Notícias do Alentejo

A Regionalização é necessária. Não se podem queimar etapas!

Logo em 27 de Maio de 1992, quando na Ponte de Ajuda – Olivença se procedeu à assinatura do protocolo de colaboração entre a Extremadura e o Alentejo, os mais atentos puderam perceber que dificilmente teria eficácia uma parceria cujos parceiros não estavam em pé de igualdade.

De facto, quando o Presidente da CCDR Alentejo, então o Dr. Carmelo Aires, assinava o documento em representação do seu ministro, não lhe podia garantir a mesma dignidade que o então Presidente da Junta de Extremadura – Juan Carlos Ibarra ali colocava. O primeiro assumia-se como um funcionário às ordens do poder centralista de Lisboa, enquanto que o segundo falava em nome de todos os extremenhos, sustentado no facto de ser o presidente eleito do governo autonómico de uma região espanhola.

Era um tempo em que os responsáveis locais dos diferentes órgãos descentralizados do estado necessitavam de autorização superior para atravessarem a fronteira, o que originava sempre uma de três situações: os parceiros extremenhos deslocavam-se a Elvas, Portalegre ou Évora, não se concretizava o encontro necessário ou, o que era mais corrente, o funcionário atravessava a fronteira como se a deslocação fosse turística.

Ainda assim, fruto de inúmeras boas-vontades e do crescimento dos que viam no derrubar das fronteiras um desafio para os territórios para quem as ditaduras de Salazar e de Franco haviam destinado os mais baixos patamares de desenvolvimento dos respectivos países, a cooperação foi avançando.

Para quantos há muito haviam percebido que Badajoz, Cáceres, Mérida, Elvas, Portalegre e Évora estavam muito mais próximas entre si (e não falo só em quilometragens) do que cada uma delas com Madrid e/ou com Lisboa, para os que viam a Raia como uma oportunidade de atingirem os patamares de bem estar que sempre lhes foram negados, o tempo era de estreitar distâncias, de romper as fronteiras que se lhes foram colocando ao longo de séculos e que não eram, longe disso, apenas as fronteiras geopolíticas.

E assim fomos abrindo caminhos, como diz o poeta, caminhando. Em 1994 na Ponte de Alcântara era a CCDR do Centro a firmar protocolo idêntico com a Extremadura.

Os trabalhadores, os homens e mulheres da raia, já há muito haviam eleito a zona raiana como ponto de união e a fronteira como mero obstáculo imposto de longe e que era preciso contornar.

Fora assim nos tempos das ditaduras sempre que foi necessário esconder e apoiar as vítimas da guerra civil e os defensores da república espanhola, fora assim, sempre, quando a fome de um e outro lado da raia impunha a passagem sofrida por trilhos da noite com os carregamentos de café, de carnes e outros produtos, era agora assim, de novo, para quantos passavam a fronteira para procurarem no “Valle del Jerte” ou nas “Vegas del Guadiana” o trabalho que no Alentejo lhes fora negado com a destruição da Reforma Agrária.

A realidade nos campos, vilas e cidades do Alentejo e da Extremadura em articulação com a vontade dos organismos de cooperação internacional criados nos seio da União Europeia onde os dois estados se integraram foi tornando “mais natural” o fim das fronteiras políticas e, mesmo os organismos oficiais foram “fazendo caminho” sob as politicas desenvolvidas pela Associação das Regiões de Fronteira da Europa – a ARFE.

Constituíram-se Comunidades de Trabalho, criaram-se Gabinetes de Iniciativa Transfronteiriça, desenharam-se e executaram-se projectos comuns a duas ou mais regiões e no que ao Alentejo diz respeito estimulou-se uma estratégia de cooperação assente em três eixos principais: a cooperação territorial, a cooperação temática e a cooperação sectorial.

No âmbito das políticas europeias de coesão territorial aprendemos a conhecer-nos e a programar e executar politicas que rompiam as fronteiras (já não as fronteiras politicas) ainda existentes: as fronteiras culturais e linguísticas, as fronteiras do desenvolvimento desigual existente de cada um dos lados da raia.
Os trabalhadores e trabalhadoras e o seu movimento sindical estiveram sempre na linha de frente desse caminhar.

Aos seminários e encontros temáticos oficiais (onde sempre participaram) juntavam o trabalho transfronteiriço na Extremadura e no Alentejo em defesa dos trabalhadores fronteiriços, prestavam apoio aos “temporeros” nos campos extremenhos e aos médicos e enfermeiros que vinham para Portugal, aos camionistas que utilizam as vias transfronteiriças, aos muitos outros que semanalmente se deslocam num caminhar entre o trabalho e a família.

Para que tal fosse possível foram assinados protocolos entre os sindicatos alentejanos e extremenhos através dos quais se garantia apoio sem restrições aos associados que passavam “a fronteira” para trabalhar e, depois constituída uma estrutura de direcção sindical transfronteiriça – O Conselho Sindical Inter Regional Alentejo/Extremadura que foi, durante anos, a única organização transfronteiriça legalmente existente.
Muitos dos Municípios do Alentejo e da Extremadura têm hoje projectos comuns.

Termos como euro-região, euro-cidade, comunidade de trabalho e outros, fazem parte não apenas do nosso vocabulário nas do nosso quotidiano e, a 21 de Setembro último, na Casa das Artes e Cultura do Tejo, em Vila Velha de Ródão, uma instalação que é um bom exemplo das politicas de cooperação transfronteiriça, foi assinado o protocolo de constituição da Euro Região Alentejo-Centro-Extremadura a EUROACE.

A constituição da EUROACE pressupõe um novo passo no caminho, sem barreiras, que se quer percorrer. Não tendo personalidade jurídica a EUROACE possui estrutura orgânica e será presidida rotativamente por cada um dos territórios que o integram sendo o seu primeiro presidente D. Guilhermo Vara, Presidente da Junta de Extremadura.

Tendo como objectivo fomentar a cooperação transfronteiriça e inter-regional entre as três Regiões que a compõem pretende actuar prioritariamente nas áreas que entende como fundamentais: agricultura, recursos naturais e ambiente; protecção civil, desenvolvimento local e ordenamento do território; competitividade regional, inovação e desenvolvimento tecnológico; energia, transportes e comunicações; património, cultura e turismo; educação, formação e emprego; juventude e desporto; saúde e serviços sociais.

Os trabalhadores e trabalhadoras de um e de outro lado da “fronteira” e os seus sindicatos estão, por tudo quanto fizeram, em perfeitas condições para assumirem uma postura de apoio à construção de novas formas de cooperação mas também, porque o trabalho feito lhes dá essa autoridade, para reivindicarem novos patamares de cooperação.

Como já o era em 1992, é agora absolutamente necessário que os diferentes parceiros não se situem em patamares de poder e representatividade muito diferentes.

Não é expectável um funcionamento e crescimento regulares se de um lado se sentar um poder real e legitimado pelo voto popular e do outro um corpo de funcionários de um poder distante que, por mais vontade e disponibilidade que possuam, nunca poderão sentir-se como iguais nesta parceria.

A criação da EUROACE junta-se assim às outras muitas razões que tornam imperioso dotar as diferentes regiões e em particular o Alentejo de uma estrutura de poder legitimado pelo voto e com competências próprias: a Região Administrativa ALENTEJO.

A hora é de mudança. São cada vez mais as razões que a justificam.

|Diogo Serra|

Comentários

Vasquez da Gama disse…
Quem "criou" este mapa das regiões? Não será este um tema em discussão?
assim como estão com 5 regiões demarcadas mais as 2 ilhas ficam demasiadas regiões.
Caro Vasquez,

O mapa das 5 regiões administrativas é hoje quase consensual ao nível dos principais partidos portugueses (excepção, talvez, ao CDS), daí, nesta fase, para nós regionalistas, não ser muito oportuno estar a colocar mais escolhos neste processo já de si muito acidentado.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caro António Felizes,

A dopção do mapa das 5 regiões administrativas, com base nas nado-mortas comissões de desenvolvimento regional é um erro político primário, só compatível com a deefsa de interesses não indentificados com o interesse nacional e com os interesses legítimos de cada região natural ou histórica.
Como é possível não existir um único político com visão política e estratégica, capaz de perspectivar o desenvolvimento político do nosso País num período mais alargado de 5 a 10 anos? Será que o PEC que nunca foi estudado, ao que se sabe, por nenhuma Faculdade ou conjunto de Faculdades de Economia do nosso País, vai ficar como o ÚNICO símbolo amorfo da nossa capacidade de perspectivar o nosso futuro a longo prazo?
Se é, triste sina.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Caro Anónimo pró-7RA.,

Já discutimos esta questão muitas vezes. Continuo a pensar que a Regionalização é um processo e não um a realidade estática.

Ora, se quem decide (partidos) é de opinião que se deve iniciar o processo tendo por base as 5 regiões de planeamento já existentes (CCDRs) dando-lhes novas competências e, sobretudo, democratizando-as, não tenho dúvidas que isto simplifica o processo e torna tudo mais fácil e pacífico.

Demonstrada a virtualidade e eficácia deste novo nível de administração, nada impede que as coisas possam evoluir para novos patamares administrativos.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Caro António Felizes,

As entidades decisoras não são os partidos, embora o seu consenso seja uma espécie de código postal, isto é, é meio caminho andado. Este tipo de decisões terá de ultrapassae e muito o quadro meramente interesseiro-partidário.
Mas se assim for, estaremos mais uma vez a andar para trás no domínio da convergência real, a andar para a frente na proliferação da burocracia republicana militante, correr a alta velocidade no aprofundamento de mais assimetrias regionais e no reconhecimento sem exigências notariais do ZBD ("zero base-development"), dado que se se extinguirem as actuais CCDR'S ninguém dará por nada (agora, some-lhe os governos civis, institutos públicos meros correios, etc, etc).
Acha que tudo isto é pouco para não justificar as 5 Regiões Administrativas e burocráticas e podermos raciocinar e actuar em termos de médio e longo prazo? Os partidos políticos estão reféns de outros interesses que não os do interesse nacional ou então muito mal assessorados em termos de desenvolvimento regional e nacional.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)