Discriminados

Nesta coisa das SCUT’s e da discussão que por aí grassa acerca de todos as pagarem ou não, os senhores que reduzem tudo ao dinheiro e a mais ao que ele pode pagar, julgando que a eles jamais ele faltará porque estão entre os eleitos, defendem que nós, os que penduramos o pote no interior, não devemos ter direito a qualquer benesse. Quem usa paga, dizem eles com todo o ar de quem acabou de descobrir pólvora, uns por convicção, e outros para agradar ao chefe.

Eu não concordo neste caso em particular, e ainda não se passaram muitos dias, desde que vi reforçada esta minha ideia, com uma situação que levo por este meio ao conhecimento de quem estiver interessado. Poderão não ser muitos, mas uma floresta mesmo enorme, mais não é do que o conjunto de árvores individuais cada qual com as suas características.

Sucedeu que fiz uma viagem de comboio entre a Régua e o Porto, num daqueles dias de calor de rachar, algo que neste Verão é o que mais há, para mal dos pecados de quem sofre de afogueamento. Mas seguindo, para não me desviar. À forma do costume, fui por aí abaixo num trem mais ronceiro que carroça de antigo azeiteiro puxada por cavalo velho atormentado pelas moscas.

A comparação poderá parecer exagerada, que o é assim à primeira vista, mas se olharmos ao contexto e ao tempo da acção, logo se encontrará o equilíbrio na comparação.

Não estranhei as condições da viajem, pois se fosse a contar uma a uma as que já fiz na linha do Douro, nestas e em piores condições, enchia uma carruagem delas se as pudesse materializar. No entanto, chegado à estação de Campanhã, senti uma forte sensação. Foi dela aliás que me surgiu o tema para mais um escrito. Como tive de mudar de comboio para chegar à estação de S. Bento, mudei de linha e entrei num daqueles que fazem as ligações regionais em relação ao Porto. Era um comboio simples, amarelo, limpo, sem luxos, mas com ar condicionado e conforto que basta para uma viagem agradável.

Por comparação, foi como se estivesse a beber um vinho carrascão e de repente metesse aos lábios um vinho daqueles de estala que até fazem a vida ter mais gosto. Viajei nos anos, e passei de uma jornada ao jeito de há quarenta anos, quando as comecei a fazer, para uma outra ao modo do século XXI num país moderno e com pessoas de deveres e direitos iguais. O problema, é que de imediato me senti enquanto cidadão integral diminuído nos meus direitos. Ali, vi logo que viajar daquela forma, para mim e para mais os que habitam na minha região, unicamente é possível no percurso de uns escassos quilómetros. De comboios modernos para nós, só um cheirinho deles nos permitem, ainda que com os nossos impostos, para eles contribuamos como qualquer outro de outras bandas que diariamente os utilizam.

Posso estar enganado. Mas senti-me então, como todo o direito de viajar entre as três principais cidades do Douro sem pagar um tostão. Este já não existe, mas é um modo de dizer, para transmitir uma ideia que reputo de justa.

Não me venham cá com o tal princípio do utilizador/pagador, senão começo a pedir a parte que paguei e nunca utilizei. Dêem coesão ao território, e igualdade de condições de vida a quem vive por detrás do sol posto, e então sim depois falaremos disso. Valeremos pouco para quem decide, uma vez que não somos uma multidão de votos, mas sabemos o que queremos. Não somos tolos nem andamos somente a ver passar os comboios. Que deixem de nos menosprezar é o mínimo a exigir da nossa parte. Digo eu.

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