Sobre a Arte de bem Sacar

Alberto João Jardim, que todos conhecemos como o truculento presidente do Governo Regional da Madeira, há-de ficar para a história como autor de eficazes tratados da Arte de bem Sacar. São inúmeras as vezes que as suas tomadas de posição levam os governos, laranjas ou rosas, ou a fechar os olhos ou a abrir os cordões à bolsa para satisfazer as necessidades inadiáveis de um arquipélago que não tem a extensão da Área Metropolitana do Porto mas acumula uma dívida bem superior à de apenas uma das principais câmaras portuenses. Um fartar!

Os seus discursos desta semana ou as benesses que lhe foram concedidas, na semana passada, no Parlamento, não valeriam mais nenhum comentário, não se desse o caso de estar a ser vagamente aflorada a questão da regionalização. Ora, a actuação de Jardim e os seus discursos de constante insaciabilidade financeira são o argumento mais eficaz que os inimigos da criação de regiões administrativas podem utilizar: por um lado, porque revelam enorme insensibilidade em relação aos problemas do país e uma total ausência de solidariedade com outras regiões; depois, porque são a confirmação de a culpa não apenas morrer solteira como ainda por cima ser premiada, tantas e tantas são as vezes em que há necessidade de corrigir as contas, simplesmente porque Jardim gasta mais do que tem e sabe que alguém o vai cobrir. Imagine-se o que seria os deputados do Porto e de Braga juntarem-se e na Assembleia fazerem depender o seu voto da aprovação de um conjunto de medidas que só à região interessasse. Onde chegaríamos?

É bom dizer que este Jardim que conhecemos já foi ungido por presidentes e chefes de Governo. Um político, apenas, encontrou uma fórmula para lhe contrapor, mas o seu uso pouco durou. Foi Carlos Mota Pinto o primeiro a falar em custos de interioridade, para contrapor aos custos de insularidade que tudo justificavam. Bragança ou Castelo Branco, que, mesmo com as auto-estradas, estão mais distantes de Lisboa e com menor qualidade de vida do que o Funchal, sabem certamente o que são custos de interioridade.

A regionalização não será com certeza remédio para todos os males, mas pode ajudar ao desenvolvimento. O que não pode é seguir o exemplo da Madeira, sob pena de o isolamento de Bragança ou Castelo Branco ser mais profundo se faltar a solidariedade nacional que lhes é devida.

É evidente que a esperteza de Jardim também é sustentada pela cobardia política de muita gente no continente. Em tempo de crise, como sabemos, os exemplos devem vir de cima. É também por isso que o Orçamento de Estado que aí vem é um bom termómetro para estes comportamentos, uma boa altura para vermos até que ponto o país está doente.


José Leite Pereira (director do JN)

Jornal de Notícias, 16/12/2009

Comentários

templario disse…
Ãinda assim..., um bom e equilibrado artigo.

Na sua essência, é um artigo contra a regionalização.
Rui Farinas disse…
O director do JN habituou-nos a artigos com mais nivel. Este parece escrito por um ET chegado de Marte que ignora a realidade da Madeira e que desconhece quanto o pensamento governativo de AJJardim melhorou a vida na Ilha. Até em relação à regionalização o sr.Leite mete as mãos pelos pés e parece ignorar aquilo de que está a falar. A argumentação é tão fraquinha que fica a impressão que se trata de recado encomendado.
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A forma como a Região Autónoma da Madeira tem sido gerida através do respectivo Orçamento Regional compete também a organismos nacionais de controlo e supervisão política (Assembleia da República e Governo) e de controlo e supervisão financeira (Tribunal de Contas e Ministério das Finanças - Inspecção Geral de Finanças, as principais, entre as demais instituições disso encarregadas e disseminadas por outros ministérios).
Se todas estas instituições exercerem as suas funções de forma adequada, com objectividade, independência e respeito pela legalidade, decerto chegarão a conclusões capazes de evidenciar (ou não) "arestas financeiras" encontradas e de sugerir a aplicação de soluções tecnicamente (em sentido muito lato e diverso) adequadas para as limar. Mais que um problema de regionalização ou ausência dela, trata-se de um problema de comportamento político na estricta dimensão da sua qualidade executiva e nada mais. Assim sendo, governe quem tem de governar, controle quem tem de controlar, sancione quem tem de sancionar. O resto não passará de mera conversa.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Em Dezembro último, visitei a RAM e gostei do que vi. Se tudo foi realizado com sobrecustos justificados ou injustificados, não me compete analisá-lo nem evidenciá-lo. Quem tem que se doer que o faça, nunca devendo ser outros a quem não compete.
Anónimo disse…
Caros Regionalsitas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Gostaria de saber qual o papel da fotografia do Senhor Arquitecto Souto Moura como protagonista de imagem deste "post" sobre a Região Autónoma da Madeira.
Alguém me poderá esclarecer ou foi puro engano?

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Em toda a escrita que realizar, daqui para frente, nunca respeitarei o Acordo Ortográfico e, como é óbvio, ignorarei todos os classificativos que me enviarem.
Caro Anónimo Pró-7 RA:

Muito obrigado por ter reparado na troca de imagens que, por engano, me levou a publicar a imagem do sr. Arqº Souto Moura, quando deveria, isso sim, ser a imagem do director do JN, José Leite Pereira, a ilustrar este artigo.
Peço desculpa pelo erro, aos envolvidos e a todos os leitores e editores do "Regionalização".

Caro templario, quanto ao seu comentário, não sei como é possível interpretar este artigo como sendo contra a regionalização, quando José Leite Pereira é bem claro quanto a este aspecto, principalmente na sua frase "A regionalização não será com certeza remédio para todos os males, mas pode ajudar ao desenvolvimento."
O autor do artigo insurge-se, isso sim, contra um modelo de governação em específico, o da Madeira. E isso não tem nada a ver com a regionalização, mas sim com as escolhas que os eleitores fazem, nas urnas, para presidir aos cargos que os regem. São coisas bem diferentes.

Cumprimentos a ambos e votos de um bom ano,