Algumas questões sobre o poder local e a descentralização

por, Pedro Félix

Um dos argumentos contra a regionalização, ou qualquer outra forma de descentralização efectiva que aumente as prerrogativas do poder local, consiste no apontar de exemplos de autarcas corruptos e de autarquias endividadas.

O caciquismo local é erguido como um fantasma que permanece nos mais recônditos lugares do "país profundo" e segue-se um encolher de ombros resignado e conformista em relação ao poder central e à macrocefalia que não pára de crescer.

As circunstâncias que deram, e dão, origem à corrupção e actos de gestão danosa das autarquais e demais órgãos do poder local são muito variadas e desde o 25 de Abril conheceu um agravamento, em parte, devido a alguma vacuidade legislativa e à ineficácia administrativa, face às novas atribuições e modo de eleição. Situação que levou à intervenção do actual governo, dando origem a nova legislação de eficácia e qualidade duvidosas.

A falta de consequências penalizadoras em relação a gestões danosas, os programas de financiamento disto e de mais aquilo e aqueloutro e os fundos estruturais que durante anos entraram via UE criaram todas as condições para uma mentalidade laxista e facilitista, quando não mesmo desonesta.

A partidarização e as dificuldades criadas a listas não partidárias e o alheamento e falta de intervenção cívica por parte da população, em grande parte desenraizada do local onde vive, contribuem para a falta de controlo neste tipo de casos.

Mais razões poderiam ser aventadas, algumas com uma certa especificidade local e temporal, o que tornaria o presente texto ainda mais longo. O que se pretende aqui referir é que o aumento de responsabilidade, o que equivale a dizer de atribuições de poder executivo, não implica obrigatoriamente o aumento de corrupção passiva e/ou activa nem de gestões danosas.

Quando vêm a lume os caso Felgueiras, Loureiros, Isaltinos e quejandos, o impacto mediático encobre todo o contexto de facilitismo e de más políticas nacionais as quais deram azo a tais actos. Por outro lado estes são exemplos do produto dos aparelhos partidários, os quais sempre tiveram acesso privilegiado ao órgãos de poder local.

As pessoas em geral, segundo estudos vários, são mais participativas e interventivas nos assuntos políticos, governativos e de utilidade pública quanto mais próximo e acessível sentirem o poder de decisão.

Ora, este mesmo poder está na maioria dos casos muito distante do seu local de residência e os problemas que concernem a esse mesmo lugar têm muitas vezes de serem relegados para os órgãos de decisão central.

Neste sentido, não são as atribuições de poder que geram a corrupção mas sim a falta de vigilância e a demissão das forças activas locais. As responsabilidades de quem governa são sempre sacudidas para quem se encontra no patamar acima e nesse campo os autarcas, mesmo os mais corruptos, não podem responsabilizar-se por competências que não são as suas.

Por sua vez, o sistema de financiamento partidário, pleno de especificidades locais dá origem à criação de clientelas e de relações corruptas com alguns sectores, entre os quais a construção civil, imobiliário e a indústria.

Por conseguinte, antes de se proceder à dita regionalização, e começar a rasgar o território em mapas cor de rosa, dos quais nenhum agradará a boa parte da população afectada pelas divisões criadas, teria de haver alterações estruturais profundas e, mesmo, constitucionais.

Por outro lado, os divisionismos regionais terão todos um carácter artificial propícios a criar novas "lisboas". Por isso, estou convicto que a melhor descentralização efectiva terá de ir ao encontro dos núcleos locais já criados e definidos ao longo dos tempos. Esse modelo será o municipalismo. Mas isto dará origem a outro texto...

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Será sempre um abuso associar a regionalização ao perigo de novos e numerosos casos de corrupção, uma vez conhecidos os casos mais mediáticos e quase sempre mais sujeitos a julgamentos na praça pública em vez de transitarem silenciosamente em julgado nos tribunais.
Tais julgamentos na praça pública têm surgido quando os processos estão ou dizem que estão em segredo de justiça, quase que obrigando os "arguidos" a justificarem-se antecipadamente do conteúdo das acusações que lhes são endereçadas junto dos órgãos de comunicação social assediantes.
Não parece que os problemas de corrupção, se existem, sejam um exclusivo do poder local, sabendo que existem muitos níveis de exercício da corrupção, desde a corrupçãozinha (a nossa especialidade como se fosse uma gastronomia institucionalizada na sociedade) até à corrupção sofisticada (então aqui muito haveria a escrever), a fazer fé nas notícias que aprecem à luz do dia.
Muito pior que a corrupção, sem qualquer veleidade de a esconder, é a política de sustentabilidade que tem sido implementada no nosso País, ao longo de séculos, apenas com algumas excepções muito honrosas.
Com efeito, a POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE em que os nossos políticos têm sido especialistas e até exímios, permitiram-nos a consolidação:
(1) Dos défices crónicos do Orçamento de Estado (a crise não explica tudo),
(2) Das contas externas (as boas notações de "rating" não podem justificar todo o endividamento de base comercial e financeira),
(3) Do endividamento externo como sustentáculo do nosso nível de vida (poderia ser a produção própria em vários sectores há anos debilitados: agricultura, pescas, transporte marítimo e tudo o demais relacionado com o aproveitamento do MAR, mas não tem sido),
(4) Dos índices de pobreza,
(5) Dos índices de facilitismo em quase tudo para uns e de dificuldades escusadas e burocráticas para a grande maioria,
(6) Dos níveis continuados de iliteracia,
(7) Do desordenamento territorial,
(8) Da inoperacionalidade da justiça,
(9) Do quanto pior melhor da comunicação social com repetições até à exaustão e à náusea individual e colectiva,
(10) Do carreirismo (público ou privado)
(11) Dos serviços mínimos, como objectivo de produtividade
(12) Do desequilíbrio social
(13) Da iniquidade fiscal
etc., etc., etc., etc.
Nestes domínios poderemos dizer que somos os maiores defensores da sustentabilidade e certamente estaremos colocados entre os maiores da União Europeia e, até mesmo, da OCDE.
Por isso, atendendo a tão excelentes resultados, o melhor será continuar com esta POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE através da adopção dos mesmos programas eleitorais de base apresentados pelos partidos políticos com vocação governativa, da apresentação como cabeças de lista distritais, ou seja do que for, candidatos que em nada se identificam com o círculo eleitoral por que se candidatam, da aposta sempre nos mesmos candidatos uma vez que são já bastante conhecidos (aparecem nos jornais, na televisão e na rádio, a insistir sem pestanejar nas mesmas soluções políticas - soluções?), na mudança de alguma coisa para que as "coisas" principais continuem na mesma, isto é, INTOCÁVEIS, no fornecimento à comunicação social de "casos políticos" ao envolver certas personalidades ou factos controversos.
Por isso, continuemos nesta senda do progresso nacional com o fomento de todas estas coisas políticas, claro que sempre e continuadamente "A BEM DA NAÇÃO".

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Por tudo isto é que o TGV ou o NAdL são meros "peanuts" (desculpem, vou beber "Água das Pedras", por ter ficado agoniado).
Paulo Rocha disse…
Não estou nada de acordo com o autor deste "post". Municipalismo, grosso modo, já nós temos e é bem conhecida a sua falta de eficácia na resolução dos inúmeros problemas que se colocam à escala inter-municipal que mesmo as CIMs não conseguem resolver. Depois sobram ainda todas as atribuições a competências da chamada escala infra-estado que seriam muito melhor exercidas por um poder regional democraticamente eleito.