Lisboa e os provincianismos

|Rui Valente|


Sou muito bairrista e também regionalista. Gosto da minha terra, da grande - Portugal - e da mais pequena - o Porto, sendo que esta foi semente daquela.

Mas, ao contrário do que pode parecer em face de tantas e tantas críticas que faço a Lisboa, aprecio as muitas e indiscutíveis qualidades da nossa capital. Seria fastidioso enaltecer aqui tais qualidades, que existem independentemente do maior ou menor sublinhado que delas se faça.

A questão é que Lisboa não é, para Portugal, apenas uma cidade, porque nesse ponto não merece crítica, nem reparo, nela vivendo a nossa brava gente portuguesa.

Pelo contrário, Lisboa não é uma coisa má, como é evidente, mas representa, para Portugal, muita coisa má.

Ao contrário de Madrid para Espanha, de Londres para o Reino Unido, de Paris para a França, de Haia para a Holanda, de Bruxelas para a Bélgica, Lisboa não é um foco de desenvolvimento para Portugal, tal como Atenas não é um foco de desenvolvimento para a Grécia.

Nos outros países europeus a capital é um centro político e administrativo dinamizador de todo o território, que percebe que se desenvolver o resto do País acaba por ganhar em riqueza e em qualidade de vida, porque a si deixam de acorrer os migrantes do País.

Em Lisboa, tal como Atenas, os migrantes tomam conta do poder e agarram-se a ele com a fome e a força de que tem medo de tudo perder por ter tido tão pouco, tudo mitigado com aquele tipo de novo-riquismo que, chegado à capital, se transforma em provincianismo puro.

Lisboa deve ser a cidade com menos mobilidade da Europa. Nos demais países europeus, porventura com a excepção da grécia, as pessoas percorrem, por sistema o seu País, tendo necessidade de fugir da capital.

Em Lisboa, as pessoas, quando querem fugir, saem do País, mas evitam visitar o resto do País, a que chamam "província", sem perceber que também a província - sobretudo no seu pior - de há muito se centralizou na nossa capital. O texto de José António Saraiva no "Sol" de hoje é, a esse respeito, um texto interessante.

Por tudo isso todos percebemos que a regionalização vai chegar apenas quando os fundos comunitários se esgotarem. Porque tal como na Grécia (único País da União Europeia que, com excepção de Portugal, também não está regionalizado), em Portugal a regionalização não avança por boicote de uma cidade que tem medo (tonto, tacanho e infundado) de perder dinheiro e poder.

Por isso é que há empresas ex-públicas-pseudo-privadas que têm benefícios para se instalar no interior e depois acabam por "apostar" ... em Lisboa.

Só regionalizando é que nos podemos livrar de um centralismo que Lisboa representa e que tolhe o nosso desenvolvimento há séculos e que explica que Lisboa e seus arredores-tipo-gueto-semi-favelizados tenha muito mais semelhanças com Lima, com a Cidade do México, ou com La Paz do que propriamente com Madrid, ou Roma.

Também por isso quase não temos cidades "médias" e estamos a desocupar o interior. Basta comparar o que cresceu Salamanca nos últimos 20 anos e o que "mingou" a nossa Guarda para ficarmos esclarecidos...

Veja-se o Alentejo, primeira e principal vítima desse tremendo eucalipto que é Lisboa. No tempo dos meus netos, o Alentejo vai eleger um deputado...

Durante muito tempo vingou a tese de que a regionalização gerava caciques.

Esse argumento está, em razão de todos os acontecimentos dos últimos anos, pulverizado, à luz de coisas que se passam na capital e por assistirmos a grandes provas de maturidade e critério democrático na província.

Ferreira Torres não perdeu as eleições no Marco de Canavezes? Fátima Felgueiras não perdeu as eleições em Felgueiras? Pois é... Onde estão, afinal, os provincianos do País?
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Comentários

PGS disse…
"Que quer Vossa Majestade? - Lisboa faz o que pode: quem tem um temperamento saloio não pode tirar dele requintes de artista. Lisboa é uma cidade saloia: é uma cidade de fora de portas: é uma cidade de aldeia". As Farpas, 1872
templario disse…
Que visão mais estranha do país, de Lisboa! Que estranha forma de voar para fora da realidade!

Que complexos, senhor!

O que vai por aí de romantismo, convidativo ao raciocínio emocional, não querendo enfrentar a nossa realidade, as nossas singularidades!

Que maneira mais esquizofrénica de defender a regionalização, num país antiregional!!!
zangado disse…
Muito bem, Rui Valente! Os maiores provincianos estão no governo, na Assembleia da República, nas empresas e serviços públicos e outros. São gente que deixou a sua terra à procura de emprego ou de uma vida melhor, o que não é criticável, mas, instalados lá e perante a pressão contra as suas ideias e modo de falar acabam, na sua maioria, por se submeter a essa imposição e esquecer-se de onde vieram e dos problemas das suas terras. Muitos, como o comentador anterior, não aceitam que os portugueses do resto do país tentem mudar este estado de coisas e, apesar de não ser da zona de Lisboa, mora lá na zona de Sintra e critica tudo e todos os que não aceitam o jugo lisboeta. Até classifica de "Gang" os que no Porto apoiaram Elisa Ferreira e a regionalização. Que poderíamos nós, portuenses e nortenhos, como os algarvios e outros que vivemos numa realidade muito diferente da dele, chamar aos lisboetas e suburbanos de lá (não a todos mas aos partidários do centralismo)? Gang será pouco, talvez um polvo da Máfia lisboeta e benfiquista?
E depois querem-nos dar lições de História, de democracia, continuar com as velhas frases de que em Portugal não há regiões, o que sempre existiu. Até 2 reinos: ...Rei de Portugal e dos Algarves, ...
A visão de Rui Valente só é estranha para quem desconhece ou pretende desconhecer a verdadeira realidade do nosso país. Querem tudo para a região deles e nós deveremos aceitar, obedientemente e sem protestar. Viajem de Tomar para Norte, conheçam o litoral e o interior, vejam as diferenças nos investimentos, transportes e infra-estruturas, o desemprego e depois falem. Assim é sempre a mesma conversa centralista e a defender as benesses que estão sempre a chegar.
Dois pesos e duas medidas num país com o nosso território é defender a unidade nacional?
E ainda se queixam! É preciso ter uma grande "lata" ou não querer ver a realidade portuguesa.
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A propósito das diferenças entre Lisboa e o resto, assenta no comportamento dos protagonistas que por lá abundam e que, justiça seja feita à cidade-capital: a maioria de tais protagonistas não é natural de lá mas de outras regiões do nosso País, infelizmente, para quem quase tudo serve para "subir na vida" (esta forma de "subir na vida" também se aplica à maioria da população activa que prolifera por todo o tipo de organizações onde a institucionalização da inveja e da intriga corresponde a comportamentos geralmente nelas tolerados; e se são tolerados é porque haverá mais gente a beneficiar e muitíssimo; já assisti a profissionais muito competentes e sérios a quem lhes "fizeram a folha" em três tempos, por não alinharem em certo tipo de comportamentos pessoais).
Aqui chegados, só resta atender aos provérbios populares: "não sirvas a quem serviu" e "não peças a quem pediu". Costumo informar os meus alunos que "é desconfiar de organizações com crescimento de vendas e lucros exponencial em muito pouco tempo, por serem crescimentos contra-natura" porque cada fenómeno social tem o seu tempo natural de concepção e maturação.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Rui Valente disse…
Agradeço ao António A.Felizes um esclarecimento:

o autor deste post à excepção do nome, não tem nada a ver comigo, o Rui Valente do blogue Renovar o Porto.
Tal como ele apoio a Regionalização e nesta altura do "campeonato", algo mais ambicioso.

Ao contrário deste Rui Valente, não gosto de Lisboa, e devo a Lisboa este crescente sentimento de repulsa e de vontade me separar etnolográfica e geograficamente de uma capital que insiste em querer manter-se imperialista.

Melhores cumprimentos