ESTE INTERIOR NÃO É PARA PESSOAS

Quem repare naquilo ao longo das últimas décadas se vem passando em termos do ordenamento do território em Portugal, mais lhe parecerá que quem sabe, por um qualquer desígnio ou escusos interesses, se adaptou uma estratégia de esvaziamento de pessoas e de bens de tudo o que seja aldeia ou pequena vila. 

Uns após outros, num efeito de pescada com o rabo na boca, serviço público atrás de serviço público e afins, foram encerrados por falta de utentes e de índices de rendimento. Foram deslocados para a cidade, quase sempre a capital de Distrito, em muitos casos com o argumento de com as novas acessibilidades as distâncias se encurtaram, se não, em quilómetros, pelo menos em tempo de deslocação.

Venderam-nos a ideia de que vivemos todos numa pequena Área Metropolitana, com a diferença de que alguns habitam mais sossegadamente em recantos que até dá gosto. Em parte até tinham razão, convenhamos. Esqueceram no entanto ainda recentemente, é que a acessibilidade neste contexto está directamente relacionada com a capacidade financeira de cada qual para utilizar os meios de transporte.

Passaram a taxar as nossas andanças nas tais vias modernas e supostamente geradoras de proximidades. Deixaram então estas de ser para nós, numa condenação sem apelo ao retorno às antigas estradas, antes mais esporadicamente utilizadas, uma vez que os quotidianos se desenrolavam em grande parte no concelho de residência.

Antes, tiraram destes os organismos por ser fácil ir até eles nos novos locais, e com o passar do tempo, quem nem por força de atracção de hímen, os cidadãos foram-se deslocando com teres e haveres paras pólos urbanos desordenadamente acrescentados com prédios surgidos que nem cogumelos ao sabor de uns tantos.

A coisa chegou a um ponto tal, que hoje em dia só apetece fugir do pequeno concelho, num êxodo que ninguém parece querer estancar. Só fica, quem não em alternativa, ou quem é já demasiado entrado na idade para aventuras e para novos hábitos de vida, mesmo que teimosamente ainda haja quem resista, apesar de por parte de quem tem poder para quase tudo decidir, a mensagem chegue cada vez mais indicando o caminho da saída.

O despudor, a falta de senso, de visão, ou seja lá do que for, chega ao ponto de se sugerir aos mais novos que emigrem com todo o seu potencial, uma vez que por cá, por Portugal, não vale a pena tentar fazer caminho.

Neste andando, foram-se criando deprimentes desertos, mesmo depois de se ter verificado o mal, no esquecimento dos ancestrais conhecimentos que dizem não fazer qualquer sentido um território humanamente não habitado. Errou-se e continua-se a errar, agora com a desculpa da inevitabilidade advinda da falta de recursos e da racionalidade, numa lógica de ter e de haver sem que se olhe ao ser.

Chegar um homem pela madrugada ao Posto da GNR de uma pequena vila, em busca de auxílio, e encontrar somente um estremunhado agente que o informa nada poder ser feito até que os colegas entre ao serviço às oito horas, ou ter que se deslocar quilómetros para encontrar a autoridade de Saúde que tem em mãos os assuntos no sector de uma mão cheia de concelhos, é algo de absolutamente usual nestes tempos e nestas bandas.

Isto para já nem irmos aos hospitais cada vez mais longínquos e maiores, mas sem o toque de humanidade que sempre faz bem a quem se encontra mal, mas mais não é do que um mísero número numa lista de espera com o nome a mais não ser do que um conjunto de letras alinhadas em bonitos mapas obviamente informáticos, pois esta com orgulho rapidamente virou sinónimo de modernidade para quem faz e para quem manda fazer.

Não se aprende contudo. Só se olha aos rácios, como se o ordenamento territorial não merecesse os custos que provoca. Quer-se agora extinguir Tribunais por via destes terem pouco movimento. Num primeiro olhar, até parece lógico. O problema, é que de seguida, vão-se outras dependências oficias e mais as pessoas. Em efeito de dominó, matam-se as já ténues sinergias locais. Os fantasmas riem, pois em breve não lhe faltarão casas e casarões para assombrar. Não terão é a quem medo. Coitados.

Comecei por dizer no título que este interior não é para pessoas, mas acabo afirmando que nem para os espíritos ele parece ser. Ficará para os ratos, digo eu.

Por: Manuel Igreja 

Comentários

Fronteiras disse…
Verdade verdadeira! Só é cego quem não quer ver!!!
Paulo Rocha disse…
Esta é a realidade que os sucessivos Governos têm ignorado com irreversíveis prejuízos para Portugal
manuel amaro disse…
É verdade, mas eu não sei como "prender" as pessoas às suas terras.
A "minha aldeia" tinha 100 habitantes em 1959. Tenho a lista, com nomes, idades e famílias. Hoje tem oito habitantes, (quatro casais) todos com mais de 68 anos.

Quando lá vou, estaciono, fico junto à ribeira, olho para a planície, depois para a montanha e penso, penso, mas não sei o que os governantes poderiam fazer para que aquilo voltasse a ter, pelo menos, meia centena de habitantes.

Povoamento do interior??
Sim, mas só nas zonas com qualidade de vida, principalmente Serviços de Saúde

Não tem sido fácil.
Cada vez será mais dificil.

Eu gostaria de apresentar a fatura ao Miguel Relvas, mas antes dele já houve tantos "relvas", que hoje, os governantes não passam de "restolho"...
A culpa, essa vai morrer solteira.
Porque a culpa gostaria de casar no interior.
E o interior já não tem , nem vai ter, noivos para a Culpa.