Regionalização: aparência e realidade (parte II- Más divisões regionais na segunda metade do século XX: Causas e consequências)

(continuação)


Porém, na década de 50, Portugal é dividido em três “fatias”, uma operação de gestão rotineira, apenas com a finalidade de acompanhar a aplicação do Plano de Fomento. A essas “fatias”, foram dados os nomes de norte, centro e sul. Assim nascem as “regiões-plano”. Estas regiões nunca foram criadas para servir de base a uma verdadeira regionalização, porque, obviamente, são desprovidas de identidade, englobam realidades muito diferentes a todos os níveis, e os seus limites são tudo menos claros. A partir do 25 de Abril, a Regionalização é consagrada na Constituição e começam as pesquisas em busca do melhor mapa regional. De lá até agora, tem sido praticamente consensual ente os geógrafos, os autarcas, e, principalmente, junto das pessoas, que a melhor maneira de delinear um mapa regional coerente, em que as regiões tenham identidade própria que lhes proporcione um bom funcionamento (possibilitando a convergência em seu torno das forças económicas, populacionais e políticas de cada região), é a existência de um mapa de regiões homogéneas que resultem da junção de províncias tradicionais. Assim surgiram, por exemplo, as regiões agrárias, em número de sete: Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira Litoral, Beira Interior, Ribatejo e Oeste, Alentejo e Algarve.


Contudo, na falta de consenso à volta de um mapa aglutinador, e à volta do próprio tema da regionalização, as regiões-plano continuaram a servir de base ao planeamento de Portugal, tendo sido apresentadas à União Europeia como unidades-base em termos estatísticos (NUT’s). Na década de 1970, os maiores contrastes em Portugal eram, sem dúvida, entre o norte e o sul do país, e entre o litoral e o interior. Não admira que, com estas regiões de planeamento, o contraste norte-sul tenha sido bastante minimizado, com o desenvolvimento mais ou menos homogéneo das regiões a norte do Mondego em relação àquelas que estão a sul do Mondego; enquanto entre o litoral e o interior, os contrastes foram aumentando, o desenvolvimento no interior foi pouco, o investimento em infra-estruturas foi quase nulo durante décadas (à excepção do investimento autárquico), e as migrações internas dignas de um país terceiro-mundista continuaram a levar as pessoas do interior para o litoral do país.


Depois de muita pressão das populações, no sul do país conseguiu-se alterar o mapa, aproximando-o do das províncias: de três, as regiões-plano passaram a cinco (o “sul” dividiu-se em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Não admira que, desde aí até hoje, a região fora de Lisboa que mais se desenvolveu tenha sido o Algarve: um mapa regional bem feito permitiu um planeamento assente no aproveitamento ao máximo das potencialidades da região (neste caso, o turismo), construindo-se infra-estruturas e atraindo investimento e, consequentemente, desenvolvimento. Mesmo o Alentejo já é hoje uma região muito diferente das que estavam em situação semelhante, Beira Interior e Trás-os-Montes, tendo-se desenvolvido muito mais do que estas, e registando índices de competitividade e produtividade muito maiores, e perdas demográficas consideravelmente menores do que as regiões do interior a norte do Tejo. Tudo graças a um planeamento eficaz, com regiões bem feitas.


Infelizmente, a norte do Tejo não se fez o mesmo que a sul, e o “norte” e “centro” continuaram a vigorar. Os resultados estão à vista, e não são nada animadores. Hoje, há interesses instalados muito fortes em torno das CCDR’s destas regiões, que não deixam que haja mudanças no mapa. Quando se fala em criar as regiões Trás-os-Montes e Beira Interior, essas vozes levantam-se e, com a força que infelizmente adquiriram, não deixam que tal se faça.


(continua)


Afonso Miguel


Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A delimitação das futuras Regiões Autónomas está mais que justificada no trabalho residentes na Ordem dos Economia com o título "Regiões Autónomas".
Sabe-se que cada cabeça sua sentença neste domínio ainda não realizado políticamente e quanto mais tarde maiores serão as susceptibilidades introduzidas quase sempre por quem não quer a regionalização como realidade política, territorial e domínio de governo autónomo.
Apesar dos critérios profusamente enunciados e divulgados pelo Afonso Miguel, com todo o respeito, continuo a ser fiel aos parâmetros delimitadores que não são apenas geográficos, mas também transversais a toda a sociedade portuguesa, eneunciados naquele trabalho de profundidade.
É de tal profundidade que não se limita apenas à mudança do tipo e profundidade de governação mas inflinge uma reestruturação total ao funcionamento de toda a Administração da política, com envolvimento de todos os Órgãos de Soberania e, mesmo, a alteração de algumas disposições constitucionais.
Para um útil contraponto, deveria fazê-lo publicar neste blogue, mas a sua enorme extensão é uma grande limitação e não encontro aqui mecanismos que me posibilitem fazê-lo, mas qualquer pessoa interessada poderá fazê-lo ao consultar o site da Ordem de Economistas, no dossier da "Economia Regional". Por isso, mantenho o respeito pelo que lá está exposto e justificado para que se possa implementar uma tipologia de regionalização à altura das necessidades de desenvolvimento e de convergência real em relação às sociedades mais evoluídas.
Reconheço que tal é imprescindível, para se acabar de vez com os habituais queixumes e oportunices governamentais em relação à distribuição de verbas orçamentais, comunitárias e outras, pelas diferentes CCDR's de triste e empanado desempenho. No nosso País, a qualquer nível, ninguém dá nada a ninguém, mesmo que se mereça, e quando algo é dado quase nunca a mão esquerda desconhece o que dá a direita, ou vice-versa, se quiserem. Por isso, temos de nos habituar a contar apenas connosco próprios (isto é, cada Região por si e colaborando, por todas) que é a regra que está por detrás das propostas políticas apresentadas no referido trabalho sobre "As Regiões Autónomas" e aliar a firmeza (ás vezes, até é necessária a intransigência) das posições políticas locais e regionais a um útil desprezo ou subalternização das instâncias governativas centrais que parecem tudo fazer para perder o respeito.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
O problema das CCR é não terem poder, só esse. Agora termos de aturar este senhor Afonso Miguel só porque não gosta das Beiras como um todo...enfim...abra os olhos e veja que há muita gente fora do sector publico que já trabalha a região como um todo, sem problemas...
Anónimo disse…
Caro Anónimo,

O problema das CCDR's não é o "não terem poder" é o serem extensões do Governo Central com dirigentes mais interessados em comissionar o trabalho que realizam do que em elaborar propostas autónomas e específicas de cada região (mesmo ao nível das 5 que representam) rumo ao desenvolvimento e impô-las ao tal Governo. É mesmo necessário impô-las de peito feito e de desapego aos lugares administrativos que preenchem que, pelos comportamentos conhecidos, não merecerão nunca ser titulares de lugares políticamente eleitos.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Para reforçar "o peito feito" até posso dar uma grande ajuda, a variadíssimos níveis, mas nunca me ponham perante qualquer tipo de carreirismo público administrativo que só servirá para vergar a espinha do desenvolvimento e da independência pessoal e profissional.