Lá se foram as regiões

O Governo fez ontem saber, pela voz do ministro dos Assuntos Parlamentares, que o tema regionalização não consta das prioridades do Executivo liderado por José Sócrates. "Não é um assunto prioritário, e tem de resultar claro que há uma grande estabilidade e consenso de apoio ao modelo que é agora proposto (cinco regiões, em vez das oito chumbadas em referendo)", diz, lapidar, Jorge Lacão.

Consequência:
se o "consenso" (supõe-se que entre as forças partidárias) não se alcançar nesta legislatura, a regionalização saltará para a próxima. Ou para a seguinte, se pelo meio se meterem matérias mais importantes para o país. Do ponto de vista de quem governa, claro está.

Podemos sempre imaginar uma panóplia de temas mais relevantes para o futuro de Portugal do que a sua divisão admnistrativa em cinco regiões. Por exemplo: o actual Governo entende que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é, nesta altura, uma matéria muito mais importante para o país do que a regionalização. Disposto a comprar uma "guerra" com a Igreja, desde logo por saber que a iniciativa passará no Parlamento com o voto das forças mais à esquerda, o Executivo prefere dar já este passo rumo à modernidade. Talvez por estar convencido de que o tema já não agita fantasmas nas cabeças dos indígenas.

Talvez seja verdade. Mas esse não é o ponto. O ponto é que, como ficou amplamente demonstrado no dossiê sobre a crise que corrói a Região Norte publicado na edição do passado domingo do JN, não é possível passar mais ao lado das conhecidas causas e dos graves efeitos provocados pelas assimetrias regionais que tombam o país, cada vez mais, para um só lado. Peço perdão pelo truísmo: governar é escolher. E ao mesmo tempo que escolhe avançar, célere e alegremente, com o casamento entre pessoas do mesmo sexo (uma promessa eleitoral, é certo), o Governo deixa basicamente cair a regionalização (também uma promessa eleitoral) para as calendas.

Porquê? Em nome de quê? Porque, no que diz respeito à regionalização, o caminho a desbravar é mais árduo. Porque o medo de se repetir um chumbo à proposta de uma nova divisão administrativa do país é gigante e não dava jeito nenhum ao Governo. E em nome de uma agenda mais modernaça que, por enquanto, vá sossegando a esquerda mais à esquerda. Isto é: em nome do tacticismo.

Custa ver gente inteligente como Francisco Assis, novo líder parlamentar dos socialistas, defender que até à realização de um eventual referendo (com o qual ele não concorda) se melhore a "racionalização do aparelho desconcentrado da Administração Pública". A isto chama-se, em bom português, atirar areia para os olhos dos incautos que sentem na pele, todos os dias, as maravilhosas virtudes da "racionalização do aparelho desconcentrado da Administração Pública".

Se este tipo de retórica redonda e amarrotada eliminasse a vergonha que é o facto de o Norte ser a terceira região mais pobre da Europa, era caso para erguer uma estátua que lembrasse aos vindouros os feitos de Francisco Assis. Como ela não resolve nada, resta-nos esperar, sentados, por melhores dias.

JN

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Turnismo versus estadismo, infelizmente, mesmo que sejam responsáveis a comunicá-lo, mais com a solenidade de quem ocupa um posto ministerial e muito menos por uma verdadeira convicção regionalista a favor do desenvolvimento equilibrado e autosustentado.
Por tal intervenção, pude acabar por compreender melhor o que é estar hoje ministro.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)