A Regionalização em Portugal

|Daniel Gameiro Francisco|

A regionalização em Portugal foi profecia que não se cumpriu a si mesma. Abordá-la do ponto de vista sociológico equivale a indagar as razões práticas duma omissão tão flagrante quanto, paradoxalmente, aceite sem grande contestação por todas as forças políticas.

De facto, muito embora a regionalização tenha merecido da parte do legislador democrático a consagração normativa fundamental, tornando-se matéria constitucional logo a partir de 1976, não agregou as dinâmicas políticas, sociais e institucionais necessárias para se implantar na estrutura administrativa do país. Sem necessidade de se ver confrontados com qualquer quebra de legitimidade, temos neste particular um Estado que falta ao encontro com a sua Constituição e um conjunto de partidos que se desvincula dos seus próprios programas de Governo.

A regionalização é exemplo ilustrativo duma certa lógica de funcionamento do Estado em Portugal, cuja vulgarização em vários domínios se tornou autêntico veículo de cultura política.

Desde os domínios da legislação laboral aos compromissos sociais gerais (saúde, educação, segurança social), passando pelas tarefas da sua própria descentralização, um vasto conglomerado de acções, omissões e estímulos foi sendo fornecido pelo aparelho público no sentido de relativizar a sua própria Constituição ou subverter parte da legislação decorrente dos princípios nela inscritos.

Na verdade, o mecanismo da regionalização nunca foi ideológico. Jamais se verificaram grandes incompatibilidades doutrinárias a seu respeito. Embora os partidos tenham divergido quanto aos modelos da divisão regional, o discurso partilhado reforçava a profissão de fé no projecto. No entanto, tratava-se de algo a investir somente enquanto oposição e nos momentos eleitorais. Atingido o poder, a regionalização revelava-se subitamente “disfuncional”.

Pensamos de facto que um dos dramas da regionalização em Portugal foi o de não ter servido duravelmente qualquer estratégia de poder duma elite específica. A mobilização quase exclusiva das energias partidárias para conquistas dentro do aparelho central do Estado terá implicado a difícil percepção, para os actores em jogo, das vantagens dum sistema regionalizado para os seus percursos individuais, o que contribuiu para os consecutivos adiamentos da regionalização e até para a recentralização do sistema político, verificada com a afluência dos Fundos Comunitários, a partir de 1986. Aparentemente, todas as tarefas administrativas poderiam cumprir-se através do funcionamento articulado do poder local com a autoridade central.

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