O programa “Cooperação Transfronteiriça Espanha – Portugal” é um desses caminhos. Enraizado nos dois lados da fronteira – fronteira que já não é mais do que uma penumbra imaginária –, este programa tem duas pernas para andar:

- Indústrias Culturais (Creativa) – projecto que visa empurrar para a boca de cena, seja lá isso o que for, a indústria cultural do Norte de Portugal e da Galiza. Esta parceria de vizinhos prevê a criação na cidade de Vigo de um Centro de Recursos e Apoio que irá promover a circulação de bens e serviços culturais entre a vizinhança. Mão na mão, fora do armário, como gente que sabe que o caminho se faz caminhando;

- Terras de Fronteira e Vale do Douro – projecto que, tarde é o que nunca chega e o que chega nunca é tarde, visa a disponibilização ao público, em condições adequadas, dos monumentos da região de Trás-os-Montes e Alto Douro que estão sob gestão da Direcção Regional da Cultura do Norte: Igreja Matriz de Torre de Moncorvo, Igreja Matriz de Freixo de Espada-à-Cinta, Sé de Miranda do Douro, Castelo Velho de Freixo de Numão, Vila Amuralhada de Ansiães, Castelo de Mogadouro, Castelo de Penas Róias, Castelo de Algoso, Castelo de Miranda do Douro e Domus Municipalis de Bragança.

O Norte de Portugal e a Galiza – libertos das fronteiras artificiais a que Lisboa e Madrid os agrilhoaram em tempos de outrora – vêm-se dando à cavaqueira, cada qual com o seu timbre de voz, como vizinhos que são. Bons vizinhos.

|Diário de Trás-os-Montes|

Comentários

Rui Farinas disse…
Tenho muitas dúvidas no alcance prático de um diálogo entre uma região com larga autonomia administrativa e funcionários nomeados por Lisboa e a quem devem obediencia hierárquica.Se funcionar,tanto melhor.
Caro Rui,

O grande problema que nós temos com a administração do território é que neste país qualquer coisa, por pequena que seja, que extravase o âmbito estritamente local (municipal) tem, no imediato, que ter a intervenção do estado Central.

Por motivos sobejamente conhecidos, as lógicas governativas intermunicipais, praticamente, não funcionam e como também não existe aquele poder democrático intermédio que seja simultaneamente supra municipal e infra estadual, tudo isto faz com que o estado central seja omnipresente.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Montalegre, Chaves, Castro Laboreiro, simpatiquísimas localidades