Será isto uma Reforma Administrativa ?!

O primeiro-ministro apresentou, na semana passada, um estudo para a reforma da administração local. Discordamos da orientação geral desse documento, mas não está em causa a necessidade de debate e de alterações profundas na organização e na administração do território. São necessárias mudanças, tanto no território como na legislação relativa às autarquias. Contudo, perante a importância e magnitude da tarefa, faz algum sentido colocar a extinção/fusão de freguesias no centro dessa reforma?

As freguesias são a autarquia com menor peso em termos orçamentais e de despesa (0,13% do OE), apesar de serem 4259 em todo o país. Desempenham um importante papel de proximidade com as populações, sobretudo nas regiões de baixa densidade demográfica e em muitas periferias urbanas.

Frequentemente, depois da saída do posto de saúde, da segurança social e dos correios, o único "serviço público" que resta é o prestado pela junta de freguesia.

Há quem diga que se tem de começar por algum lado, é verdade. Contudo, reorganizar o território sem mexer na administração desconcentrada e na municipal, onde estão instalados milhares de quadros dos partidos do bloco central, não é sério e faz perceber os reais objectivos desta reforma.

O PSD está obrigado a mostrar trabalho à troika, mas quer mexer apenas com o "elo mais fraco" - as freguesias. Ao nível municipal, o documento do governo prevê que qualquer alteração na configuração dos concelhos é “voluntária”, são os vereadores que não têm pelouro nem vencimento (os da oposição) que levam o maior desbaste e até reforça os poderes dos presidentes de câmara.

A lei eleitoral será mudada para que os executivos passem a ser "homogéneos" e escolhidos discricionariamente pelos respectivos presidentes. As oposições serão residuais, perdem capacidade efectiva de fiscalização e as câmaras ficam em verdadeira "roda livre", sem qualquer possibilidade de travão face a todo o tipo de desmandos e habilidades.

Porém, a concentração de poderes não fica por aqui. As Comunidades Intermunicipais (CIM) que ninguém conhece nem sabe para que servem, compostas por presidentes de câmara de vários municípios agregados, reforçam-se com novas competências e atribuições, mas não se reforçam em termos democráticos, permanecendo sem órgãos directamente eleitos. Passam a ser uma espécie de novos governos civis e constituem um retorno à ideia das fracassadas leis 10 e 11 de 2003, do então Secretário de Estado, Miguel Relvas.

Em vez de democracia e de participação local,  quer-se excluir a regionalização democrática e promover o caciquismo autoritário. Não se pode acreditar que seja uma reforma nem corajosa nem para aumentar a eficiência da administração local, acabar com o despesismo e o compadrio. Pelo contrário, com mais caciquismo só se poderá esperar maior opacidade autárquica e mais corrupção.

O "Documento Verde da Reforma da Administração Local" serve para matar a regionalização e diminuir a democracia local. O caminho tem de ser o inverso: mais descentralização, mais democracia e mais participação, para se conseguirem melhores equilíbrios territoriais e melhores serviços públicos. O debate está aí e as propostas alternativas surgirão. Porém, o caminho indiciado pelo governo PSD/CDS não se trata de uma reforma, mas de um verdadeiro retrocesso.

|Luís Gomes|
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Comentários

Em resposta ao autor do texto:

Não, isto não é uma reforma administrativa. Isto é o maior disparate alguma vez feito na história da administração portuguesa.

A reforma mais cega e centralizadora de sempre.
Longe vão os tempos do século XIX, em que as reformas se decidiam caso a caso... Hoje é Lisboa que manda e a "província" só tem que obedecer... Infelizmente.
Anónimo disse…
Oh João Marques Ribeiro, onde é que isso está escrito? Sempre li e ouvi dizer que eram as Assembleias de "QQ Coisa" que iriam decidir...
Cega??? Centralizadora???
Coitado do Relvas!!!...
Onde é que isso está escrito?
Ao longo das páginas do «documento verde» de capa azul...
O que é isso senão uma imposição de critérios a partir de Lisboa para a «província»?
Caso não saiba, é à Assembleia da República que compete dar o aval final a tudo isto, independentemente da vontade das populações locais.
Quanto a Miguel Relvas, de coitado tem pouco. É dele a responsabilidade pela tentativa de reforma mais disparatada da história do ordenamento do território português, felizmente falhada, em 2002. Os disparates que tem dito só confirmam o seu péssimo «talento» para a pasta que, infelizmente, o seu partido lhe tende a entregar sempre que é governo.