Paços de Ferreira: um retrato actual de Entre-Douro e Minho

Entrevista com o Presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Pedro Pinto, publicada no Semanário Grande Porto (26/03/2010):

A colocação de portagem na A42 coloca em risco o projecto industrial da marca sueca a ser implantado em Paços de Ferreira. Em entrevista ao GRANDE PORTO, o presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira admite recurso aos tribunais contra a intenção do Governo.


Como é que vê a intenção do Governo em introduzir portagens nas SCUT?

É incoerente a dois títulos. Por um lado é incoerente do ponto de vista político, uma vez que as SCUT foram lançadas para discriminar positivamente as regiões onde fossem inseridas. Esta SCUT do Grande Porto ficou pronta em 2005 e os estudos que fundamentam a aplicação de portagens foram feitos em 2006, reportados a dados de 2004. Portanto, como é que politicamente um governo, que por acaso é da mesma cor do que lançou as SCUT, assenta os estudos em dados anteriores à data da inauguração? Por outro lado, do ponto de vista técnico, o Governo definiu três critérios – e bastava furar um deles para serem aplicadas as portagens – um era o PIB ser igual ou superior a 80 por cento, o outro era o poder de compra concelhio ser igual ou superior a 90 por cento e a distância/tempo da alternativa não ser superior em mais de 130 por cento. Os estudos colocam a região com um PIB de 84 por cento, quando a verdade é que Paços de Ferreira tem o PIB mais alto e não ultrapassa os 60 por cento. Como é que é possível? É fácil. Juntaram vários concelhos, definiram uma forma de juntar pobres com ricos para resultar em remediados acima de 80 por cento. A SCUT Grande Porto, para este tipo de cálculos, abrange concelhos como o Marco de Canaveses, Vila Nova de Famalicão, Vizela, Gaia… O que fizeram foi juntar concelhos de forma a que a média ponderada resultasse em mais de 80 por cento. Estamos a falar da aplicação das portagens em 2010, quando a economia está na situação que todos conhecem, quando a riqueza gerada tem diminuído, e por isso esta medida não vem em nada ajudar ao desenvolvimento desta região.

Se o Estado não recuar há condições para, em nome da defesa das expectativas que nós criámos, dos modelos que desenvolvemos, recorrermos aos tribunais. É o mínimo que podemos fazer em defesa das nossas populações.

Na sexta-feira passada estive em reunião com o chairman da Swedwood, casa-mãe da IKEA, e ele dizia que existe a intenção de ultrapassar em muito o investimento que estava previsto para Paços de Ferreira, mas é óbvio que não sabe se vão duplicar o projecto como se tinham comprometido com a câmara, porque as portagens sobrecarregam muito os custos.


Parece-lhe que mais uma vez o Norte está a ser discriminado?

Acho que não foi levado em linha de conta o facto de o Norte ser pulverizado por pequenas e médias empresas. 90 por cento da estrutura económica do País são pequenas e médias empresas. Se o País quer começar a gerar riqueza, para a poder distribuir, tem que contar com as PME que todos sabemos que estão a atravessar um momento muito complicado. Ora é exactamente nesse momento que se martiriza mais. Não sou a favor de nunca pagar portagens, digo é que há um momento de carência para alavancar e incentivar o desenvolvimento económico. Este seria o pior momento para a aplicação.


Os empresários de Paços de Ferreira estão preocupados com a introdução de portagens?

Vai ser muito penalizador. Nesta altura, tudo o que signifique um aumento de custo é uma preocupação para os empresários. Da indústria transformadora temos à volta de mil empresas, e muitas delas são micro e pequenas empresas, e ter ou não ter mais custos tem um grande significado. É por isso que eu, enquanto presidente de câmara, não posso deixar de me bater por aquilo que eu acho que é uma injustiça.


Houve muitas perdas de postos de trabalho?

Houve. De 2005 ao início de 2009 o desemprego veio de três mil para 1600 desempregados. O ano de 2009 fez passar de 1600 para 3600. Este aumento de desemprego tem muito que ver com a micro-empresa familiar que trabalhava em regime de subcontratação para o comércio local, que teve quebras brutais, em alguns casos superiores a 60 por cento. O mobiliário depende do consumo e o consumo baixou em todo o lado, não só em Portugal. No vestuário, as médias empresas continuaram a progredir, nomeadamente as que têm uma grande vocação internacional. Mas quem estava na subcontratação entrou em dificuldades. Paradoxalmente, o concelho tem vindo, no seu conjunto, a aumentar o seu volume de negócios global. Em 2006 era de 607 milhões, e em 2009 era já da ordem dos 700 milhões de euros.


Teme que muitos desses desempregados passem a ser de longa duração?

> Esse é o meu grande receio. Por isso é que no nosso projecto de captação de investimento procuramos incentivar projectos que absorvam trabalhadores indiferenciados. Tem que ver com a população com mais de 45 anos, que trabalhava há 20 ou há 30 no mesmo sector. Isto pode ser um drama social se não conseguirmos que a economia os volte a absorver e que lhes dê nova oportunidade.
Por isso, se por um lado estamos atentos a projectos que tragam valor acrescentado e inovação, por outro não podemos pensar que o País vai ser só inovação senão esquecemos a realidade da mão-de-obra que temos.


Foi conhecido na semana passada que Paços de Ferreira e Paredes vão oferecer os móveis para as sacristias que vão ser instaladas na Câmara do Porto para a visita do Papa Bento XVI. Este tipo de acções de marketing são importantes?

São muito importantes. A marca Capital do Móvel é de 1984 e nós temos que estar constantemente a lembrar ao consumidor qual é o destino dos móveis em Portugal. O que nós queremos é que cada cidadão, quando pense em móveis, pense automaticamente na Capital do Móvel e em Paços de Ferreira. Aqui não é só uma acção de marketing, mas também algo que nos enche de orgulho. O Papa vai sentar-se num cadeirão especificamente criado para o momento, concebido e construído em Paços de Ferreira.

Para além desta questão de marketing interno, aquilo que julgo que urge é criar uma marca portuguesa de mobiliário. O mobiliário português não tinha grande imagem e hoje é reconhecido, por exemplo, em Espanha e em França. Se de uma forma quase avulsa conseguimos estar em mercados como o da Rússia, da Alemanha, da Itália, do Catar ou do Dubai, o que conseguiríamos se uníssemos esforços… Há menos de um mês instalou-se aqui uma central de compras de um grupo israelita com um grupo de Hong Kong, que só este ano vão comprar para as suas lojas mais de dois milhões de euros de mobiliários em Paços de Ferreira. Se houver uma estratégia adequada na criação de uma marca de mobiliário de Portugal e incentivos para a internacionalização, este é um dos sectores com mais futuro em Portugal.


Parece-lhe que o Governo devia apostar nos móveis da mesma forma que está a apostar na criação de uma marca de vinhos portugueses?

Julgo que para todos os sectores em Portugal é preciso definir quais são as empresas que sendo incentivadas, são produtivas e competitivas. Decisivamente é preciso avançar para o estrangeiro. Andamos a discutir défices e PEC e só andamos a adiar o problema, porque o País tem tido quase sempre uma visão orçamental da sua gestão e tem que ter uma visão de produção de riqueza. Se temos uma estrutura económica diversificada, temos que decidir o que é que vamos começar a produzir mais em Portugal para importarmos menos, e o que é que temos em Portugal que podemos exportar.


Existem contactos com o Governo no sentido de apoiar o Cluster do Mobiliário Português?

Temos, nomeadamente com o Governo anterior; ainda com Manuel Pinho, conseguimos chamar a atenção para este sector. Mas tem que haver vontade política para que os processos não andem anos a arrastar-se. A criação do Cluster do Mobiliário Português foi anunciada há um ano e os passos que foram dados foram quase nenhuns. O financiamento obedece a não sei quantas regras brutais de burocracia que fazem as pessoas desinteressarem-se. Há uma visão distante das coisas.

Ainda há dias foi reprovada uma candidatura de uma empresa que vai instalar-se aqui, em Paços de Ferreira, e que produz fraldas para incontinentes. Portugal produz zero, ou seja, importa 100 por cento. Esta fábrica permitiria reduzir a importação em cerca de 60 por cento se recebesse algum incentivo. Senão, o projecto será mais pequeno e reduzirá a importação em apenas 30 por cento. O relatório final de um burocrata qualquer metido não sei onde é dizer que não há inovação, logo, não há incentivo.

Outro projecto, que está a avançar, de produção de máquinas de construção civil, que tem larga saída nos países dos PALOP e do Magrebe, também não é inovação.

Apesar de tudo os projectos avançam, mas não se percebe como é que gente que nunca entrou numa empresa consegue medir o grau de inovação dos projectos. Não sei se há um termómetro para a inovação… Um investimento que faz com que Portugal dependa menos do estrangeiro e que cria não sei quantos postos de trabalho não merece um incentivo porque não inova?!?!

in
Semanário Grande Porto (Porto, Entre-Douro e Minho)
26/03/2010

Comentários

Pedro Matos disse…
"Não sei se há um termómetro para a inovação… Um investimento que faz com que Portugal dependa menos do estrangeiro e que cria não sei quantos postos de trabalho não merece um incentivo porque não inova?!?!"


Excelente ponto de vista!

É com este tipo de coisas que temos de acabar...os atrasos que causa ao desenvolvimento do país esta burocracia toda...e más decisões!
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

De uma maneira geral, quem decide, aos diferentes níveis, o que se deve ou não deve fazer, não conseguiu obter a experiência empresarial em pequenas e médias empresas que lhe permita ter capacidade suficiente para poder optar correctamente, por ter sido sempre "as costas quentes", sem enfrentar qualquer tipo de dificuldades. Mas, se ao menos tivesse algum estofo intelectual e cultural que lhe soprasse à sua consciência decisora uma interrogação crítica sobre as diferentes alternativas colocadas na defesa do interesse público, vá que não vá. Nem isso sequer.
Nunca admitem sequer tal hipótese de análise crítica e decidem de acordo com critérios que ninguém consegue compreender objectivamente, muitas vezes, tal como acontece com as grandes obras públicas e as auto-estradas que ora avançam e recuam, conforme o estado do tempo ou o grau de humidade, só pode serpor isso.
Tudo o que seja investimentos que aproveitem majorativamente o mais possível os nossos recursos próprios na produção (riqueza) em falta para os mercados interno e externo ou que contribuam para a substituição de importações de produtos que sempre consumimos (substituição de riqueza alheia por riqueza própria), deve ser implementado sem demora e da melhor forma possível, exigindo ou não inovação, mas sem os tiques fundamentalistas de quem vê a inovação como a solução de todos os nossos males. Poderá acontecer em muitos casos, mas noutros não, com elevada probabilidade de até geral efeitos contrários aos desejados, se não enfileirarem nas nossas vocações próprias e riquíssimas diversidades, distribuídas pelas imprescindíveis 7 Regiões Autónomas.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)