Refexões: "norte" ou desnorte?

(excertos do segundo comentário ao artigo "Regionalização com órgãos de governo distritais ?")

Quanto às NUT III, nalguns casos as pessoas se identificam com elas, noutros não se identificam. Mas sempre são divisões menos más do que as NUT II. As NUT II são o maior disparate em termos administrativos que já se fez em Portugal. São regiões para a Europa ver. Mais nada. Por exemplo: comparemos Famalicão com Santo Tirso, Barcelos ou Guimarães. Diferenças? Poucas. Faz sentido dividir? Não. Agora comparemos Famalicão com Mirandela ou Bragança. Diferenças? Muitíssimas. Faz sentido dividir? Faz todo o sentido!

O ideal seria uma regionalização com base no mapa das 13 províncias tradicionais. Porém, seriam regiões a mais para o nosso país, para além de algumas regiões serem tão parecidas entre si que nem faz sentido separá-las. Por isso proponho o mapa de 7 regiões, que vai neste sentido.

Mas vamos à questão da zona norte de Portugal.

Em primeiro lugar, quanto à questão da identidade "norte": asseguro que ninguém em Vila Real, Braga, Bragança ou Chaves lhe diz que é do "norte". O "norte" foi uma invenção administrativa. Embora, na teoria, o "norte" seja superior às províncias que o englobam, na prática isso será impossível. Na região do Porto e no seu torno (Douro Litoral) há de facto um cimento em torno da palavra "norte". Mas daí para fora isso não existe. Antes pelo contrário: há um enorme repúdio por esse "norte", porque as pessoas o interpretam (e têm a sua razão) como uma tentativa do Porto de instrumentalizar todo o espaço "zona norte". Quanto a Trás-os-Montes, vejo uma enorme união em torno dessa região, e um enorme consenso, de Vila Real a Miranda do Douro, de Mirandela a Chaves. Muito mais que na Beira Interior ou no Entre-Douro e Minho. Acredite que o "cimento" que une os transmontanos à palavra "Trás-os-Montes" é exponencialmente maior do que o que os une em torno da palavra "norte".

Tenho para mim que a chave da Regionalização está no Porto. E que a Regionalização só avançará quando o Porto (e quando falo no Porto não falo nos portuenses, mas sim na "elite" portuense, que, infelizmente, cada vez mais está a perder a identidade que a caracterizava para passar a ser uma cópia barata da "elite" lisboeta, com as mesmas manias de falsa superioridade) deixar de ser teimoso e egocêntrico. Este tipo de elites não quer uma Regionalização qualquer. Não quer uma Regionalização para o País. Quer uma Regionalização que sirva os interesses do Porto o que, é claro, passa pela instalação de um "norte", e provavelmente pela reclamação de uma capital dessa região para o Porto. Muitos destes de quem falo, que agora são ultra-regionalistas (ou dizem ser, eu acho que eles sabem é defender muito bem os seus interesses), votaram Não em 1998. Os portuenses, os verdadeiros portuenses, não são assim. E é por isso que o Sim ganhou no Porto e arredores em 1998. Foi com o voto do comum portuense, e não das elites.

Os "opinion makers" e todos estes que se intitulam como figuras-de-proa do Porto têm de perder esta arrogância (ainda noutro dia, num debate sobre Regionalização no Porto Canal ela ficou bem vincada), sob pena de não haver Regionalização para ninguém. É que não estou a ver o Minho (onde vivem cerca de 1,5 milhões de pessoas) ou Trás-os-Montes (onde vivem cerca de 400 mil pessoas) a aceitar este mapa profundamente injusto, que procura apenas engordar algumas cidades, deixando outras quase na mesma, com regiões heterogéneas, onde os territórios interiores ficarão a pedir esmola ao litoral.

Este "norte" é um desnorte para a Regionalização. Assim vai ser difícil.

Afonso Miguel

Comentários

Anónimo disse…
Caro Afonso Miguel,

A chave da regionalização jamais estará centrada no Porto e muito menos nas personalidades portuenses que historicamente têm estado ligadas áquilo a que chamam regionalização.
Por ter nascido, crescido, educado, estudado e trabalhado cá nesta fabulosa cidade, verifica-se que não existem personalidades políticas ou outras (apesar de algumas e muito honrosas excepções) à altura da sua dimensão humana, cultural e política e, comportando-se como tal, melhor e mal se assemelham ao comportamento político das personalidades investidas de funções no governo central.
A probabilidade de imitarem estas últimas é muito elevada no quadro da tipologia de regionalização que nos querem impingir; e impingir é o termo, no "timing" e na sua contextura política, uma vez que o administrativismo vai funcionar como que uma espécie de favor do centralismo aos pseudo-regionalistas da nossa praça, relativamente ao qual teremos de agradecer "ad eternum", como nos tempos da velha senhora. Mesmo ao nível da solução administrrativa de regionalização, com ou sem referendo, os tempos políticos que se aproximam não vão ser nada fáceis para quem propugna uma solução estrututada e estrutural para concretizar a regionalização autonómica, formda por 7 Regiões Autónomas no território continental, a partir das 11 Províncias, Regiões Históricas ou Regiões Naturais, com delimitações territoriais um pouco diferentes das dos mapas aqui repetidamente apresentados.
É escandaloso como o utilitarismo se apoderou das opções políticas inseridas na governação da nossa sociedade, sem qualquer preocupação de obedecer às exigências mais que patrióticas de altos desígnios nacionais que políticos mais responsáveis não manifestam nem têm manifestado qualquer interesse em enunciar e eleger como o essencial político estruturado e estruturante a prosseguir no sentido do desenvolvimento equilibrado, autosustentado e competitivo.
É politicamente inconcebível e lamentável; para não destoar do nosso passado, remoto e próximo, será mais uma oportunidade perdida, mas tenho a certeza que vai ser a ÚLTIMA.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
hfrsantos disse…
Os nossos politicos teem uma visao curta. Veem o que os franceses estao a fazer e imitam-nos.

A Regionalizaçao portuguesa sera uma regionalizaçao afrancesada por culpa da nossa elite afrancesada que estudou na SOBORNE em Paris nos tempos da ditadura e também de outros movimentos organizados mais obscuros onde esta elite é chefe da economia e da politica.

A politica portuguesa é uma sombra da politica francesa.
Quando o Presidente da Republica destituiu o Governo em funçoes em 2005, tinha acontecido o mesmo em França.

Se quiserem saber o proximo capitulo da politica portuguesa sigam a novela politica francesa.
templario disse…
Caro Afonso Miguel,

Como eu concordo consigo em tantas coisas que escreveu!...

Está a ver..., está a ver como esta coisa da regionalização em Portugal não é pêra doce.

O melhor é não fazê-la, porque as divergências no chamado "norte" também existem cá por baixo, no Alentejo, entre Leiria e o Tejo, entre o Algarve e Alentejo. No fundo, no fundo, a sua identidade é uma e mais nenhuma: são portugueses.

Nós temos 3 grandes regiões e desde sempre tiveram como referência divisória dois grandes rios: O Douro e o Tejo (Além Douro, Alem-Tejo e entre eles fica o Centro).

Eu até costumo dizer: sou ali do Centro do País, Tomar. Os de Abrantes usam dizer: é pá, não sabes onde fica? Para ires para Abrantes deixas Tomar atrás.
Olhe que estou a mangar...

Eu só aceitaria a regionalização se alguma delas roubasse o Benfica a Lisboa e o pusesse a jogar bem, bastava só jogar bem.

Lembre-se só disto: Lisboa é o "Lugar Central" que vai até Setúbal, até Torres Novas, quiça até à minha terra natal, Tomar.

Cumprimentos
templario disse…
Caro pro-7RA,

"É escandaloso como o utilitarismo se apoderou das opções políticas inseridas na governação da nossa sociedade.........".

Concordo inteiramente com a parte final do seu comentário.

Cumprimentos.
Caro templario:

Discordo plenamente do modo como usou este artigo. Se as elites do Porto estão a fazer um mau trabalho, ao tentar apoderar-se do Minho e de Trás-os-Montes num esforço neocentralizador, então que dizer de Lisboa? Sim, de Lisboa, em que, para além das elites, há um núcleo político e social que desde há séculos atrofia o nosso desenvolvimento? Este centralismo, completamente amorfo, serviu-se do resto do país durante séculos e séculos como quis, sobrecarregando o resto do país com impostos, obrigações e tarifas, quase confiscando o que o País produz para usar em proveito de Lisboa, sobre o pretexto da "capital". Com tanto centralismo, muito têm feito o Porto e as nossas cidades médias, nomeadamente Braga e Coimbra, por se impôr a nível nacional. Porque, por vontade de Lisboa, as outras cidades e regiões do país, eram paisagem. O país trabalha, Lisboa consome. Hoje como sempre. Quando, após o 25 de Abril, houve esperança de um país mais justo e igualdade para todos os quadrantes geográficos, com o fim da "Capital do Império", e quando já estavam mesmo delineadas as 7 regiões, consensuais, em que Portugal se deveria dividir (semelhantes às que agora proponho), eis que o centralismo lisboeta entra em acção, cria entraves à Regionalização, faz um novo esforço de centralização e, com a adesão à CEE, em vez de se reforçarem os espaços de interligação com a Europa (eixos Entre-Douro e Minho-Galiza, Trás-os-Montes-Beira Interior-Castilla y León, Alentejo-Extremadura e Algarve-Andaluzia), se insiste em chover no molhado. Lisboa torna-se o centro gestor dos fundos comunitários, aproveita-se do dinheiro que estava destinado a todo o país, e aproveita-se desse dinheiro para proveito próprio, reforçando o centralismo. Resultado: se em 1986 todo o país precisava de investimento, e todo o país foi contemplado com o fundo de coesão, em 2009 apenas a Área Metropolitana de Lisboa, o Algarve (que soube governar-se por si só, graças ao "milagre" do turismo), e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores (PRECISAMENTE DEVIDO À SUA AUTONOMIA, foram as únicas regiões a quem os fundos foram directamente entregues, e um governo com conhecimento de causa, eleito e julgado a nível regional, teve autonomia para aplicar o dinheiro no desenvolvimento real da região a que se destinava), atingiram os objectivos mínimos de coesão territorial no seio da UE.
Lisboa não é o lugar central de nada, de lugar algum. Lugar central de Portugal é Vila de Rei, onde, no século XIX, os políticos da Regeneração pensaram em construir uma nova capital nacional (projecto abortado pelos interesses já então concentrados em Lisboa). No contexto nacional, Coimbra, por exemplo, é tão ou mais central do que em Lisboa.
A capital foi para Lisboa, na época medieval, porque Portugal precisava de se expandir, de se abrir ao mar, e Coimbra não tinha, manifestamente, condições para ser o centro mercantil do país. Ficou com a Universidade, tornou-se pólo de referência cultural para Portugal e para a Europa. A capital só se manteve em Lisboa por tantos anos devido ao secular clientelismo e à rede de favores que tornaram o Terreiro do Paço um verdadeiro antro de corrupção e de jogos sujos pelo poder, aos quais, nós, portugueses, temos assistido diariamente (já no século XIX, com o declínio do império, se pensava em tirar a capital de Lisboa precisamente devido à clientela política que se instalara junto da Corte e do Governo, e que estava, e está, a dar cabo do país). Nenhum lugar em toda a Europa concentra, ainda por cima há tanto tempo, tanto poder por metro quadrado como o Terreiro do Paço. Assim, não é por acaso que Portugal está, cronicamente, na linha da frente da corrupção e da tão portuguesa "cunha". Isto faz mal a Portugal: faz mal ao Porto, a Coimbra, a Évora, a Bragança, a Tomar, a Vilar Formoso, a todo o lado. E também faz muito mal a Lisboa. Principalmente faz muito mal a Lisboa, e impede o seu desenvolvimento como metrópole sustentável.

Agora o que não concordo é com as insinuações dos não-regionalistas, que dizem que, face a isto, mais vale ficarmos quietos, e não fazermos nada. Ficamos como Nero, a ver a cidade arder (neste caso, o país a afundar-se) só porque é bonito (???). Estamos em crise, pois estamos. É precisamente nas crises que temos a oportunidade para mudar algo. Portugal pode, por exemplo, alhear-se do défice e investir, construir obras públicas e infra-estruturas para melhorar o país. E Portugal precisa de muita coisa: precisa de modernizar a rede ferroviária (recuperar as linhas em funcionamento, construir novas ligações para servir todo o país, reabrir alguns troços fechados, para tornar a rede ferroviária nacional rentável) e a rede rodoviária (precisamos urgentemente de uma rede de estradas nacionais em condições, como existe lá fora, onde, sem pagar portagens, se possam fazer longas distâncias a 90/100 km/h), as nossas cidades precisam de transportes públicos modernos e em condições (metropolitanos subterrâneos, eléctricos rápidos e autocarros modernos), precisamos de renovar os nossos hospitais e centros de saúde, construir parques industriais, recuperar os centros históricos das nossas cidades, desenvolver a agricultura e as pescas, dar incentivos à recuperação económica, social e demográfica do interior, etc. Tudo projectos com rentabilidade garantida, a curto/médio-prazo, quer economica quer socialmente. Mas para os governantes no Terreiro do Paço, em São Bento e em Belém, nada disto é preocupação. O que interessa é gastar o que se pode num novo aeroporto (com rentabilidade duvidosa), num comboio de alta-velocidade (também de duvidosa rentabilidade, e só para servir o litoral do país e uma faixa muito restrita da população), na construção de mais uma auto-estrada Lisboa-Porto, na modernização da frente ribeirinha de Lisboa, na expansão do metro subterrâneo de Lisboa, entre outros projectos do género, muito concentrados numa pequena faixa do território.

Assim é complicado. Com conformismos não vamos lá. Se não reclamarmos o que é justo para as nossas regiões, para o nosso país, ninguém o vai fazer por nós. Se não lutarmos por uma reforma social e política urgente, por uma Regionalização com pés e cabeça, a maioria do território de Portugal corre o risco de entrar num subdesenvolvimento crónico, num atraso irrecuperável perante a Europa e o Mundo Ocidental. O que, logicamente, seria vergonhoso para uma nação que se quer forte como Portugal.
templario disse…
Caro Afonso Miguel,

Eu concordo consigo, sei que em Lisboa se gasta dinheiro que devia ir para o interior, sei que Lisboa é o centro da grande corrupção e sei também que há uma cultura de poder centralista.

Ao fim e ao cabo estamos todos de acordo. Só divergimos nisto: O Afonso Miguel acha que a regionalização, com governos regionais eleitos por sufrágio universal,seria a solução; eu acho que não por razões que já deve conhecer.

O problema está tipificado, em parte, no que diz Medina Carreira numa entrevista hoje ao "Correio da Manhã", de que falo muitas vezes, mas ditas por ele têm todo o pesa.

Deixo um excerto dessa entrevista:

"LC – Muito bem. O que temos em cima da mesa é um primeiro-ministro chamado José Sócrates, uma líder do PSD chamada Manuela Ferreira Leite e depois temos os outros partidos. Qual é a solução para sair desta situação que acaba de nos relatar?

MC- Eu acho que é muito difícil sair da situação porque os partidos estão gangrenados. Os partidos não trabalham em função de valores, de ideologias, de objectivos, de programas. Os partidos trabalham em função do assalto ao Orçamento. Porque o Orçamento dá para colocar os amigos, dá para fazer negócios.

LC – A solução está fora dos partidos?

MC- Não, a solução está dentro dos partidos. O problema é que os partidos não têm virtualidades para mudar. Porque eles tomaram os partidos de assalto e o PS e PSD têm tomado de assalto o Orçamento.

LC – Então não está dentro dos partidos.

MC- O que me pergunta é se há solução dentro dos partidos. Porque é dentro deles que têm de resolver. Se eles não percebem isso nós levamos um lindo enterro. Com estes partidos que nós temos, os principais, não vamos resolver os nossos problemas.

LC – Mas, apesar de tudo, a solução continua a estar dentro dos partidos? Passa pela reforma dos partidos?

MC- Eu defendo isso. Tem de se abrir os partidos. Porque hoje não atraem nenhuma pessoa inteligente, livre, que tenha futuro na vida. Não se mete num partido. Só se metem lá uns manhosos, porque aquilo é uma carreira. Entram lá pequeninos, depois estão lá mais uns tempos, depois são assessores, depois são guarda portões e depois são ministros.

LC – Mas a maioria das pessoas também não está disponível para os partidos.

MC- Não estão disponíveis porque acham que os partidos são uma chuchadeira. O senhor acha que alguém que tenha que fazer está para aturar um partido?"
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É contra esta situação que é preciso, pelo menos, berrar.
Caro templario:

É claro que os partidos são o cancro do país nos dias de hoje. Mas os partidos permanecerão imutáveis se nada se fizer. E as perspectivas de mudança são poucas.

Para além das vantagens sociais e económicas que já tantas vezes enunciei, a Regionalização teria ainda o dom de mudar os partidos. A descentralização política incrementaria a pluralidade. Abriria os partidos ao país. Por outro lado, a Regionalização marcaria o advento dos movimentos de cidadãos independentes, uma alternativa que teria na Política Regional um óptimo palco para se expandir, e para governar, efectivamente, para os cidadãos.

Os partidos são o grande cancro do país. Mas, por sua vez, o grande cancro dos partidos é o centralismo. Dentro dos partidos há uma cultura de serventia: os políticos que quiserem ocupar cargos nacionais têm obrigatoriamente que se tornar vassalos da cultura centralista, um verdadeiro monstro que afecta o país. Se conseguíssemos (o que aconteceria com a Regionalização) acabar com o ultra-centralismo partidário, isso seria um passo de gigante para o fim do clientelismo que se gera em Lisboa à volta dos lugares de confiança e nomeação política. Teríamos deputados efectivamente regionais, representando as suas regiões, e fazendo valer os seus interesses no Parlamento e no partido. Já reparou que todas as figuras políticas que se insurgem contra o centralismo nos partidos de governo (PS/PSD/CDS) acabam sempre por ser "corridas", ou melhor, postas de parte, relativizadas, ignoradas, de maneira mais ou menos subtil? Alguns exemplos: Luís Filipe Menezes, Daniel Campelo, António José Seguro, Fernando Gomes, etc.

A Regionalização é o primeiro passo para uma reforma política, social e económica de fundo em Portugal. É o primeiro passo para o futuro.

Cumprimentos