Miguel Relvas: obviamente, anti-regionalista!

O nome de Miguel Relvas saltou definitivamente para a ribalta nos últimos tempos. Primeiro foi o caso das alegadas pressões à jornalista do jornal Público, Maria José Oliveira; depois, o caso da licenciatura do próprio ministro veio apontar definitivamente os holofotes da comunicação social e da indignação generalizada da sociedade portuguesa para o ministro dos Assuntos Parlamentares.

Esta semana saiu na revista Visão uma reportagem sobre o percurso de vida deste polémico personagem. Nessas páginas, podemos ver como Relvas «trepou» pela escada da política, primeiro a nível local, na JSD, depois na autarquia de Tomar, e finalmente a nível nacional, como deputado, secretário de Estado e ministro.

É fácil perceber como Relvas se movimenta bem nos meandros da política portuguesa. Os cargos de influência que exerceu e o papel que ocupa desde os tempos de Tomar como centro de uma teia de contactos e ligações políticas não deixam margem para dúvidas- Relvas é a personificação ideal de um homem do aparelho político-partidário que dirige o nosso país há mais de três décadas.

Diz a reportagem da Visão desta semana que Relvas, durante as mais de duas décadas que passou na Assembleia da República, foi um deputado discreto, que praticamente só intervinha em projectos de criação de novos concelhos e freguesias, e na elevação de aldeias a vilas e de vilas a cidades- sim, estamos a falar do mesmo Miguel Relvas que hoje, em 2012, defende que a extinção em massa de freguesias é um acto de "ousadia e coragem" contra o  "calculismo político e imobilismo" do passado, e que "num país cheio de diagnósticos, chegou o momento de fazer". Isto dito pelo responsável pela criação, no passado, de dezenas de novas unidades administrativas dá o clássico exemplo do velho ditado "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço".

Porém, apesar da aparente discrição que pautou a vida política de Miguel Relvas, havia uma medida que o fazia «saltar da cadeira» e praguejar activamente contra a sua implementação: a Regionalização.

Relvas sempre foi um dos mais acérrimos adversários desta reforma, produzindo activamente declarações violentes sobre este assunto, como "a regionalização divide o país e divide o partido" ou "a regionalização não é para aqui chamada", tentando passar para o País a ideia de que a Regionalização estava enterrada para sempre e que não se devia sequer tocar mais no assunto, chegando a ter o descaramento de afirmar, em 2011, que "hoje já ninguém defende a Regionalização".

Durante as suas passagens pelos governos de Durão Barroso e Passos Coelho, Relvas tentou sempre consubstanciar este discurso, primeiro através da chamada «Reforma Relvas» de 2003, que se revelou um fiasco total; depois através do chamado «Documento Verde da Reforma da Administração Local», que não passa de uma cópia da reforma de 2003 com um pouco de cosmética.

Não é de estranhar esta «alergia» de Relvas à Regionalização. O actual ministro é, como já referi, um verdadeiro «homem do aparelho», um coordenador da máquina partidária de interesses na qual se move o poder político em Portugal. O pior que podia acontecer à carreira política de Miguel Relvas seria o fim da situação actual, em que o poder se encontra concentrado na tão bem oleada máquina do Poder Central, sendo que o que sobra está pulverizado pela estrutura capilar do Poder Local, que não tem nem capacidade de união nem dimensão para contestar o que quer que venha de São Bento e dos gabinetes do Terreiro do Paço.

A Regionalização seria para Relvas um desastre total. Os aparelhos político-partidários alterar-se-iam irreversivelmente, com o surgimento de representantes de cada região, que, legitimados pelo voto, teriam capacidade para representar efectivamente as suas populações junto do Poder Central. Seriam eles a fazer a ponte entre o Terreiro do Paço e as autarquias, papel que hoje pertence aos «Miguéis Relvas» deste país, nem que para isso tenham de usar telemóveis pagos pelos munícipes de Tomar ou de outros concelhos quaisquer. E, mais que tudo isto, o Poder Regional, que hoje vive num limbo impune da obscuridade, seria eleito pelos cidadãos, que poderiam escrutinar o seu funcionamento e pedir-lhe satisfações em caso de desconfiança.

Tudo isto seria um verdadeiro pesadelo para os «homens do aparelho» e é por isso que Miguel Relvas e outros são opositores tão viscerais da Regionalização. Por isso é que o ministro Relvas insiste na fracassada reforma de 2003, que formalizava os organismos intermunicipais não eleitos (não lhes conferindo qualquer poder relevante e deixando-os à mercê das guerras político-partidárias entre autarcas vizinhos) para mascarar uma pretensa descentralização, ao mesmo tempo que deixava que o efectivo Poder Regional se mantivesse nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), organismos que gerem questões tão importantes como o ordenamento do território, o urbanismo, a cooperação transfronteiriça, as questões ambientais, o investimento público e a distribuição de grande parte dos fundos comunitários que chegam a Portugal.

Todo este poder continuaria como está hoje: nas mãos de representantes não eleitos, nomeados pelo Governo Central, completamente dependentes do aparelho político-partidário central e sem qualquer escrutínio possível por parte dos cidadãos. Ou seja, num regime de obscuridade que dá abrigo a que todo o tipo de jogadas políticas possam ser feitas sem grande alarido. Com uma situação destas, não nos podemos admirar que o poder em Portugal seja afectado por fenómenos gritantes de corrupção, favorecimentos, má gestão dos dinheiros públicos e mau funcionamento da Administração Pública.

É lógico que a Regionalização é o pesadelo dos homens dos aparelhos partidários do «arco do poder» em Portugal. A existência de um Poder Regional efectivo, baseado na força do voto dos cidadãos, e que teria de lhes prestar contas sobre assuntos que hoje não saem dos aparelhos partidários e dos corredores do Poder Central acabaria com a grande parte da razão de existir destes «homens do aparelho».

Por isso Miguel Relvas foi bem claro quando apresentou a sua reforma de 2003, dizendo que o objectivo era "enterrar a Regionalização" e que "não será[seria] possível ressuscitar o espírito regionalista porque as reformas em marcha não o permitirão[permitiriam]", deixando no ar a velha balela de que "a Regionalização divide...". 

A única coisa que a Regionalização divide é o aparelho do poder. E é disso que os «Miguéis Relvas» deste país têm medo e é por isso que o ministro Relvas está a voltar à carga com as velhas ideias de 2003. Resta saber se a sociedade portuguesa o deixará continuar a levar a água ao seu moinho. 



João P. Marques Ribeiro

Comentários

Fronteiras disse…
Boa! Acho que só com isto deverias pedir a licenciatura em Ciências Políticas. Decerto dar-te-iam a equivalência. Na Lusófona não sei, mas tal vez noutra é que davam...

(Na brincadeira. LOL)

Muito bom, sim senhor!
Fernando Romano disse…
Pois, pois....

Mas o Sr. J.Marques Ribeiro está a esquecer-se de uma coisa muito importante:

-Miguel Relvas arrebanhou todos os caciques regionalistas para levar esta camarilha que nos governa ao poder. Estabeleceram entre si um plano para levar ao poder uma caricatura de primeiro ministro, e foram eles, Marco António, Menezes e M.Bota, com a coordenação de M.Relvas, que decidiram nauqle dia à noite dizer ao farsolas do Passos: ou recusas o PEC IV ou vamos para eleições no partido.

Resumindo: regionalistas como aqueles que referi, e outros, aliaram-se a este jagunço político, M.Relvas, para satisfazerem os seus interesses pessoais, borrifando-se para os do povo português.
~
Tem razão quanto à pessoa de M.Relvas, mas parece querer sacudir dos regionalistas a responsabilidade nesta desgraça que vivemos.

Miguel Relvas e muitos regionalistas são a mesma substância, noutros casos consubstanciais.

Essa é que é essa!
Sr. Fernando Romano:

Não nos faça rir. A jogatana parlamentar que o senhor descreve é feita, quer por regionalistas, quer por anti-regionalistas, sejam do PS, do PSD, do CDS, do PCP, do PEV ou do Bloco de Esquerda.

Ninguém escapa a isso.

Até parece que Marco António Costa e Luís Filipe Menezes (que segundo o senhor têm muito poder, mas que na realidade foram afastados do comando do PSD pela ala centralista do partido) são os únicos regionalistas do País. Que não há mais regionalistas, nem no PSD, nem noutros partidos.

E não, eu não acho que os regionalistas são todos honestos e os anti-regionalistas são todos corruptos. Não sou hipócrita a esse ponto, porque oportunistas há em todas as ideologias.

Simplesmente tenho a profunda certeza daquilo que defendi neste artigo: o centralismo favorece os oportunistas, enquanto a Regionalização lhes dificulta a vida.

Sr. Fernando Romano: ao contrário de si, eu não quero fazer política. Sou completamente independente dos partidos políticos, e as minhas opiniões não têm nada a ver com isso.

Para mim nesta última década não houve um governo que se aproveitasse, nem do PS, nem do PSD-CDS, muito menos o actual governo. E não me atiro em exclusivo a um partido como o senhor faz.

E José Sócrates? E Augusto Santos Silva? E Pedro Silva Pereira? Porque é que o senhor não fala deles? Gostava sinceramente de saber...

"Essa é que é essa!"
Caros António Almeida Felizes e fronteirashistoriasdaraia:

Muito obrigado!