"Falta um líder ao Norte"


O professor Marcelo e o Norte


A liderança do Norte (ou melhor: a falta dela) mereceu do professor Marcelo Rebelo de Sousa, um dos mais conceituados oráculos do regime, um tão venenoso quanto catastrófico comentário. Disse o professor: "Falta um líder ao Norte. E se Rui Rio não o conseguiu ser, então ninguém mais conseguirá".

Seguramente sem querer, o comentador que mais factos políticos cria em Portugal passou um atestado de incompetência a Rui Rio e a todos os restantes actores políticos, económicos e sociais da região. Aos vivos, pelo menos, porque pode estar para nascer quem, na opinião do professor Marcelo, possa, enfim, ter as qualidades necessárias para liderar e representar o Norte na corte.

É verdade que Rui Rio não foi o líder do Norte. Nem poderia ser, na exacta medida em que, para se ser líder de alguma coisa, primeiro é preciso querer, de facto, sê-lo. E, creio eu, Rio preferiria ser líder do país do que de uma parte dele. Mais: para ser líder, não basta ser conhecido (como Rio é), é preciso ser reconhecido pelos pares, coisa que Rui Rio não é. Mais ainda: Rio reconheceu demasiado tarde as virtudes da regionalização para o Norte, para poder usá--la como argumento agregador de vontades. Na política, os cristãos novos são sempre olhados com desconfiança...

A negra profecia de Marcelo mereceu uma afinada resposta de Luís Filipe Menezes. "O desejo de Lisboa é que o Norte nunca venha a ter líder. Há quem trabalhe para, na secretaria, conseguir esse desiderato", atirou o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e ex-presidente do PSD. "O Norte tem talvez a última oportunidade, numa perspectiva de duas a três gerações, de se tornar num grande centro alternativo a Lisboa, na segunda grande ponte urbana de entrada na Europa", acrescentou - e bem - o autarca.

Comentários como o de Marcelo sobre o Norte ouvem-se às dezenas. Explicações para o facto de o Norte ter perdido pujança política também as há para todos os gostos, começando pela "mea culpa" que os mais influentes actores da região devem fazer. O que nunca se tinha ouvido era uma coisa sebastiânica como a que disse o professor: se Rio não conseguiu, ninguém conseguirá...

Conseguirá, com toda a certeza. Se o professor quiser mesmo ser justo deve dizer que convém ao país que essa liderança apareça o mais depressa possível, porque são o Norte e o Centro que estão a salvar o país com a sua "performance" nas exportações. Se quiser ser justo e dar um jeitinho para que o Norte tenha liderança, o professor pode, num dos seus programas dominicais, perguntar por que razão mantém o Governo em estado catatónico, há seis meses, as comissões de coordenação regional, decisivas para a aplicação de qualquer estratégia económica e social coerente.

O professor Marcelo também pode perguntar como é que o Governo deseja que as regiões tenham massa cinzenta quando nomeia para altos cargos da Função Pública gerentes de lojas comerciais sem qualquer experiência política.

Enfim, o professor podia colocar as coisas como elas são e não como lhe parecem ser: uma liderança forte no Norte, ou noutra região, põe em causa o princípio da subserviência política e questiona as decisões tomadas à distância e sem qualquer ligação à realidade. Isso, como se sabe, não interessa a nenhum poder central, porque o questiona e coloca em xeque. E contra este facto não há, na verdade, Rui Rio que nos valha...

|JN|
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