“Norte triste, enojado e revoltado”

|CAA|

«Eu não sei bem o que é o Norte. O conceito deve ter sido inventado pelos centralistas que olham o mapa do país na vertical e pasmam com as terras ‘lá de cima’. Na visão lerdamente afunilada dos que crêem na bondade de um só centro de decisão nacional, o Norte é uma espécie de mapa cor-de-rosa, indefinido e distante, cujo começo se dará mais ou menos após Santarém e se estenderá até aos arrabaldes de Helsínquia.


Os lugares do Norte são muito diferentes entre si. Contudo, para a estreiteza centralista o Norte é uno, tipificado numa amálgama caricatural e com nomes estranhos apodados em rábulas de Fedorentos e quejandos. Porque o centralismo é feito do cultivo esmerado da ignorância sobre o outro e do seu granjeio trocista para o riso fácil dos afins.

Quando estudava em Lisboa, uma colega tão bonita quanto asnática perguntou-me: “Ai és do Porto, que giro! Eu tenho lá um amigo, o Pedro, conheces?”. Meio atónito, consegui balbuciar que sim: “Deve ser aquele que vive ao lado das fotocópias…”. Ela, claro, não percebeu e ficou feliz pela integral consonância da sua ideiazinha com o seu pequeno Mundo. Hoje, imagino-a num alto cargo num qualquer ministério a tomar decisões de monta sobre o tal Porto e aquele Norte que nunca conseguirá entender.

Depois, julgam que o Porto é capital desse Norte que fantasiam – o Porto não é capital de coisa nenhuma a não ser de si próprio, da sua diferença, do orgulho da Inquisição que nunca lá ficou, da memória dos grandes comerciantes que ali mandavam e que faziam leis para si próprios não permitindo que os nobres pernoitassem na sua cidade nem obedecendo a regras que viessem de fora. O Porto sempre teve como ambição mais elevada que o deixassem em paz para se poder governar a si mesmo e não aos outros.

Na geografia, o Norte corresponderá à região acima do Douro a que se juntarão outras, como Lamego, que fazem daquele rio e do seu modo de ser. Mas as terras que estão para lá do Marão guardam discrepâncias essenciais face às litorais – no bom e no pior. O litoral é muito mais desenvolvido, o Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes estão cada vez mais esquecidos. A população afasta-se, com razão, desses lugares onde as auto-estradas já chegam mas de onde foge a Administração. Hospitais, escolas, polícia, tribunais e os serviços essenciais que o Estado guarda quase só para si, todos se vão embora porque, dizem, já não há gente para servir. Por sua vez, as pessoas que restam, abalam para outros lugares porque já não há serviços que lhes valham. Porque o Estado centralista em que jazemos votou o interior ao destino enfraquecido de ser uma área vocacionada para o plantio de eucaliptos e o apascento de cabras e ovelhas…

Porto, Viana, Aveiro e Braga têm de ser a voz daqueles a quem o centralismo tornou afónicos.

O Norte está doente. Mas o mal não vem de si, apenas. O dinheiro do Estado quase não aconchega as suas primeiras necessidades. O dinheiro da Europa é desviado para engrossar a região mais rica do país com pretextos espúrios.

E há episódios simbólicos – o Governo do mesmo partido que fez as auto-estradas que juravam sem custos para o utilizador, agora, com veemência igual, impõe que as ditas SCUT sejam pagas. Mas não por todos. Sobretudo no tal Norte. Outras regiões, bem mais ricas, ficaram isentas. Mas Aveiro, Porto, Viana e Braga foram premiados com portagens em nome de um princípio logicamente esburacado.

Há cinquenta anos, Salazar quis portajar a ponte Arrábida sobre o Douro – até fizeram as cabines. Apesar de existir uma ditadura que sabia ser feroz, a região levantou-se e não o consentiu.

Que Sócrates não submeta onde Salazar recuou.
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Comentários

Excelente artigo, quer pela crítica ao centralismo, quer por revelar a incoerência do Norte.

Partilho completamente da opinião do autor quando diz que «não sei bem o que é o Norte. O conceito deve ter sido inventado pelos centralistas que olham o mapa do país na vertical e pasmam com as terras ‘lá de cima’.».

Exactamente o mesmo se poderia dizer do "centro", uma "posta" de território recortada que junta os que não se dizem "nortenhos", mas estão demasiado ao norte para serem do "sul".

Só é pena que as "forças vivas do norte" e do "centro", os que se dizem "nortenhos" ou do "centro" (nem gentílico há para essa região, já repararam?), teimem em não perceber isso.
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Ainda bem que já começam outras intervenções a classificar o Norte como uma espécie de região nado-morta centralista, tal como os seus mais fiéis defensores que não passam de "bibelots" da regionalização, das cidades e até do nosso País e que tardam em "largar" o poder, não se distinguindo, neste aspecto, em nada do Presidente Salazar (pelo nosso País, há ainda muitos Salazares, infelizmente).
O seu único objectivo é assegurar a defesa de interesses que nunca serão nem regionais nem nacionais, à semelhança dos que foram protegidos pelos defensores do NÃO à regionaliação, no referendo de 1998.
Agora, lanço uma pergunta: - Acham que vamos chegar a algum lugar dentro do desenvolvimento económico, social e cultural próprio de nações qualitativamente desenvolvidas?

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)