"Gato escondido com o rabo de fora"

O governo, através do chamado “Documento Verde da Reforma da Administração Local”, pretende levar a cabo um conjunto de reformas que na prática se resumem à eliminação economicista de Freguesias, à imposição de executivos monocolores nas Câmaras (acabando com a governação colegial), à atribuição de mais poderes às Câmaras Municipais e às ineficientes Comunidades Intermunicipais (filhas dilectas do actual ministro Miguel Relvas) que mais não são que uma tentativa encapotada de evitar a Regionalização Administrativa do Território.
A justificação económica (poupança) cai pela base à mais leve análise. As juntas de freguesia têm um custo irrisório no conjunto da despesa do Estado: o poder local é responsável por apenas cerca de 8% da despesa pública – uma das percentagens mais baixas da Europa – e por 12% da dívida pública.

O descalabro das contas públicas portuguesas está no Estado Central e não nas Autarquias. Isto obviamente não invalida que todo o dinheiro público deva ser gerido parcimoniosamente e que o desperdício e os abusos (empresas municipais, por exemplo) devam ser erradicados. 
As Câmaras Municipais e as Comunidades Intermunicipais (um órgão não eleito ao qual carece legitimidade democrática para tomar decisões que impliquem com a vida das pessoas) não devem acumular mais poder. As Autarquias são órgãos de poder local e não regional. 
A solução é cumprir a Constituição da República e instituir a Regionalização Administrativa do território. Instituir governos regionais eleitos democraticamente com legitimidade e meios para coordenarem as autarquias locais e implementarem políticas de desenvolvimento regional. O Estado central será assim ser liberto para aquelas que são as suas funções primordiais: representação, defesa, segurança, justiça, segurança social e governo macroeconómico.
O governo colegial das autarquias, contendo no executivo a própria oposição, não tem sido factor de bloqueio a uma boa governação, antes pelo contrário. Nem esse facto tem sido impeditivo de governos autárquicos fortes e personalizados - o caso da cidade do Porto é um exemplo paradigmático. Os concelhos portugueses, com a excepção de meia dúzia, não possuem massa crítica eleitoral e social para arriscarem governos de pura maioria parlamentar. Atribuir um poder desmesurado a um só partido ou pessoa, tornará as Câmaras Municipais ainda mais permeáveis ao caciquismo autoritário.

Esta é uma forma manhosa, a coberto da retórica democrática, de ampliar o feudalismo municipal. Estratégia que serve perfeitamente a manutenção do absurdo sistema centralista que nos desgoverna. O Suserano em Lisboa, magnânimo com os seus vassalos, e os 308 todo-poderosos condes e duques espalhados pelo território governando, sem visão de conjunto regional e nacional, os seus pequenos Coutos. Dividir para reinar.
Embora nos grandes centros urbanos a discussão sobre as funções e o número de freguesias se justifique, no mundo rural e no interior este órgão de base do edifício administrativo português alcança uma dimensão simbólica e utilidade de modo nenhum negligenciáveis. A sua discussão não pode ficar pela mera intenção de reduzir e agregar cegamente.

A presença das freguesias no interior rural e despovoado, além de funcionar como vector de transmissão de algum, escasso, dinheiro aos sítios mais recônditos e esquecidos pelo centro, é, ainda, o último elo de ligação ao Estado daquelas populações esquecidas. Exercem uma insubstituível e inestimável função de soberania territorial.

As Juntas de Freguesia, em muitas povoações do interior, são as únicas instituições onde ainda é possível ver uma bandeira portuguesa desfraldada ao vento. Isto num país que por uma deliberada ausência de políticas de povoamento e pelo abandono sistemático da Agricultura tem vindo a ver as suas fronteiras produtivas reduzidas a uma estreita faixa litoral. 
Este é um problema grave que aumenta, e muito, o nosso hiato do PIB. Isto é, a diferença entre aquilo que o país poderia produzir, se todos os seus recursos fossem bem aproveitados, e aquilo que na realidade produz.
Esta reforma é inconstitucional porque vai contra o espírito da lei fundamental. Muito mais importante que a forma da lei plasmada nos códigos é o espírito dessa lei. E esse, apesar da recentemente introduzida obrigação do referendo, determina que a Regionalização deve ser levada a cabo. Atentar contra isso, à socapa, é contrário ao espírito da lei fundamental.
Esta pseudo reforma é gato escondido com rabo de fora. O rabo é a tentativa não assumida de inviabilizar o processo de Regionalização para sempre.

Comentários

Unknown disse…
Governação colegial das auatarquias? Deixa-me rir... São uns a governar e outros a «meter pauzinhos na engrenagem». Isso a que chama «governação colegial» não é mais do que um mini-parlamento, uma extensão da AM-orgão deliberativo, pouco interessada em executar, mais interessada em discutir no local errado. Por vezes até lá está quem, confessadamente, só esteja interessado na senha de presença. Veja-se o caso de Alenquer: Por vicissitudes várias a força política que venceu passou de 3 a 2 vereadores, claramente insuficientes para a gestão da Câmara. Daí a força política vencedora convidou toda a oposição a estar representada no executivo, a assumir pelouros a tempo inteiro.Aceitaram? Uma treta, só uma vereadora, contra a opinião publicamente manifestada pelo seu Partido, aceitou pelouros. Em mandatos anteriores, quando em cada reunião de Câmara se discutiam dezenas de processos de obras e a ordem de trabalhos tinha um significativo número de pontos, as reuniões eram quinzenais. Agora que vão dois ou três projectos e o número de pontos da Ordem de Trabalhos anda também por aí, passou a ser semanal por imposição da oposição. È a senhazita de presença, pois então, sempre são 100 pacotes ao fim do mês e o tempo é de crise. Força com a Reforma Administrativa. À fava os colegiais.Um executivo camarário é para trabalhar, não para o blá-blá.
Pessoalmente, não tenho uma visão tão radical da ineficácia dos chamados vereadores da oposição.

Retirar os vereadores da oposição pode fazer diminuir o controle e o acompanhamento da ação do executivo camarário e desta forma limitar a transparência da actividade governativa.

Passar a totalidade do controle e fiscalização da actividade camarária para a esfera da Assembleia Municipal nos moldes de funcionamento atuais, não me parece que seja uma solução muito avisada.

Note-se que a fiscalização do Governo Central é feita por uma Assembleia da República com deputados profissionais e com reuniões plenárias, no mínimo, semanais.

Ora, fazer-se a fiscalização do governo camarário através de um órgão (assembleia Municipal) amador e com reuniões periódicas, muitas vezes, trimestrais parece-me pouco.

Cumprimentos,
Plenamente de acordo, no essencial. Uma autêntica farsa...

No acessório (para o tema que aqui nos traz), porém, discordo de que a homogenização dos executivos municipais seja um mal. No Governo também não há uma percentagem de Ministros da Oposição em função da sua percentagem de votos! E espero bem que este aberrante sistema adotado nas Autarquias (talvez até compreensível em 1976, mas hoje profundamente desatualizado) não se repita nos futuros Executivos Regionais.

O debate de alternativas e uma efetiva fiscalização dos executivos deve ter lugar, de forma inequívoca e eficaz, através do reforço das competências das Assembleias, mas por favor acabe-se com esta mistificação dos executivos politicamente heterogéneos, que é uma contradição nos seus próprios termos!

Trabalho há vinte anos numa Autarquia, sei bem do que falo, e parece-me até desnecessário argumentar com exemplos concretos, como os casos de Vereadores que "aceitam" Pelouros contra a vontade dos seus Partidos, subvertendo completamente o sentido do voto popular...
Anónimo disse…
Sabem quanto se gasta numa assembleia municipal em senhas de presença num municipio com 62 deputados? milhares de euros, principalmente em deslocações pois os importantes vem de Lisboa e para quê na maioria das vezes prestar loas ao Senhor Presidente da Câmara.
É discutivel mas porque não lançar para o debate um novo sistema de governança nos municipios uma Câmara executiva com um Presidente 3 5, ou 9 Vereadores conforme a população do concelho a tempo inteiro escolhidos pelo presidente que seria o cidadao da lista mais votada e, uma Câmara deliberativa(que substituia a Assembleia Municipal) com maior poder de fiscalização com reunião mensais e sendo um parlamento em que só houvesse senhas de presença sem direito a subsidio de deslocação . As Juntas de Freguesia terem mais competencias proprias e delegação com ajustamentos tecnicos,estrurais e financeiros, julgo que seria um reforço democrático, maior participação fica a ideia para debate.