Regionalização: Sim! ou não?...

Na passada quinta-feira, tive oportunidade de assistir à última das oito sessões do Ciclo de Conferências sob regionalização, organizada pela Câmara Municipal do Porto.

Esta última conferência de título “A regionalização, sim!”, teve como oradores, Arlindo Cunha, Luís Valente de Oliveira e Mário Rui Silva, sendo todos eles, como o próprio título da sessão indica apoiantes incondicionais do (eventual) processo de regionalização.

Como já aqui referi antes e, independentemente da opinião que tenho acerca do tema, o processo de regionalização está previsto na nossa constituição (art. 256º), sendo por isso correcto falar, como aliás já muitos o fizeram, da existência no nosso país de uma “inconstitucionalidade por omissão”.

Ao longo das oitos sessões muitos argumentos foram apresentados a favor da regionalização, uma parte deles demagógicos, a maioria falaciosos, quatro ou cinco realmente defensáveis, dotados de uma lógica racional e política e quase que diria, de certo modo definitivos.

Por falta de tempo, darei apenas um exemplo do que considero ser o tipo de argumento falacioso (um dos mais frequentes) apresentado pelos defensores da regionalização.

Passo a citar: “Basta olhar para o agravamento das assimetrias internas e o fraco crescimento económico registado pelo nosso país, para concluir que o resultado do “não à regionalização” do referendo de 1998 foi a pior opção para o país!”.

Esse tipo de falácia é muito comum (demasiado comum na nossa praça pública) e recebe o nome em latim, de "post hoc ergo propter hoc", o que significa "após isso, então por causa disso". O facto de dois eventos ocorrerem um após o outro, não significa necessariamente que exista uma relação de causa-efeito! Escuso-me de dar exemplos…

Também entre os que se manifestam contra a regionalização tem revelado especial atracção o argumento de que a actual crise a desaconselha. Muito bem; partindo do pressuposto que tal posição tem alguma razão de ser, por que razão não se definem como adversários da regionalização no contexto actual, mas sim como adversários da regionalização em si mesma?

Gostaria agora de abordar e, para não me alongar demasiado, dois dos argumentos avançados por Luís Valente de Oliveira na passada quinta-feira. Ao contrário de outro tipo de argumentos, creio que os apresentados por Valente de Oliveira se distinguiram da quase totalidade dos restantes convidados nestas oito sessões. Trata-se de argumentos políticos, que me parece dever ser o ponto à volta do qual esta questão deve ser discutida. Entre outras vantagens da regionalização, Valente de Oliveira mencionou as seguintes:

  1. Fomento de uma nova classe política: a existência de cargos políticos a um nível que não o central poderá com grande probabilidade ajudar a criar uma nova classe política de cidadãos com vontade de desempenhar um papel politicamente activo e que teriam hipóteses de o fazer a um nível regional.

    Actualmente as possibilidades que existem para este conjunto de indivíduos com capacidade e vontade de intervir politicamente são essencialmente duas: ou ao nível central, onde provavelmente se diluirão no emaranhado de funções meramente burocráticas que lhes caberia com elevado grau de certeza desempenhar, ou ao nível autárquico, onde o conjunto de competências, liberdade de acção e capacidade de “fazer obra” seria substancialmente menor do que o que teria numa hipotética região administrativa.

    Também as responsabilidades seriam maiores e daí a necessidade de criação de regras de accountability muito rigorosas, o que poderia levar à necessidade, por exemplo, de algum grau de descentralização do Tribunal de Contas.

  2. Existência de heterogeneidades elevadas no nosso país: aquilo que alguns apontam como motivo para não realização do processo de regionalização, Valente de Oliveira considera precisamente como razão para a levar a cabo.

    E parece-me que estará certo; para diferentes graus de desenvolvimento, diferentes actores políticos que possuam a necessidade proximidade (sim, também física) das situações com as quais têm de lidar.

por João Pedro Neto

Comentários

Anónimo disse…
O Eng. Valente de Oliveira tem razão. Por esses motivos e por outros a regionalização faz sentido.
Mas, como gato escaldado tem medo de água fria, é necessário assegurar que a Regionalização não vai empobrecer o país com a delapidação dos dinheiros dos contribuintes.
Fácil de justificar por ser uma coisa boa e nova, progressista.
Antes é preciso garantir quanto custa e de onde vem o dinheiro.

Sugestão: redução do número de deputados, governantes e "máquina governamental", eliminar 50% dos actuais vereadores nos municípios, reduzir as assembleias municipais e de freguesia.

Legislar sobre a Regionalização com a cabeça e não com os pés, como foi feito no estatuto dos Açores, algumas leis na área da justiça e no código do trabalho.

Eu sei que é difícil, principalmente para quem se habituou a comer "de borla"...

Mas é possível e muito desejável.
Caro Anónimo,

Genericamente partilho esta sua opinião. Todavia, não é pelas membros das Assembleias de Freguesia (recebem normalmente 4 senhas de presença ao ano - € 16 cada) nem pelos vereadores das Câmaras (grande parte deles sem pelouros e portanto sem remunerações) que advêm grandes problemas orçamentais. O maior problema está nos inúmeros lugares de nomeação da Administração central (+ 10.000 muito bem pagos), nos Institutos Públicos, nas Direcções Regionais etc.

Cumprimentos,
zangado disse…
Exactamente!É nos deputados, acessores, gestores e inúmeros funcionários da Administração Central(dos Directores-Gerais, secretárias, contínuos, motoristas e muitos outros), das organizações ligadas ao Estado e que dirigem a vida do país e das grandes empresas ditas nacionais que se deve cortar, pois têm sido sempre um cancro que corrói os recursos nacionais. Também deixar de querer construir grandes obras faraónicas, como actualmente se fala no aeroporto de Alcochete, 3 linhas de TGV, uma 3.ª auto-estrada entre Lisboa e o Porto, uma nova e caríssima ponte em Lisboa e por aí fora.
Se os governantes puserem na ordem muitas das grandes empresas com capitais do Estado e evitarem pagamentos escandalosos a gestores, muitas vezes ineptos, haverá o dinheiro necessário. Só que, para isso, muitos políticos, seus parentes e amigos perderão o emprego, arranjado graças ao cartão ou amizade partidária.E, claro, essa gente não quer perder o "emprego" que tanto se esforçaram por obter e resistirão, o mais que puderem, à regionalização.
Cumprimentos
É evidente que os grandes problemas financeiros do Estado Português, e consequente endividamento são gerados, esmagadoramente, pela Administração Central e tudo que lhe está associado como, as suas empresas públicas, os seus institutos públicos as suas múltiplas direcções e sub-direcções regionais, CCDRs etc.

Para se ter uma ideia da desproporção de recursos públicos e da maneira como são administrados, a dívida total das autarquias portuguesas é inferior à dívida de apenas duas empresas públicas - CP e REFER.

Cumprimentos,