A crise do Norte

Passam os anos e o discurso mantém-se: o Norte perde riqueza, perde poder e perde voz. E, com isso, perde o país.

Vamos ver se, na saída da crise, o Norte retoma um ciclo de crescimento". A crise estará para acabar, mas os sinais que vamos tendo mostram que o desejo de Carlos Lage poderá muito bem não ser cumprido.

Mais desemprego, menos exportações, líderes divididos entre a contestação ao centralismo e a necessidade de continuar a receber favores desse mesmo centro, a romaria generalizada para Lisboa, cada vez mais poderosa e rica, face a um Norte que, tudo indica, continua a perder terreno.

É um problema só do Norte? Ou o desequilíbrio entre as sete regiões portuguesas é uma das razões pelas quais, ainda hoje, décadas e muitos milhares de milhões de euros depois, os índices de desenvolvimento de Portugal face à Europa são vergonhosos? O próprio ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, disse que "o país precisa do Norte".

As perguntas apelam a uma reflexão sobre a coesão regional ou a aposta numa região (Lisboa) que "arraste" todas as outras, seguindo a lógica do "superior benefício da Nação", como ironiza Braga da Cruz.

Ou uma terceira via, proposta pela OCDE, num documento de 2007, quando o país desenhava uma nova política regional, por imposição da União Europeia, de forma a receber o último grande pacote de ajudas financeiras comunitárias.

Dizia a organização dos 30 países mais desenvolvidos que não é obrigatório ter que escolher uma daquelas duas vias. Pelo contrário, que os países devem apostar em todas as regiões, precisamente para potenciar o crescimento da nação no seu todo.

Já na altura, segundo a OCDE, Portugal era o segundo país mais centralista do "clube", a seguir à França, mas admitia que a política regional então desenhada poderia vir a fazer de Portugal um exemplo de desenvolvimento a seguir por todos.

Anos passados, o que aconteceu a esse modelo? Ouvindo o que têm a dizer vários dirigentes, líderes, pessoas de relevo de toda a região Norte, o cenário é mais negro do que o admitido pela OCDE.

Em 2007, o Norte surpreendeu ao conseguir as primeiras boas notícias económicas em muito tempo: um crescimento ligeiramente acima do resto do país, que permitiria recuperar algum do muito terreno perdido nas últimas décadas. Mas, logo depois, a crise voltou a pintar a região de negro. Hoje, o desemprego está em níveis recorde e a quebra das exportações foi um golpe duro para as empresas, sobretudo as nortenhas.

Dois anos passados, nada garante que o início daquele dinamismo económico tenha ganho raízes suficientes para medrar. Ou, em alternativa, que as deficiências estruturais da região se mantenham e voltem a servir de lastro a um Norte que não se consegue manter à tona de água.

Hoje, a larga maioria dos trabalhadores continua sem qualificações, as empresas permanecem em boa parte agarradas a formas de fazer as coisas arcaicas, o grosso dos produtos que saem das fábricas não têm nem a qualidade para combater os de regiões mais desenvolvidas nem o preço para vencer os que vêm do Extremo Oriente.

Ou seja, o global da região continua a ter a mesma fraqueza que a impede de se afirmar: a incapacidade em vender no estrangeiro, como tem dito repetidas vezes o presidente da Cotec, Daniel Bessa.

Até no que toca a indicadores de bem-estar a região aparece muito mal no retrato. Veja-se, só a título de exemplo, os cuidados médicos. No ano passado, o país tinha uma média de 3,7 médicos por mil habitantes. Mesmo esquecendo a média de 5,3 ostentada por Lisboa e arredores, o Norte até se enquadrava dentro do panorama geral, com uma média de 3,4 médicos.

Mas o número é enganador, porque a região é tudo menos homogénea. Se o Porto exibe uma média de seis médicos e meio por mil habitantes, já as restantes zonas da região têm números indignos de um país da União Europeia: o Ave tem um rácio de 1,6 e o Tâmega não chega sequer a ter um médico por mil habitantes. A falta de equilíbrio dentro da própria região é, aliás, notória.

Indicadores de bem-estar como os relativos a cuidados médicos são reflexo directo da capacidade de uma comunidade de criar e gerir riqueza, neste caso a comunidade do Norte. O problema, insistem tantas vozes da região, é que cria pouca riqueza e gere ainda menos, já que os centros de competência que lhe permitiriam fazê-lo continuam a rumar para Lisboa, cuja força de gravidade actua como um íman poderoso sobre empresas, conhecimento e mais valias.

Dito de outra forma, o centralismo, que recua até ao tempo do Império, tornou-se de tal forma "um vício" que as pessoas "acabam por lhe reconhecer legitimidade", diz Braga da Cruz, presidente do Conselho Geral da Universidade do Minho.

A denúncia do centralismo está a transformar-se numa "crescente irritação face ao exercício do poder, quase rotineiro, a partir de Lisboa", de que fala Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N). E as oportunidades para o fazer multiplicam-se.

É o caso recente da decisão política de instalar em Lisboa os gestores dos fundos comunitários, apesar de as verbas para os pagar saírem dos fundos destinados às regiões mais pobres e de todos os seus interlocutores se encontrarem no Norte, no Centro e no Alentejo, lembra Luís Ramos, especialista em desenvolvimento regional.

Os exemplos são inúmeros e têm dado espaço a cada vez mais denúncias da excessiva concentração de poder e à reclamação de maiores competências e autonomia regional. Insuspeita, a OCDE, que reúne os 30 países mais ricos do mundo, é uma dessas vozes.

Em 2007, um estudo sobre Portugal concluía que o país é o segundo mais centralizado no seu "clube", a seguir à França e elogiava o esforço feito pelo Governo de criar políticas de desenvolvimento regional, apesar de afirmar que só existiam porque a União Europeia assim exigia, a troco de 21,5 mil milhões de euros para desenvolver as regiões.

A OCDE reconhece que o Governo criou estruturas representativas nas cinco regiões. "Tal como é demonstrado pelo exemplo de França (…) este tipo de escolha organizacional ajuda a assegurar coerência à política regional, mas deixa pouco espaço para a integração de conhecimento local específico" - precisamente um factor que entende ser imprescindível ao bom desenvolvimento regional.

O estudo, publicado em 2008, terminava dizendo que o empenho dos agentes regionais na transformação da estrutura do Norte era fundamental para que as medidas tomadas em papel tivessem impacto real. Dois anos passados, o que dizem esses mesmos agentes regionais? Que o centralismo continua a aumentar e, em muitos casos, que desconcentrar competências públicas não chega, apelando a uma verdadeira descentralização, possível só mediante a criação de regiões administrativas eleitas pelo povo.

Hoje, no início de uma nova legislatura, contudo, os defensores desta reforma não podem estar seguros que seja desta que a regionalização avança. Pelo contrário. Não há unanimidade de opiniões dentro do partido do Governo, quanto mais entre as cinco forças presentes no Parlamento.

Dentro do PS, a reforma já está a ser atirada para lá das eleições presidenciais e o líder parlamentar socialista, Francisco Assis, nem sequer arrisca assumir um compromisso de que será feita nesta legislatura.

É certo que a regionalização consta do programa deste segundo governo de José Sócrates. Mas já constava do anterior, até com maior entusiasmo, e continuou enterrada numa gaveta.

|JN|

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Aquilo a que chamam "crise do Norte" tem origens profundas na "bananice", "gabalorice" ou "requintadice de vida" de quem supõe ou é suposto ter ainda alguma influência, por ter sido qualquer coisa de importante, seja em domínio for.
Aos vulgarmente designados "pastores de influência política" falta o génio e a postura vertical e exigente de alguns dos personagens criados e espalmados psicologica e humanamente nos romances da Escritora Agustina Bessa-Luís. Não se compreende como, tendo-os lido com toda a certeza, ainda não compreenderam as condições falaciosas em que esses tais protagonistas nortenhos têm mal desempenhado o seu ministério em prol daquilo a que canhestramente tem sido designado como "NORTE".
O mesmo se pode dizer em relação ao nosso País como um todo, cujos dirigentes políticos são mais de turno do que estratégicos, com total aquiescência das populações que os vão mantendo em postos chave de governação nacional e municipal (ainda bem que nas últimas eleições autárquicas, algumas populações resolveram pôr um ponto final na carreira de alguns desses protagonistas e muuito bem), não se apercebendo que cada vez mais nos situamos mais longe de qualquer objectivo de convergência no desenvolvimento e de regionalização política (autonómica) do nosso território onde tudo serve de argumento para atrasar a sua implementação.
Se o tal "NORTE" está na situação calamitosa que apregoam a si próprio o deve: população, dirigentes, pessoas de influência, etc; se o nosso País está a caminhar para o abismo, à sua população o deve por persistir na votação em programas eleitorais e de governo e na confiança em protagonistas políticos (nenhum partido político fica disto excluido) que amnos já demonstraram não terem capacidade política para enfrentar os sempre novos desafios do DESENVOLVIMENTO.
"- Ah! Isso não é bem assim", perguntarão alguns.
"-E então como é, digam lá", pergunto eu.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Paulo Rocha disse…
Concordo, em absoluto, com o que é dito no comentário anterior. Não há dúvida que as gentes do Norte perderam qualidades e estão hoje, também eles, muito mais dependentes do Poder Central.