A Regionalização

in Algarve Mais, Fevereiro de 2011

No último número da Algarve Mais, o nosso cronista Vitor Madeira reflectiu sobre a ausência de uma consciência regional algarvia, a crise politica do Algarve, os nossos políticos de pouca qualidade que se escondem atrás da regionalização para justificar a sua incapacidade e considerando que a regionalização não é solução. Sintetizo alguns pontos centrais e dou continuidade a essa reflexão.

1. Os algarvios estão alheados da matérias que implicam a região.

Concordo mas com duas nuances. A primeira é que o Algarve não é muito diferente do resto de um país distraído, no mínimo. Basta ver como nos últimos 30 anos os portugueses têm sido suavemente condescendentes ou apoiantes de governantes que nos levaram ao estado caótico do país. A segunda nuance é que, no Algarve, talvez metade da população e muitos membros da massa crítica que são os intelectuais e os decisores no sectores público e privado não são originários do Algarve, tendo vindo de outras regiões do país, não sentindo verdadeiramente o Algarve mas sim um estatuto vazio de um sentimento de pertença regional.

2. A influência e capacidade reivindicativa do Algarve são cada vez mais reduzidas no território nacional.

Concordo em absoluto. Basta ver como no Algarve o PS e PSD se calam perante a imposição de Lisboa, para o nosso circulo eleitoral ,de cabeças de lista às eleições legislativas vindos de outras regiões. Tal acontece porque actualmente é que temos um poder político isolado nas suas quintinhas das Câmaras às Direcções Regionais. Tal acontece porque temos dirigentes partidários cá, concordo que são de pouca qualidade e que se escondem atrás da regionalização para justificar a sua incapacidade, que estão mais preocupados com futuros lugares ou com estratégias políticas nacionais mesmo que sejam contrárias aos interesses do Algarve. Mas tal acontece porque esses dirigentes partidários contam com o alheamento quase generalizado e não respondem e não prestam contas mais directamente perante os algarvios. Precisamente porque os nossos dirigentes partidários regionais, por falta de regionalização, não passam pelo crivo do voto dos algarvios para uma liderança regional.

3. Os concelhos com menos habitantes ficarão a perder com a regionalização.

Esta é uma aritmética questionável. A pensar assim então teremos de dizer que o Algarve e Trás-os-montes têm que sair de Portugal porque são regiões menos populosas, que Alcoutim e Vimioso têm que sair das suas regiões e do país porque são concelhos menos populosos, que Moimenta e Giões têm de sair dos seus concelhos, região e país porque são freguesias menos populosas.

Uma coisa parece ser mais certa: uma região dinâmica trará vantagens para todos os seus concelhos. Por outro lado, o que se pode constatar é que é actualmente, sem regionalização, quem mais tem sofrido e mais se tem desertificado são as regiões, concelhos e freguesias com menos população.

Parece-me que as populações periféricas do nosso país têm sofrido mais precisamente porque somos o país mais centralista da União Europeia. Muitos erros governativos foram cometidos e demasiados recursos financeiros foram concentrados em Lisboa porque, consultando dados da OCDE, União Europeia e FMI, constata-se que Portugal apresenta um grau de centralismo político-administrativo na ordem dos 90% e de descentralização na ordem dos 10%. Pelo contrário, a descentralização é da ordem dos 19% na França, 27% na Holanda, 25% na Irlanda, 50% na Áustria, 45% na Dinamarca, 40% em Espanha, 35% na Finlândia, 25% na Estónia e 30% na Letónia.

4. A regionalização não é a panaceia para todos os males do Algarve.

Também concordo mas não sendo uma panaceia para todos os males é a resposta mais eficaz para alguns males bastante importantes. O primeiro, e talvez o mais importante, é a possibilidade de se ultrapassar o actual panorama do poder político-administrativo do Algarve: a divisão em quintinhas. Temos uma administração regional espartilhada num triângulo muito ineficaz: num vértice, as 16 Câmaras do Algarve e a sua Associação Metropolitana sem poderes, recursos, representatividade e peso dignos a um nível regional; noutro vértice, as estruturas regionais telecomandadas de Lisboa e sem peso político (Economia, Educação, Agricultura, Cultura, Desporto, etc.); noutro vértice, a estrutura regional mais poderosa mas sem a legitimidade do voto popular e sem peso político suficiente, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

O Algarve necessita de, chamem-lhe regionalização ou outra coisa qualquer, uma estrutura regional forte, democraticamente eleita e legítima, com peso representativo, institucional, político e negocial reconhecido por todos os agentes públicos e privados, regionais, nacionais e europeus. Para acabar com as decisões tomadas em Lisboa sem perguntar nada, sem dar ouvidos ou sem dar satisfações ao Algarve. Tal desiderato, ninguém leve a mal, não se alcança com dezasseis Presidentes de Câmara que têm de dar satisfações a quem os elege no seu Concelho e não ao Algarve.

Sinceramente parece-me as polémicas do Hospital Central do Algarve, da requalificação da EN125, da portagens na Via do Infante, da Ponte de Alcoutim, etc., vão-se arrastando precisamente porque faz falta no Algarve um poder regional forte, representativo e reivindicativo e não vejo como se consegue chegar a ele sem ser através da regionalização, de um governo regional eleito e legitimado pelos algarvios.

Como é que os algarvios vão arregaçar as mangas e lutar pelo futuro da região do Algarve sem uma ideia, um projecto, uma estrutura aglutinadora e de unidade da região?

Comentários

Ricardo Fonseca disse…
Como eu tenho pena que não surja um movimento partido do sul e outro do centro.....
Um dos graves problemas deste país - ainda uma herança do salazarismo - é termos uma sociedade civil fraca, muito acomodada e pouco interventiva.

Os chamados 'Movimentos' têm o seu virtuosismo mas o seu grau de eficácia deixa, a maior parte das vezes a desejar. Num país fraco onde os partidos (maiores) são os 'donos' da democracia é muito difícil emanar da sociedade civil qualquer alternativa ao status quo vigente.
Ricardo Fonseca disse…
É uma grande verdade aquilo que diz, mas tendo em conta por exemplo nas últimas eleições a taxa de abstenção, os votos em branco, os nulos e os que votaram em candidatos independentes, pode ser que um "click" sirva para algo mudar. Além deste aspecto e tendo em conta a crise instalada e o descontentamento geral eu diria que o rumo está traçado, só falta navegar!