Douro: Pensar e agir antes que seja tarde

|Manuel Igreja|

Por ocasião da sua Assembleia Geral anual a Liga dos amigos do Douro Património Mundial, levou a efeito logo após a reunião alargada, a organização de uma conferência na qual se ouviu e se reflectiu acerca da realidade presente e futura do sector da vinha e do vinho no Alto Douro Vinhateiro.

Convidou-se para o efeito um conjunto de empresários da coisa, todos eles de vanguarda e de sucesso. Uns já há mais de vinte anos na actividade, outros menos, mas cada um por si poderá em absoluto ser tido como um caso de exemplo a seguir.

Isto, escrevo eu, obviamente com o risco de opinar sobre algo sem profundo conhecimento de causa, pois como dizia o meu avô, cada um sabe da sua vida, e Deus da de todos. Mas ser-me-á por certo perdoado o atrevimento, uma vez que as aparências pelo menos justificam a referência. Por mim, só desejo estar certo.

Seja como for, entrando alguém estranho na sala, para que conste, no edifício sede do Museu do Douro, logo haveria de pensar que estava numa rica região. Se estaria ou não numa região rica, isso somente ao fim de mais uns olhares atentos sobre a realidade alguém lhe poderia dar a resposta a tão importante questão, Isto partindo do princípio que seria encontrada, que nestes assuntos há quem diga uma coisa e o seu contrário.

No Douro, falar de crise, é algo tão antigo e natural como cortar um cacho de uvas em tempo de vindimas. Era bom que beber um cálice de vinho generoso também fosse hábito tão assíduo, mas infelizmente nunca foi e nem é ainda. Vamo-nos antes para os destilados que fazem mais mal. Mas pronto, são costumes.

Mas também no Douro verem-se sinais exteriores de riqueza e de dinheiro fácil a par dos ditos sobre crise na viticultura é o que nunca faltou nem falta. Ainda sou do tempo em que ser proprietário era profissão sem trabalho ou com muito pouco, e ser filho do dito, dava estatuto e conferia condição de vida.

Adormeceu-se por causa disso à sombra da bananeira, que é como quem diz da parreira, no Douro. A sorte grande com terminação do benefício dava para tudo. Ter visão empresarial e de estratégias para o futuro, era para os outros. Por cá bastava herdar-se uma quinta mesmo que não fosse das maiores, para que a vida corresse à semelhança do rio que vai para o mar.

Foi este estado de alma e de coisas, que alguns dos vitivinicultores presentes naquela sala naquela tarde, conseguiram contrariar e alterar. Podemos bem tirar-lhes o chapéu e fazer-lhes a vénia. Souberam acabar com o paradigma da inércia na parte que lhes coube. Por essa via, conseguem hoje em dia que os seus vinhos ombreiem em todo o mundo com todos os outros. Aliás, em termos de qualidade pedem meças e ficam nos primeiros das tabelas. Devem ter orgulho no trabalho que desenvolveram, e o Douro bem pode orgulhar-se deles.

No entanto, onde a porca torce o rabo, não é aí, não senhor. A complicação que faz o céu enegrecer com borrasca anunciada, surge do simples facto de em termos de pipas de vinho produzidas, aqueles e mais um punhado de lavradores de casa feita, representarem nem um quarto da produção anual da região. Vinificam as suas uvas, engarrafam os seus vinhos, e melhor ou pior vendem-nos com um resultado que vai dando pelo menos para os gastos.

O problema está nos outros que são aos milhares. Está naqueles que produzem uma fruta chamada uva, que depois dá em vinho para contentamento e deleite de muitos. Esses empobrecem alegremente numa teimosia de manter esta nossa paisagem evolutiva e viva.

Podem crer que a não se encontrar solução para estes, nada tarde que nem a Liga possa valer ao património que não é nosso por ser de todos de toda a parte. Convém que de uma vez por todas na região se conclua acerca do que pode ela fazer por si própria, antes de pensar no que os outros podem fazer por ela. Antes que seja tarde.
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