As pontes Porto-Gaia (2)


Quem vivia em Gaia, tinha a tendência de “ir ao Porto”. Ou para trabalhar ou para “ir à cidade”. Não é de admirar. Gaia era um dormitório. No Porto havia de tudo. Havia muitos cinemas, por exemplo na Praça da Batalha onde a imponência do Águia Douro, do S. João e do Cinema Batalha nos obrigavam a entrar e a passar tardes ou noites inesquecíveis.

Mais abaixo, de entre as livrarias existentes, como a Latina, ali estava a Vadeca com os seus vinis, fossem eles, os singles, EP´s, ou long play´s dos Beatles, dos Rolling Stones, dos Bee Gees, do Cliff Richard e mais cinemas.

O gigante Coliseu com os seus circos no Natal e no Carnaval, o Olympia, os bailes do Passos Manuel e do Ateneu, o Sá da Bandeira com as suas peças teatrais com a grande Laura Alves, o Camilo de Oliveira e muitos outros, entre eles o Rivoli onde, para além do cinema, se via teatro a sério, companhias de dança clássica e que mantinha também uma fantástica programação musical, o TEP na sua salinha de bolso mesmo em frente do restaurante Abadia.

Sim, os restaurantes…o Ribeiro, o Escondidinho, o Palmeira. Os cafés, muitos, o Majestic ou a Brasileira. O Café Embaixador com os engraxadores de sapatos mesmo em frente, o lindíssimo Imperial. Mais acima, junto à Camara, os Fenianos, o fabuloso Cinema Trindade, e, daí até ao Cinema Carlos Alberto, era um pulo. Foi aqui nas velhas sessões duplas que enchiam por completo as tardes dessa sala, que o meu gosto cinéfilo sentiu a “diferença”.

A dualidade entre dois tipos de cinema, um emergente de uma França em “revolução cultural” intensa, à qual se aliava ainda um certo “neo realismo” italiano, um majestático cinema Viscontiano ou as surpresas vindas da Polónia de Polanski e Wajda, que se podia ver em algumas salas portuenses e o outro, o popular que com os seus filmes temáticos - os do Oeste (as “cowboyadas”), os policiais, os melodramas, enfim, o cinema que o “povo” via! Carlos Alberto que há cerca de 35 anos era Centro Cultural único no Porto.

Por ali nasceram e de iniciativa privada os Festivais de Jazz do Porto, o Intercéltico, o FITEI, o FANTASPORTO, o Festival de Marionetas, os Encontros de Música Contemporânea, o Fazer a Festa. Ali nasceu a cultura que hoje ainda deveríamos ter no Porto. Num único espaço. Velhinho. Simpático. Com uma entrada acanhada, mas com um interior recheado de saudades por um percurso quase centenário.

Polo da vivência cultural desta zona, ali perto nasceram alguns bares, como o sempre “vivo” Pipa Velha e simpáticos restaurantes. Em frente do Carlos Alberto, os Lumières. Espaços indissociáveis dos Cafés Luso, Universidade ou “Piolho”, centros estudantis por excelência.

Toda esta vida cultural chamou a esta zona do Porto uma população estudantil que alugava quartos e vivia o centro do Porto, sobretudo em Cedofeita e em Carlos Alberto.

Antiquários, alfarrabistas e até dois encadernadores tradicionais, mantiveram bem viva esta área da cidade que agora tem um novo atractivo, a chamada Rua de Miguel Bombarda com as suas Galerias de arte e design, Livrarias (a não esquecer também a “velha” Leitura, a Livros do Brasil, a Britânica ou a Lello, também aí situadas).

Ali, em Miguel Bombarda, estava sedeado o Teatro Universitário do Porto, a Federação Académica. E tudo numa área da cidade que tem tudo à mão. Desde a drogaria popular à loja de marca, desde o tasco, ao restaurante de luxo, desde a população pobre a uma média burguesia, por vezes abastada, até porque ali se situam dos mais belos prédios do Porto, alguns mesmo Arte Nova, como acontece na Rua Cândido dos Reis e tudo isto sob o olhar dessa fantástica Torre dos Clérigos de Nasoni.

As opções de lazer eram, então, muitas e variadas. Era, de facto, para o centro do Porto, que convergiam as populações do Grande Porto. Será assim agora?

 Mário Dorminsky - Vereador CM Gaia
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Comentários

Carlos disse…
Excelente! Uma foto lindíssima, e um texto muito elucidativo e que me fez recordar bons tempos.
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