Sejamos realistas

Mendes Bota tem razão quando classifica as declarações do Presidente da República acerca da regionalização em Portugal como «infelizes» e «inexatas». Falar-se em regionalização e recordar um referendo efetuado há doze anos, para sustentar que o povo não deseja um processo administrativo novo para Portugal, é como que afirmar a não evolução política dos cidadãos e retirar-lhes um direito consagrado na Constituição.

Tudo é mais confuso quando o Presidente da República aviva o seu anti-regionalismo em terras de Espanha, sabendo-se que este país tem regiões autónomas que lhe dão a pujança conhecida e uma diversidade étnica onde, em pleno século XXI, ainda perduram movimentos de libertação das suas terras.

Aliás, Portugal é dos poucos países europeus onde este poder intermédio não existe, levando a que haja um fosso entre a realidade do litoral e do interior.

Porque os políticos centralistas fazem da política um «negócio» para a sua manutenção no patamar da governação, e, para que tal seja possível, há que dar às clientelas a preferência, e essas estão em maioria nos grandes centros.

A periferia, pelo seu estatuto e marginalidade, tem tendência para ser esquecida, porque esta clientela não gera lucros suficientes e é dispensável em termos de apuramento final.

Sejamos realistas. Mendes Bota afirma que o «modelo centralista já deu sobejas provas de que só tem acentuado os desequilíbrios regionais e a desertificação humana e económica da maior parte do território nacional», e tem razão quando o diz, porque salta à vista de todos a fuga das pessoas do interior para o litoral, bem como o crescimento económico a centrar-se nessa faixa territorial. Quando se fala em regiões administrativas estamos a falar numa reorganização do Estado, não só a nível da administração, como territorial.

A leitura que se faz aos últimos vinte anos de democracia-partidária em Portugal leva-nos à conclusão de que os protagonistas organizaram-se corporativamente, pintalgaram os cenários com ilusões semânticas, mas, no fundo, o princípio da proteção classista persiste, apesar de estarmos num regime apelidado de democrático.

O protecionismo da classe dominante, em todos os domínios, é o estado vigente. Quem mais sofre são as classes baixa e média, porque não possuem capacidade de reação e estão demasiado dependentes da estrutura instalada, até porque não têm o poder de se fazerem ouvir, nem a capacidade de se organizarem para serem ouvidas, porque a cultura que lhes é transmitida é a da subserviência e da luta entre iguais, como forma de prevalecerem um só degrau acima do seu vizinho.

Como interpretar que a sondagem do jornal «Público» tenha concluído que os portugueses, numa percentagem acima dos 50 por cento, admitem que o primeiro-ministro mentiu no negócio da PT/TVI, e logo de seguida dizem que, mesmo assim, continuam a votar nele?

Isto é: é preferível ter um mentiroso, sabendo que até nos pode mentir noutras situações, porque, assim, o povo também pode mentir, ter as suas atitudes de falta de cidadania, argumentando que, se o primeiro-ministro pode, porque razão é que nós não podemos?

É um sinal de mediocridade e de falta de honestidade intelectual, porque a sociedade portuguesa tem vindo a perder valores. Começa na escola, passa para a sociedade e entra no relacionamento pessoal. Salve-se quem puder.

É uma questão cultural – os povos do Sul, por questões genéticas ou de clima, preferem regimes ditatoriais, e parecem conviver bem com essa fórmula, por comodismo e pelo prazer de, sempre que podem, menorizar o seu vizinho.

Os povos do Sul são avessos ao associativismo.
Portugal, como pequeno país, podia abandonar o sistema parolo vigente e mostrar alguma sabedoria, evoluindo no seu sistema democrático.

Ter os cidadãos, como base, tratados igualitariamente, dando-lhes direitos e deveres, independentemente do seu estrato social. Será a utopia, mas é das utopias que nascem valores mais consistentes e que o tempo pode aperfeiçoar.

É descentralizando, dando competências com a devida dignidade às regiões, que Portugal pode evoluir para uma situação de desenvolvimento equilibrado.

É reformulando a lei eleitoral e o sistema partidário, possibilitando, inclusive, o aparecimento dos partidos regionais e os círculos uninominais, que podemos caminhar para uma maior participação dos cidadãos na vida pública.

Os políticos sabem que o atual sistema democrático-partidário está ferido de inconstitucionalidades, mas não querem abordar o tema, porque, se o fazem, vão mexer com muitos interesses instalados, que lhes tocam diretamente.

Logo, nada melhor do que calar, aguentar e andar à tona da água, para que outros não venham a ocupar esse lugar e alterar as regras da corporação onde estão instalados e lhes permite subsistir e manter o estatuto de privilegiados.

Como proposta para reflexão, sugiro que se debata e aprofunde o sistema de castas existente em Portugal...

15 de Março de 2010 | 14:30
Helder Nunes
Barlavento Online (Portimão, Algarve)

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Sejamos então re(gion)alistas e não castistas, pois relativamente aos primeiros teremos uma grande vantagem comparativa e competitiva face a qualquer sociedade descentralizada, pela diversidade da nossa riqueza cultural e social, nunca possível obter com os segundos.
De castistas já estamos cheios até à medula, especialmente quando aparecem envolvidos numa estratégia de domesticação e de empunhamento chicoteal, de clara e objectiva intervenção favorável à prossecução da mais serôdea intenção desportiva e à mistura com um daltonismo mais próprio de cegueta do que de olheta, sem olharmos a qualquer "default" de estrábica origem.
No entanto, se formos atender à cloroflurescência das intervenções suprageográficas, as consequências aproximam-se muito das seguidelas fantasmagóricas de uma intencionalidade pura e nacionalista, bem integrada nas manifestações de uma intenção solidária com as melhores experiências nacional-centristas revestidas de uma indumentária literária própria dos mais puros figurinos e estilistas lusos, quais especialistas do éden e no amarrotamento do mafarrico.
Com esta envolvência, nunca mais será possível uma compreensão clara e precisa do ambiente despo-funcional de uma altercação somática na definição das cores autênticas de um intervencionismo conducente ao mais puro sentimento nacionalisto-desportivo.
Por todas estas limitações, dificultadas pela incerteza dos efeitos dos investimentos de grandes dimensões é que se deverá pugnar pela definição e concretização das pequenas coisas, consubstanciadas na intensificação da produção própria, no estímulo da concorrência perfeita, na utilização plena dos nossos recursos materiais e humanos (os recursos endógenos), no equilíbrio social, na dignificação da nossa soberania, no aprofundamento do conhecimento e no desenvolvimento das tecnologias, paar se erradicar de vez todos os tumores individuais e colectivos que costumam entorpecer o desenvolvimento do que quer que seja, mesmo de uma determinada sociedade.
Só pela fruição destas pequenas coisas ligadas à vida vale a pena implementar a regionalização com base nas 7 Regiões Autónomas, muito para lá de Penafiel, com respeito total pelos que estão para lá do Marão e para baixo do rio Douro e para baixo do Rio Tejo, se entretanto tudo não ficar em causa com nenhum terramoto, forte ventania ou inundação, às vezes as únicas formas de aliviar certas mentes da sobrecarga de grandes desgraças ou fados.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
sergio costa disse…
Discordo da frase em que se afirma: "Portugal é dos poucos países europeus onde este poder intermédio não existe (...)". Os Açores e a Madeira situam-se em que país?
Caro Sergio Costa:

Sim, de facto é verdade. O autor certamente quererá referir-se a Portugal Continental e generalizou precpitadamente.

Infelizmente, constata-se que muitas vezes se esquece o excelente exemplo que nos chega dos Açores, prova cabal de que a instituição de governação regional, seja ela administrativa ou autonómica, é decisiva para o desenvolvimento.
Pela forma democrática e justa como foi conduzido, do qual se destaca a inexistência de capital regional, e a distribuição dos serviços pelas capitais de distrito, e pelos resultados positivos que tem atingido, o processo regionalista nos Açores deve ser sem dúvida um exemplo a seguir.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
So' quem nao conhece as diferencas entre estes dois politicos algarvios pode ficar surpreendido!
Um e' um homem se'rio o outro uma marionete do partido!
Um nao tem nada a perder!
O outro jogando para um tacho mais... um dia.
Um um nacionalista... O outro um vendido.
Atento!
Anónimo disse…
Quem escreveu este artigo é suposto defender os valores nacionais e o progresso? Critica a mediocridade, mas ainda assim vendeu-se ao Acordo Ortográfico.