O Governo quer, Bruxelas deixa e a obra nasce

PEDRO IVO CARVALHO, CHEFE DE REDACÇÃO ADJUNTO

A pequenez lusitana mede-se de múltiplas formas. E é mensurável também na tentação que o país político teimosamente demonstra em situar o desenvolvimento regional a partir do eixo Lisboa-Vale do Tejo.

Não vale a pena negar as evidências: Lisboa é a capital e, como todas as capitais, é normal e desejoso que agrege serviços, investimentos, massa crítica, centros de decisão. A capital terá o que precisa na exacta medida em que o país depois também é brindado com a capital que merece.

É verdade que Portugal está longe de ser um país homogéneo. Porque nunca se desenvolveu como tal. Mas socorrerem-se da rebuscada tese de que o investimento injectado em Lisboa tem implicações benéficas nas regiões que dele precisam como de pão para a boca é o mesmo que nos passarem um atestado de estupidez. Estatuto que, pessoalmente, dispenso.

O mais extraordinário pormenor deste enredo é que os 148 milhões de euros de fundos comunitários que as regiões do Norte, Centro e Alentejo agora perdem para a capital (devemos todos agradecer ao primeiro-ministro, José Sócrates, a ousadia do "negócio") ainda vão ter de ser suportados pelo Orçamento de Estado, já que os tais fundos de Bruxelas só cobrem parte do investimento.

É a chamada dupla perversão: o dinheiro de Bruxelas que seria para o Norte, Centro e Alentejo é desviado para Lisboa mas, como esse dinheiro não é suficiente, ainda se resgatam umas verbas ao Orçamento de Estado, que só por acaso é alimentado com os impostos dos habitantes do Norte, Centro e Alentejo. Digam lá se não é engenhoso.

Quem defende a discriminação positiva do Norte (onde vive um terço do país e onde se concentra a maioria das empresas exportadoras) ou de outra qualquer região proscrita leva sempre com o carimbo de parolo ou de obsessivo regionalista. Quem defende a primazia de Lisboa sobre o restante território é visto apenas como um cidadão coerente e preocupado com a coesão nacional.

Caso para dizer: o Governo quer, Bruxelas deixa e a obra nasce.

|JN|

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