Cavaco e o interior do país




O presidente da República lançou  nas comemorações do 10 de Junho, um lancinante apelo à "revalorização do interior do país", matéria que deseja colocar na "agenda nacional". Cavaco foi duro no diagnóstico, ao assinalar, perante Sócrates e Passos Coelho, "o menosprezo dos poderes públicos pela realidade do interior"; foi afável com os sofredores do "menosprezo", ao apontar-lhes "um espírito indomável"; e foi realista na avaliação das consequências, ao sublinhar a existência de "um país desequilibrado, um território a duas velocidades". Está tudo certo - e é tudo sabido e consabido há muitos, muitos anos.

Ao ouvir o chefe de Estado, lembrei-me de um discurso proferido por Jorge Sampaio, então presidente da República, no encerramento do II Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro. A conversa era mais ou menos a mesma, com a diferença de Sampaio ter terminado com as lágrimas penduradas por um fio, tal foi o tom emocionado com que se dirigiu à plateia.

A conversa foi a mesma, como os problemas do interior são hoje os mesmo de então. E, por muitos discursos empolgados, emocionados e estruturados que se façam sobre a matéria, nada de relevante se alterará, pelo menos até ao momento em que se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: mudança geracional e de atitude por parte de muitos presidentes de Câmara e criação de regiões. Até lá, por muito massajado que seja o ego dos pobres, abandonados e desfavorecidos, nada de substancial se alterará.

Os sinais, recentes e passados, apontam todos no mesmo sentido: sabendo-se esquecidos pelo poder central e sem a companhia de uma interveniente sociedade civil , autarcas, associações de municípios e quejandos são incapazes de ultrapassar uma espécie de minifúndio institucional (extensão política do minifúndio rural): todos reclamam para si o melhor, esquecendo que, num tempo global como este, não faz sentido nenhum discutir e pugnar pelo que é estritamente local. Faz sentido, isso, sim, aproveitar, em conjunto, o que só o local tem para satisfazer o que o global reclama. As consequências deste fechamento são terríveis.

O problema não é a falta de políticas - essas estão todas devidamente enumeradas e avaliadas há muitos anos. O problema é a falta de políticos capazes de desenhar e pôr em marcha uma estratégia global para a sua região.

Sim, é verdade: com regionalização, tudo seria mais simples. Porque sem ela um grande problema de um município ou de uma região será sempre um pequeno problema para os principais decisores do país.
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