Uma urgência do país entre muitas: a reorganização administrativa

Na sequência de uma iniciativa nesse âmbito tomada há uns meses em Lisboa, começou a falar-se da necessidade da realização de uma reforma profunda da organização do país a nível de municípios e freguesias.

As circunstâncias críticas que se vivem em matéria de dívida externa e de défice das contas do Estado levaram também a que alguns olhassem para essa dimensão da gestão pública como uma em que importaria intervir com urgência, no sentido de impor um melhor uso dos recursos.

A multiplicação das parcerias público-privadas empresariais no quadro local a que se vinha assistindo nos últimos anos, figura jurídica-organizacional agora sob suspeita, foi um dos elementos que serviu de alerta da opinião pública.

A consagração no memorando elaborado pela Comissão Europeia, BCE e FMI, no quadro do “resgate” da dívida externa portuguesa, da exigência de se olhar para essa problemática constituiu o culminar desse processo de consciencialização da inevitabilidade de se fazer essa reforma e o “argumento” que faltava para que ela possa acontecer.

Valerá a pena dizer que a derradeira reforma da organização da Administrativa Local que foi efectuada ocorreu na década de 30 do século XIX, tendo tido por promotores Mouzinho da Silveira (1832/35) e Passos Manuel (1836). Desde aí, há apenas a assinalar a criação do Distrito de Setúbal e a criação avulsa de municípios e freguesias.

Decorrente da dita reforma e das emendas casuísticas posteriormente operadas, temos nesta altura 4260 freguesias, das quais cerca de 35%, isto é 1522, têm menos de 600 eleitores. Por sua vez, o número de eleitos para as Juntas de Freguesia e suas Assembleias são, respectivamente, 13 263 e 34 697. Nos municípios, os eleitos cifram-se em 2016 e nas Assembleias Municipais em 6419.

No enquadramento antes referido, tomar como objectivo chegar às próximas eleições autárquicas, em 2013, com a reorganização concluída é uma meta tão ambiciosa quanto politicamente delicada. Não surpreenderá, por isso, que venhamos a assistir nos próximos tempos à prática tão conhecida de tentar “varrer para debaixo do tapete” o problema (Valdemar Machado).

Sendo suposto prestarem serviços básicos às populações e constituírem-se em agentes de desenvolvimento, as autarquias locais (municípios e freguesias) só serão capazes do fazer se possuírem estruturas mínimas e se se apresentarem dotadas de agentes suficientemente qualificados, o que, nas actuais circunstâncias se torna impraticável na maioria dos casos. A solução de fundir municípios e freguesias é pois a forma incontornável de lhes dar a necessária massa crítica.

Nas zonas urbanas, a fusão ou associação de freguesias não parece ser um problema, já que as questões de identidade terão relevância menor. Os passos já dados nesse sentido em Lisboa e Covilhã dão-nos esse sinal. Em concreto, em Lisboa, pretende passar-se de 53 freguesias para 24, não se tendo notado em razão disso algum tipo de protesto das populações ou fricção entre os partidos. Outro tanto aconteceu no caso da Covilhã, em que é proposto que se opere a fusão das 4 freguesias urbanas da cidade.

O processo será mais delicado nas freguesias rurais. Aí, de modo a tornear o problema da identidade, uma solução que tem sido equacionada será apostar-se em reunir as freguesias em associações, em que as freguesias associadas disporiam de um executivo e uma assembleia comuns, o que lhes possibilitaria o reforço de competências e, logo, também de capacidade de atendimento das necessidades das populações das respectivas circunscrições territoriais. Desta forma, garantir-se-ia igualmente a identidade das populações, a representatividade política e a proximidade entre eleitos e eleitores.

Podendo dizer-se que o contexto económico e social actual não é o mais indicado para a efectivação desta reorganização do Estado, pelo contrário, na medida da urgência e da premência que o país vive, este será um tempo de oportunidade impar para fazer uma reforma estrutural que a conjugação da evolução da demografia, da economia, e as exigências de relação dos eleitos com os “representados” há muito vinham impondo. Pese isso, não se fará sem haja quem levante volumosas cortinas de fumo e sem muita resistência, particularmente da parte de interesses políticos instalados.

|J. Cadima Ribeiro|
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Comentários

Por mais que tente, não consigo entender este discurso. Se, em termos de municípios, os temos com dimensão geográfica e populacional, em média, superior aos do resto da Europa, e as freguesias representam apenas 0,1% da despesa pública, para quê tanto alarido com isto?

Para quê estar a mexer no que está bem feito?

Talvez para quem tem formação em economia, haja a sensação que o mapa não fica bem, devia ser mais homogéneo, que os números são muito díspares, que é precisa "massa crítica".

Porém, em termos geográficos, que é o que mais importa nesta questão, dificilmente conseguiremos encontrar um mapa que espelhe melhor a realidade, os contrastes. É isso o mais importante.

Esta ideia de "associar" freguesias num mesmo executivo não tem qualquer sentido. O principal objectivo das freguesias é representar uma comunidade, e servir de poder de proximidade. Assim, associar comunidades diferentes faz com que deixe de cumprir o principal objectivo das freguesias.

As freguesias servem para que uma comunidade tenha um representante.

E é assim que devem continuar, porque isso é indispensável para o desenvolvimento do mundo rural português.

A cooperação entre freguesias, principalmente para a realização de investimentos e utilização de equipamentos em comum, é desejável e deve ser fomentada, mas sempre na base da existência de um executivo para cada freguesia, nem que seja apenas constituído pelo Presidente da Junta.
Para que cada freguesia, cada comunidade, seja onde for, tenha voz, e haja pelo menos um representante do Estado que evite que a existência de dezenas de terras isoladas por esse país fora seja desconhecida do Poder.
Rui Farinas disse…
Genericamente falando, penso que há muito deveria ter sido feita a re-organização administrativa do território, mas receio bem que,nas actuais circunstâncias, uma decisão pragmática e bem pensada será substituida por um atabalhoado de decisões estúpidas que não trarão vantagens para ninguem. Oxalá me engane, seria sinal que o país começa a funcionar certo.