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Um prenúncio de Norte


Há um rumor de Norte no ar. Não é só a campanha dos meios de comunicação a apelarem à identidade como marca diferenciadora. A palavra “Norte”, no meio da desilusão do país, parece ter ecos de generosa defesa de qualquer coisa que sobreviva à derrocada geral. Um refúgio, no meio deste inexorável abandono de tanto que tínhamos por adquirido.
É certo que o Norte também não é nada completamente adquirido, preso na total falta de representatividade política própria, a base da democracia, preso na litoralização excessiva, preso nas suas próprias contradições.

Mas quando se fica a ser o único a pagar portagens, nem que seja durante algum tempo, quando se vê desaparecer investimento, quando a nossa ligação ferroviária mais direta a Espanha tem tempos de museu, fica difícil de engolir que 2 casos claros de sucesso, o porto de Leixões e o aeroporto Sá Carneiro, tenham de se diluir na mediocridade nacional.
Por isso o Norte falou, mesmo que com pronúncia do Porto, quando a Assembleia Municipal da cidade se juntou, unânime, em torno da defesa da autonomia de Leixões, por isso têm falado de Norte os muitos que têm escrito na defesa da mesma autonomia para o aeroporto.
Às vezes é preciso um clique como este, para nos lembrarmos do mais óbvio: que o princípio da subsidiariedade é virtuoso, que a proximidade na gestão dos interesses próprios gera eficácia, como está provado nos casos apontados, ou também, muito claramente, na gestão das nossas universidades.
O óbvio é que o centralismo tem sido empobrecedor. Veja-se o que a capacidade de decisão a nível nacional nos trouxe e olhe-se para os exemplos de organização política descentralizada dos países mais ricos, mais capazes. E, mesmo que estejamos cansados de o repetir, fale-se de Norte, porque, depois de um governo socialista que mais uma vez empurrou cinicamente para a frente qualquer reorganização territorial que trouxesse equilíbrio a este país inclinado, agora são os sociais-democratas que, a coberto da crise, se preparam para mais uma vaga centralista.
Não é só Leixões e o Sá Carneiro. Vão fechar mais estruturas do Governo, vão extinguir direções regionais, tribunais, universidades, menos ainda do já pouco que temos, pois até mesmo as CCDR podem ver limitadas as suas competências, sem que sejam substituídas por estruturas capazes de pensar em termos regionais. Até a armadilha da organização administrativa pelas comunidades intermunicipais, enunciada a favor de uma descentralização, parece mais feita para dividir do que para unir.
Por isso soa bem este prenúncio de Norte e sabe bem ouvir o “Jornal de Notícias” ou o Porto Canal a falar da região, mesmo que por vezes ela pareça tão distante dos próprios habitantes. Eles escavam a identidade, constroem uma narrativa e, se ela for suficientemente persistente, é sobre ela que amanhã os políticos terão que discorrer.
Pode até ser que isto tudo seja mais desejo do que realidade, que eu ande a ouvir coisas. Mas se alguns políticos e líderes de opinião têm tido a capacidade de levantar a sua voz, mesmo contra a subserviência dos habituais oficiantes partidários, pode ser que estejamos mais perto do dia em que os cidadãos exijam falar em nome da terra que habitam.

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